sexta-feira, 13 de março de 2009

O SANTO CONTESTÁVEL


Minha crónica no "Público" de hoje:

A anedota foi-me contada em Aljubarrota. Diante de uns ossos remanescentes da batalha, um visitante apontou para um deles e perguntou: “Este grande osso a quem terá pertencido? A um bravo guerreiro que gritava por S. Jorge ou a outro que gritava por Santiago?” Resposta lesta do guia: “Esse não gritava, relinchava, porque é um osso de um cavalo!

A batalha de Aljubarrota, travada em 1385 entre D. João de Portugal, que chamava por S. Jorge, e por D. João de Castela, que chamava por Santiago, foi ganha pelo primeiro graças, sem dúvida, ao Condestável D. Nuno Álvares Pereira. Decerto mais a ele que a S. Jorge. Mas o grito de S. Jorge institucionou-se a partir de então no exército luso, já que antes tanto portugueses como castelhanos bradavam por Santiago, também conhecido por Santiago Mata-Mouros. Os nossos aliados ingleses, que ajudaram em Aljubarrota, invocavam desde há muito S. Jorge, o valente soldado romano que terá sido mártir às mãos de Diocleciano.

Quando aprendi história na escola primária fiquei um pouco confuso: Como é que dois santos, que deviam viver na paz dos anjos, andavam, assanhados, à guerra um com o outro? Porque é que os santos não conferenciavam, evitando uma multidão de mortos e feridos, entre homens e cavalos? E agora também não pude deixar de ficar algo confuso quando soube que o Condestável, que além de Aljubarrota tinha mostrado a sua fibra guerreira noutros campos, ia ser canonizado. Bem sei, da mesma escola, que nos últimos oito anos da vida ele recolheu ao Convento do Carmo em Lisboa (lembro-me de ter feito um desenho em que lhe pus numa mão a espada e noutra a cruz) e que, por exemplos de virtude, foi beatificado. Mas também sei que há gente a contestar o processo actual. Há até quem lhe chame o Santo Contestável.

Contestam-no alguns republicanos. D. Duarte de Bragança, descendente de D. Nuno por a filha deste ter casado com o primeiro Duque de Bragança, apareceu a afirmar que o atraso na canonização era culpa dos espanhóis (por Santiago!) e a sugerir que ele próprio tinha desempenhado um papel na aceleração do processo (por S. Jorge!). De facto, o candidato a rei é autor de um opúsculo laudatório do Beato Nuno, onde se pode ler esta pérola: “Quando passava de Tomar a caminho de Aljubarrota, a 13 de Agosto de 1385, D. Nuno foi atraído a Cova da Iria, onde, na companhia dos seus cavaleiros, viu os cavalos do exército ajoelhar, no mesmo local onde, 532 anos mais tarde, durante as conhecidas Aparições Marianas, Deus operou o Milagre do Sol» (“D. Nuno de Santa Maria - O Santo”, ACD Editores, 2005). É mais crível que o cavalo tivesse gritado por S. Jorge... Dado o manifesto aproveitamento dos monárquicos, há quem tenha recuperado um texto de Júlio Dantas de 1909 (“Outros Tempos”, Clássica Editora). Nesse ano, ainda antes de D. Nuno ter passado a Beato Nuno, o médico e escritor republicano previa a canonização no ano de 2016, tomando abertamente o partido do cardeal-diabo, para quem o Condestável “é tão legitimamente, ou antes tão ilegitimamente canonizável como qualquer outro mestre na arte suprema de matar e de triunfar”.

Contestam-no também os cépticos, não necessariamente ateus. Para isso servem-se não do milagre circense dos cavalos, que qualquer cardeal-diabo contestaria, mas do único milagre validado pelo Vaticano, a cura em 2000 de uma lesão ocular da senhora D. Guilhermina de Jesus, de Vila Franca de Xira. Estava ela a fritar (seria irónico se fosse com azeite “Condestável”!) quando um salpico lhe entrou para um olho. Apesar da ajuda de um colírio, a cura só terá sido conseguida quando ela tocou a vista com uma imagem de Beato Nuno, pedindo-lhe a graça do milagre. E tal bastou para que Portugal ganhasse o novo santo.

Que responder a uns e a outros? Eu, que a respeito, acho que a Igreja se podia dar mais ao respeito, explicando melhor. Um padre meu amigo diz que para se ser católico não é preciso acreditar nos milagres de Fátima. Espero bem que também não seja preciso acreditar no milagre de Vila Franca de Xira.

