quinta-feira, 26 de março de 2009

A 1ª Grande Guerra e a ditadura de Sidónio Pais


Post de divulgação histórica recebido de António Mota de Aguiar sobre a 1ª Grande Guerra (que findou fez no passado dia 11 de Novembro 90 anos) e o ano (Dezembro de 2017 a Dezembro de 1918) em que Sidónio Pais, Professor de Matemática da Universidade de Coimbra, foi Presidente da República (na capa livro recente de Alberto Franco e Paulo Barriga, saído na Guerra e Paz, sobre o assassínio de Sidónio; a RTP passou um filme sobre essa morte em Dezembro passado):

A participação de Portugal na 1ª Grande Guerra teve várias razões. Se, por um lado, a secular aliança que Portugal tinha com a Grã-Bretanha pesou na decisão de participar na guerra, por outro lado, uma outra razão centrou-se na grave dependência que Portugal tinha do nosso velho aliado. O Ultimato de 1890 viera melindrar o orgulho nacional e pôr em evidência a debilidade nacional, marcando o fim do sonho português da criação em África de “novos «Brasis» africanos” [1]. Era necessário recuperar o ânimo nacional e para isso era preciso estar, no fim da guerra, sentado à mesa dos vencedores.

Nas vésperas de eclodir a guerra, a Grã-Bretanha era o principal parceiro comercial de Portugal [2] (a Alemanha ocupava o segundo lugar, à frente do Brasil). A nossa dependência da Coroa britânica, datava, pelo menos, das invasões napoleónicas. Portugal dependia da marinha mercante britânica, dos banqueiros britânicos, das firmas britânicas que geriam os transportes públicos de Lisboa, os telégrafos, os telefones, o gás da cidade, etc. O Portugal republicano vivia uma profunda crise económica além de sofrer permanentes conspirações monárquicas.

Dada a aliança que tínhamos com a Inglaterra não equacionávamos uma vitória da Alemanha; porém, se ela acontecesse, pensava-se, poderíamos cair na dependência dela e, provavelmente, mais cedo ou mais tarde, ficar sem as colónias. Por outro lado, se Portugal figurasse ao lado dos aliados vencedores, embora com o peso de uma pequena potência, teria uma posição fortalecida na defesa dos seus interesses. Não participar na guerra significaria ficar na dependência total de quem a ganhasse. Tentar sair na medida do possível da dependência britânica fortaleceria a independência nacional e protegeria o Ultramar português de ataques externos.

Esta posição não foi contudo do agrado dos monárquicos, divididos entre germanófilos e os afectos a D. Manuel II, residente em Londres, que eram anti-alemães, mas também anti-República. Foram tantas as conspirações durante a República que não cabe aqui descrever nenhuma delas [3].

A participação na guerra foi levada a cabo pelo Partido Democrático, de Afonso Costa, que gozava de maioria no Parlamento, tendo ganho para a sua órbita os evolucionistas de António José de Almeida. Os dois partidos formaram em 1917 a União Sagrada, a frente comum que levaria o País a participar na 1ª Grande Guerra, a “Guerra Total”, como lhe chamou um general alemão [4].

Opostos à participação na guerra estavam os unionistas de Brito Camacho, os quais não viram, ou não quiseram ver, no projecto dos dois partidos políticos na esquerda do leque partidário uma estratégia capaz de melhor defender a soberania nacional.

É certo que, com o decorrer da guerra na Europa, as populações civis estavam depauperadas e viam mal a mobilização de tropas para França. A situação económica tinha-se agravado muito, faltando bens essenciais à população.

O governo republicano não desejou, nem participou em qualquer movimento que favorecesse a guerra, aliás não tinha nenhum interesse na eclosão dela. A 1ª Grande Guerra apanhou a República, há pouco proclamada, de surpresa. Mas a participação nela ao lado dos aliados, incluindo não só a Grã-Bretanha como a França, parecia a estratégia nacional adequada.

Todavia, a posição unionista contra o governo contagiou outros grupos sociais e políticos. “Nas páginas do seu jornal (A Lucta) intensificou a campanha de descrédito, de corrosiva ironia e de hábil incitamento a uma solução extra-legal, violenta e revolucionária.” [5] Conjuntamente com os monárquicos lançou no país a instabilidade social e criou as condições para o golpe de estado sidonista. De 5 a 8 de Dezembro de 1917, no preciso momento em que o Corpo Expedicionário Português (CEP) encontrava sérias dificuldades no campo da batalha e tropas portuguesas defendiam Angola e Moçambique, enquanto o chefe do governo, Afonso Costa, se encontrava em Londres, deu-se o golpe de estado de Sidónio Pais, levado a cabo pela Junta Militar Revolucionária, da qual ele era presidente.

