Como director da revista “Gazeta de Física”, orgão da Sociedade Portuguesa de Física, recebo muitas vezes artigos com conteúdos que, à primeira vista, têm todo o aspecto de serem científicos mas que, à segunda vista, revelam um conteúdo estranho, por vezes mesmo muito estranho.
Um dos temas recorrentes consiste em mostrar que a teoria da relatividade está errada ou incompleta. Outro, por vezes relacionado com o anterior, é a cosmologia. Dentro deste tema, a tese favorita é a de que o “Big Bang” nunca existiu. Os autores gostam de apresentar algumas fórmulas matemáticas, mas isso não impede o leitor bem informado de, com alguma atenção, descobrir um ou mais erros. Por vezes, a confusão é tão grande que é difícil descobrir um erro (como dizia o grande físico Wolfgang Pauli para rebater uma crítica de um outro físico: “O que me diz nem sequer chega a estar errado!”). Mas esses autores aceitam, em geral, mal que o seu artigo seja rejeitado, reclamando que tal rejeição é anti-científica porque se deviam expor todas as ideias à livre crítica de todos.
Pode responder-se que se trata afinal de uma questão de espaço e de tempo. De espaço porque uma revista não tem todo o espaço e tem de fazer uma escolha dos materiais que publica de acordo com os objectivos que persegue e de acordo com o público que tem. As contribuições científicas originais devem ser enviadas para revistas internacionais específicas e não escritas em português e enviadas para a revista local de divulgação da Física. Mas é também um problema de tempo porque o tempo dos cientistas é limitado e eles naturalmente preferem concentrá-lo na resolução dos seus próprios problemas ou no exame de artigos de colegas seus do que procurar erros em artigos obscuros cujos autores não dominam a metodologia científica.
É claro que a teoria da relatividade pode um dia vir a ser ultrapassada. E que existe uma pequenísima “chance” de o "Big Bang" nunca ter existido. Isto é: em ciência descobrem-se erros. Mas dificilmente isso será feito por quem não dominar a metodologia da ciência e, por isso, não conhecer profundamente o quadro científico estabelecido. Quem escreve esses artigos estranhos julga que é fácil fazer ciência. Não é: trata-se de uma das actividades humanas mais difíceis e exigentes, não estando ao alcance de diletantes. Há métodos em ciências para não errar e adquirir esses métodos exige um treino prolongado e profundo.
Também na matemática há fenómenos desse género. Por exemplo, são numerosas as pessoas formadas em matemática ou não que pretenderam ter demonstrado o famoso teorema de Fermat antes do matemático inglês Andrew Wiles o ter feito há um par de anos, com uma técnica enorme e complexa. Um matemático famoso que costumava receber demonstrações de teorema de Fermat mandou fazer cartões de visita para responder, nos quais estava escrito qualquer coisa como isto: “Muito obrigado pelo seu manuscrito. O primeiro erro encontra-se na página [espaço em branco]. Com os meus cumprimentos”. Na Biologia o alvo preferido dos diletantes tem sido a teoria da evolução, a qual não só é criticada como completamente substituída por absurdas ideias criacionistas, segundo as quais Deus teria criado o mundo essencialmente tal como o vemos hoje, com fósseis e tudo...
Algumas pessoas com formação científica embora débil (não são cientistas, uma vez que não admitem que erraram) são, portanto, capazes de fabricar e acreditar em coisas estranhas. E, se isto acontece com pessoas com essa formação, ocorre em muito maior escala com outras. As pessoas em geral, se não tiverem um mínimo de cultura científica, são capazes de acreditar em coisas muito estranhas...
Poder-se-á pensar que tudo isso não faz mal nenhum a ninguém. Mas faz! Pode, por exemplo, fazer mal à carteira. Mão amiga fez-me chegar há tempos um prospecto (autêntico, tinha nomes, moradas, telefones e preços de consulta) que publicitava a “cura taquiónica” de várias doenças. Os taquiões são partículas hipotéticas que se deslocariam com uma velocidade superior à da luz e que surgem em teorias que pretendem rivalizar com a relatividade. Pois há ingénuos capazes de acreditar em tudo. Será que um ingénuo que compre a dita “cura taquiónica” conseguirá viajar para trás no tempo, até uma altura em que ainda não estivesse doente?
O historiador e divulgador da ciência norte-americano Michael Shermer intitulou um seu livro que está traduzido em português e editado pela Replicação “Por que acreditam as pessoas em coisas estranhas?”. É uma leitura que recomendo. A resposta é: por falta de uma cultura científica enraizada e generalizada. Uma cultura que devia ser transmitida na escola.
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4 comentários:
A frase paradoxal «O que me diz nem sequer chega a estar errado!» faz lembrar a resposta do conferencista a quem foi colocada uma questão tonta:
«Se não sabe, porque é que pergunta?»
Eu gostava de saber se as críticas à Teoria da Relatividade veiculadas através dos sites que abaixo indico têm ou não fundamento.
E o que mais me preocupa é a dúvida acerca da existência de uma atitude censória dos meios académicos relativamente a essas críticas.
Jorge Oliveira
http://www.wbabin.net/science/openletter.pdf
http://www.wbabin.net/science/mueller.pdf
Tecnologia Taquionica, vejam:
http://ginasio-equilibrio.com/index.php?page=14
Isto nao devia ser considerado publicidade enganosa?
O caso que refere pertence ao foro criminal. A venda desses taquiões devia ser punida por lei, não pelo facto de serem pseudo-ciência, mas sim pelo facto de constituirem burla. Mas se as pessoas quiserem, a sua conta e risco, acreditar em taquiões, quem somos nós para as impedirmos?
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