15 comentários:

Armando Quintas disse...

Não seria essa a senhora que esteve uns anos internada num hospital psiquiátrico? OS milagres valem o que valem 0.
Deixemos-nos de pantominices e ensinemos a historia como deve ser às pessoas. Tanto valor tem como santo o Nuno alvares pereira como o pokemon ou os power rangers.
Alias, para a igreja portuguesa tem mais valor o Condestável, é mais fácil fabricar o santo, ele já existe, basta a benzedura, é fácil registar patentes e não precisam de uma formação em engenharia, basta a idiotia da escolástica, o Condestável trás dinheiro aos cofres da igreja portuguesa, ao contrario do pokemon e do power ranger que vão enriquecer uns moços de olhos em bico lá do outro lado do mundo.
Agora a sério, é mais uma aldrabice para a seita decadente dos que se intitulam cristãos, que como está a perder fieis, pois as pessoas estão a abrir os olhos, tem que inventar estes santos e santas, para ir ganhando algum que os padres coitadinhos tem que comer e não gostam de trabalhar, e também o senhor jesus não dá dinheiro aos padreco pois para infelicidade deles pregou a simplicidade e a pobreza.
Assim tem que (re)inventar o culto ás imagens e andar com elas pelas ruas em ditas procissões, que mais não é uma prática pré cristã que esta patética religião auto intitulada de cristã mas que na verdade é mais uma das muitas variantes pagãs existentes por esse mundo fora teve que manter.

António Conceição disse...

Mas não deixa de ser um destino bem português estar quase 600 anos à espera de ver abrirem-se as portas que conduzem aos altares e acabar por lá chegar com um milagre de peixe frito.

António Conceição disse...

Apesar da minha graçola anterior, eu - que sou agnóstico - não partilho nada a visão anti-cristã militante de Armando Quintas. Conheço gente que hoje só vai comer um prato de sopa, por causa da acção de alguns católicos e da sua Igreja.

Carlos Faria disse...

Em caso algum rejeito a possibilidade de se explicar um dado acontecimento por meio científico e reconheço que muitos pretensos milagres (pode ser o caso do milagre do condestável) são meras especulações e aproveitamentos, mas também existem situações que a ciência presentemente não explica e alguns talvez nunca venha a conseguir explicar (nem que seja por falta de meios de prova).
Não é preciso ser-se agnóstico ou ateu para se pôr a ciência em primeiro plano na tentativa de compreender o mundo cientificamente e neste cenário não é preciso ser agressivo nem intolerante para com os cristãos ou outra religiões e credos. Aliás sou geólogo e cristão, embora não saiba definir milagres ou mesmo Deus.
Também não sou apologista de pretensas ciências que procuram encaixar a natureza em conceitos religiosos.

simon disse...

Ih, cá por mim, eu diria até mais, coisa assim, "oh, rais parta o condestável, tão santo como o camelo!" Ok?

Anónimo disse...

Esta gente perdeu completamente a noção do ridículo.Mas o que é que a mensagem de Cristo tem a ver com isto. Este processo é de chorar a rir. Nuno Álvares Pereira não merecia que lhe fizessem esta malfeitoria. O Braveheart português. Agora só irá ser alvo de riso e chacota.

Anónimo disse...

Ao Fiolhais estranha-lhe a santificação do D. Nuno Álvares Pereira. Eu estranho o esquecimento do D. Nuno Álvares Pereira enquanto herói nacional (para o bem ou para o mal). Enquanto no primeiro caso a responsabilidade é exclusiva da igreja católica e, como tal, não se sendo seu crente, é parvoice alvitrar sobre quem deve ser santo ou não, já no segundo caso a responsabilidade é nacional.

joão boaventura disse...

Em Espanha, depois da vitória de Aljubarrota, o Nuno Álvares Pereira era a arma secreta com que as mães atemorizarem os filhos para que comessem a sopa e se comportassem como mandava a norma.

Se o Vaticano soubesse deste pormenor, talvez recuasse, já que, para os espanhóis, ele era um fantasma mau.

Unknown disse...

Este texto é miserável e o autor nada sabe de Cristianismo.

Aqualung disse...

Excelente texto, para não variar.

Héliocoptero disse...

Não sendo católico, não ando a perder o sono com dilemas teológicos sobre santos de espada na mão ou a validade de milagres que dão acesso à santidade. Os católicos que se preocupem com isso, que a religião deles não é a minha e eu não gosto de me meter em casa alheia.