Quando a Alemanha declarou guerra a Portugal, o embaixador em Berlim, Sidónio Pais, que tinha sido professor de Matemática da Universidade de Coimbra, passou por Paris e teve uma conversa com João Chagas. Este último deixou um relato dessa conversa: “O Sidónio voltou (…) falou da política portuguesa, que só conhece pela Lucta, único jornal que o governo alemão deixa chegar à Legação.(…). Falou de Brito Camacho, (…) declara-o um homem eminente. Este Camacho tem a admiração de todos os medíocres do tipo deste Sidónio, nulos, mas diplomados, e com eles quis fazer o seu partido, a que chama uma ‘elite.’ (…)” [6]

Brito Camacho teve uma responsabilidade acrescida nos acontecimentos trágicos deste período por ter criado “uma espécie de comité revolucionário, em que entravam alguns dos seus amigos, entre eles o Sr. Sidónio Pais” [7] . Segundo Luís Fraga [8]: “Quer dizer, Brito Camacho, num país já de si vivendo uma situação de profunda instabilidade, resolveu criar o seu exército privado para garantir a sobrevivência do regime republicano! O argumento é ardiloso, como ardilosa era a postura política do chefe unionista; ele preparava, sim, uma revolução contra o Governo legítimo de Afonso Costa da qual, por salvaguarda pessoal e do seu Partido (Partido da União Republicana), se desvinculou quando viu que Sidónio Pais estava a ir excessivamente longe”. E o mesmo autor interroga-se: Quais foram as alianças que Sidónio Pais, na sua acção conspirativa, terá criado para amedrontar Brito Camacho ao ponto de ele se desvincular da acção conspirativa e ter afirmado no Congresso do seu Partido que não encarregara Sidónio de fazer uma revolução?” [8]

Luís Fraga descreve também, na sua tese [8], o forte apoio monárquico que Sidónio Pais recebeu no golpe de estado. Refere ainda as tomadas de posição da ditadura após o golpe, tais como a reintegração de todos os funcionários civis afastados em consequência das suas ligações ao governo ditatorial de Pimenta de Castro e o encerramento de todos os centros republicanos. A laicização do Estado e a desarticulação do poder da Igreja Católica em Portugal foram anuladas. Para “Presidente da Comissão da Reforma do Ensino” [9] foi nomeado o monárquico, ultra-conservador, Costa Lobo que, já antes na ditadura de Pimenta de Castro, tinha tido “grande actividade política” [10] e, mais tarde, orientará a sua acção em favor do Estado Novo. Afonso Costa, ao chegar a Portugal vindo de Londres, é preso. Bernardino Machado, Presidente da República, é expulso do país.

Como era de esperar o golpe de estado teve repercussões na moral das tropas a combater em França. Em Abril de 1918 as forças do CEP eram derrotadas em La Lys sem que o governo sidonista tenha conseguido os necessários reforços para substituir as tropas exaustas. Após o Armistício, a situação atingiu o extremo, por o Estado português não ter meios para trazer de regresso as suas tropas. Uma das acusações que se faz ao sidonismo é de ter abandonado à sua sorte em França o CEP. Foi, aliás, este argumento que levou José Júlio da Costa, combatente em Timor e África, a assassinar Sidónio Pais, a 14 de Dezembro de 1918.

É fácil concluir que Sidónio Pais, com o seu golpe, desmotivou as tropas portuguesas em França e, nesse sentido, ajudou a Alemanha. Todavia, o desmoronamento do Estado português que se seguiu tornou o nosso esforço de guerra inútil.

Em Dezembro de 1918, Bernardino Machado dizia de França, numa proclamação ao país:

“Cometeu-se em Portugal um crime abominável. (…). Assaltou-se o poder, despedaçando-se a Constituição da República, que era o código fundamental dos direitos da democracia portuguesa. (…). Estávamos em guerra, e todos tínhamos de unir-nos como um só homem e como um só cidadão, em nome da salvação pública”. (…). Quem, pois, diante do inimigo estrangeiro, franqueando assim inteiramente o terreno das competições legais, se lançaria na insurreição armada, rasgando e calcando aos pés a Constituição, que não é um farrapo desprezível de papel, e ferindo parricidamente a própria vida da nação, como o faria um traidor ao serviço do inimigo estrangeiro?” [11]

António Mota de Aguiar

NOTAS:

[1] Joel Serrão, “Da «Regeneração» à República”, Livros Horizonte, Lisboa, 1990, pp. 157-169
[2] Dados do comércio externo português in A.H. Oliveira Marques, “História da 1ª República Portuguesa, As Estruturas de Base”, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1978, pp. 290-297.
[3] Tese doutoral de Luís Manuel Alves de Fraga, “Do Intervencionismo ao Sidonismo, Os Dois Segmentos da Política de Guerra, 1916-1918”, Universidade Autónoma de Lisboa, 2008. O autor descreve os ataques que a República sofreu que propiciaram o golpe de estado de Sidónio Pais.
[4] General Erich Ludendorff (1865-1937), La Guerre Totale, Flammarion, Paris, 1936. A noção de guerra total foi uma ideia primeiro concebida por Clausewitz, mas depois tratada por outros estrategas militares.
[5] Armando Malheiro da Silva, “Sidónio e Sidonismo, História de Uma Vida”, vol. I, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, p. 409
[6] João Chagas, “Diário de João Chagas, 1915-1917,” Livraria Editora, Lisboa, 1930, pp.223 e,224
[7 ] Armando Malheiro da Silva, obra citada, pp. 409.
[8] Tese doutoral de Luís Manuel Alves de Fraga, citada, 2º vol., p. 387-388.
[9] Diogo Pacheco de Amorim, “Elogio Histórico dos Doutores Francisco Miranda da Costa Lobo e Gurmesindo Sarmento da Costa Lobo,” O Instituto, vol. 117, 1955, p. 14
[10] Idem, p. 12.
[11] Tese doutoral de Luís Manuel Alves de Fraga, citada, 2º vol., p. 392

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