Estou apenas e só contente por um herói nacional que, no meu modo de ser pagão eu há muito pus num altar, ganhe agora uma renovada atenção.

Héliocoptero disse...

E não posso deixar de registar o quão hilariante é ver ateus que tanto apanágio fazem da sua não-crença virem emitir opiniões sobre os dilemas teológicos da canonização do Condestável.

Para quem se queixa que a Igreja Católica mete-se em instituições alheias (e é verdade que o faz), tem algo de irónico andarem a meter-se na do catolicismo como se nele militassem.

Unknown disse...

Há aqui um paradoxo. O milagre, por definição, é uma alteração do plano inicial. O que significa:

1- Ou já estava previsto no plano de Deus, não merecendo então o milagreiro qq prémio.
2-Ou Deus mudou de ideias, o que nos diz algo inquietante acerca da ominsciência de Deus.

É que se Deus mudou de ideias e resolveu alterar o plano, isso significa que é como eu...decide coisas que não sabe muito bem como vão evoluir.

Anónimo disse...

Então porque não se canoniza a padeira de Aljubarrota que com uma simples pá matou sete espanhóis que estavam a assar caracóis no forno do pão?

Ricardo Gomes da Silva disse...

Portugal é o país dos "chicos-espertos"..sabem tudo, mas não sabem nada

O caro Sr. Carlos Fiolhais disserta sobre assunto que não lhe diz respeito (se não acredita em religião, não vejo porque há-de opinar sobre semelhante matéria, não deixando até ser demonstrativo de alguma má formação ética porque ofende os muitos milhões que levam o assunto a sério).

Mas comecemos pelas falácias
1º -o episódio que conta sobre os ossos é falso e não é seu..de facto o episódio que relata passou-se com o historiador Hermano saraiva por ocasião do levantamento arqueológico ...o sr nem sequer estava vivo, portanto a César o que é de César e não queira passar pelo que não é

2º- "Contestam-no alguns republicanos"...quais?
o seu grupo de amigos?...devem ser muito silenciosos
e quanto ao republicanismo...a técnica do "adesivo" continua, pelos vistos!...o que é que republicanismo tem a ver com religião?, será que o caro Carlos Fiolhais não sabe o que é um Estado Laico ou o ódio cega-o?

3º-"o atraso na canonização era culpa dos espanhóis (por Santiago!) e a sugerir que ele próprio tinha desempenhado um papel na aceleração do processo (por S. Jorge!)."..é mentira?, ou é dos que prefer a "Ibéria" a um Estado independente (que dá trabalho).Já agora os espanhois até gostariam que um forte opositor do Iberismo fosse canonizado, começo a duvidar da sua capacidade para perceber a realidade diplomática e social da peninsula,o que é estranho tendo em consideração o curriculo académico.

4º- “é tão legitimamente, ou antes tão ilegitimamente canonizável como qualquer outro mestre na arte suprema de matar e de triunfar”. Júlio dantas
Já não falando no Dantas (que odiava tudo o que fosse real, ao ponto de inventar factos).É tão ingénua a afirmação que até me chegam lágrimas de ingenuidade pueril aos olhos..então, entregava-se isto aos espanhois e deixava-mos violar e destruir tudo....tudo pelo "peace and love".O Carlos Fiolhais deve ser daqueles que começam anarquistas e acabam fascistas
Sabe, ou deveria saber, que a guerra de 1385 foi defensiva..a defesa é um direito legitimo inscrito no código civil...a menos que o queira queimar também!

5º-"Contestam-no também os cépticos, não necessariamente ateus. Para isso servem-se não do milagre circense dos cavalos"..circense?
O meu caro amigo, para Fisico tem muitas certezas!...será a Fisica dogmática?
Pessoalmente acho que os radicais religiosos passaram no sec XX para a ciência à procura de dogmas para anularem os medos que têm do caos eminente ...a ciência diz!..está dito!
Não admira que Portugal não produza ciência e as aulas universitárias sejam tão parecidas com aulas de teologia da idade média.

para finalizar...haver milagres e santos, sejam verdadeiros ou não, é benéfico porque dá algo que a ciência não dá..a certeza na esperança na ética Humana
O que é muito mais do que certezas bacocas que daqui a decadas valerão zero

caro amigo, umas aulinhas de ética não lhe fariam nada mal, seja mais pró-activo perante a natureza falivél do ser humano, que é para isso que existem "elites culturais", construir e não destruir!

bem haja

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