Recensão de "A Rainha Adúltera", biografia de D. Joana de Portugal da autoria do historiador Marsilio Cassotti, publicada em Outubro de 2012 pela A Esfera dos Livros. Texto publicado primeiramente na imprensa regional.
D. Joana de Avis (1439 -1475), infanta de Portugal, foi rainha de Castela enquanto esposa do rei Enrique IV de Castela. Apesar deste último ter recebido o cognome de “o Impotente”, o casal régio teve descendência legítima na pessoa de D. Juana de Castela.
D Joana infanta de Portugal rainha de Castela.
O problema
disfuncional que causava a impotência a Henrique IV está bem documentado quer
por descrições de exames urológicos feitos em vida do monarca, quer por
análises aos seus restos mortais efectuadas também no século XX. O rei de
Castela não conseguia consumar a cópula, impedido por um constrangimento físico
na anatomia funcional do seu pénis.
Enrique IV de Castela
Mas a necessidade de
assegurar descendência legítima, e assim continuar a sua linhagem na coroa de
Castela, levou a que medidas “execpcionais” fossem tomadas. Havia uma indicação
anterior inscrita na “Lei de Partidas” de Alfonso X de Castela, o Sábio, que
autorizava a praticar nos reis de Castela “as mestrias que se façam” para
resolver os seus problemas reprodutivos, mas sempre no respeito pelo direito
natural tal como proclamado pela Igreja Católica.
E que “mestrias”
eram essas? Enrique IV recorreu à “concepção sem cópula” (sine concúbito) para engravidar D. Joana de Portugal. Para isto fez
chamar um físico (médico) judeu, especialista que terá efectuado essa “mestria”
no casal monarca. Estas práticas eram proibidas pela Igreja Católica, mas não
pela lei judaica. De facto, está bem documentada o reconhecimento da concepção
sem cópula como sendo possível e legítima “pelos sábios judeus da antiguidade,
a primeira vez no século V d. C., no Talmud da Babilónia” e existem referências
precisas a este tema “nas obras de rabinos judeus dos séculos XIII e XIV da
área mediterrânica”.
Quem o escreve é o
historiador argentino Marsilio Cassoti, no seu livro “A Rainha
Adúltera”, biografia editada em Outubro deste ano entre nós pela A Esfera dos Livros. Nesta obra é também indicada pelo menos uma fonte que documenta a prática de inseminação
artificial ou, poderíamos dizer mais exactamente, inseminação assistida, num
texto árabe datado de 1322, no qual se relata a história de um habitante do
antigo reino da Núbia ter efectuado aquela “técnica” para inseminar éguas com
sémen de cavalos de outros estábulos. Ou seja, a prática da inseminação
artificial era conhecida na antiguidade e praticada pelo menos no que poderíamos hoje designar por "veterinária".
Nesta biografia de D. Joana de Portugal,
traduzida por António Júnior, o historiador apresenta, facto após facto,
argumento após argumento, documentando-se em fontes históricas bem
identificadas, a tese de que D. Joana de Portugal terá sido inseminada
artificialmente, ou pelo menos de forma assistida, com sémen de Enrique IV de
Castela, através de uma “mestria” conduzida provavelmente pelo físico judeu de
nome Yusef bem Yahia. A inseminação decorreu com sucesso, e a 28 de Fevereiro
de 1462 nasceria D. Juana de Castela, legitimada pelo Papa Pio II como
descendente de Enrique IV de Castela. Mais, a santidade escreve que D. Joana
terá concebido “virgem”: “Disseram que se tinha casada com os melhores
auspícios e que foi fecundada sem perder a virgindade. Houve quem afirmasse que
o sémen derramado na entrada tinha penetrado nos lugares mais recônditos”.
Isto foi o que
descobriu a investigação efectuada por Cassotti, dissolvendo um enigma secular,
e que acrescenta uma nova visão histórica sobre esse nascimento até agora
julgado fruto de uma relação adúltera de D. Joana de Portugal. De facto, uma
pesquisa breve pela nternet indica-nos que D. Joana foi afastada da corte e
repudiada por Enrique IV de Castela pelas suas relações extraconjugais. Daí o
título “A Rainha Adúltera”.
Cassotti sabia,
antes de começar a biografia de D. Joana, “que ela teve de fazer frente a uma
circunstância política dificilíssima, na qual, tal como nos dias de hoje, se
utilizou a manipulação para alcançar fins determinados por uma minoria
interessada” na coroa de Castela. Com este livro, e ao longo de 24 capítulos
devidamente anotados, o autor pretendeu “destacar a existência de uma
personagem feminina e portuguesa, pouco conhecida, que teve a inteligência,
audácia e a coragem de querer estender a influência de Portugal sobre Espanha”,
em plena época dos Descobrimentos.
Ainda segundo
Cassotti, quer a inseminação artificial, quer a disfunção sexual estão
indiscutivelmente documentadas “num diário do médico alemão, Hieronimus Munzer, escrito despois de viajar
por Espanha e Portugal, entre 1494 e 1495, no qual descreve, segundo Maganto
Pavón (um urólogo espanhol actual) uma práctica de inseminação artificial
rudimentar”.
No contexto de uma
ibéria em vésperas de descobrir novos mundos, Cassotti dá-nos a conhecer aquela
que terá sido a primeira inseminação artificial efectuada nas cortes europeias,
e repõe justiça numa difamação secular. O passo seguinte seria a análise
genética comparada de D. Juana e Enrique IV, a partir dos seus restos mortais,
para confirmar que a primeira é filha biológica do monarca. A arqueogenética
forense dos nossos dias poderia assim, num exercício interdisciplinar,
robustecer e corroborar as fontes históricas documentais. Mas, infelizmente,
ambos os restos mortais de mãe e filha desapareceram em infortunas demolições
dos edifícios em que estavam sepultadas.
António Piedade
Ficha
bibliográfica
Título: A Rainha Adúltera
Autor: Marsílio Cassotti
Autor: Marsílio Cassotti
Tradução: António Júnior
Editora: A Esfera dos Livros
Colecção: História Biográfica
Número de páginas:531
Formato: 16 x 23,5
Encadernação: Brochado
1ª edição: Outubro de 2012
Número de páginas:531
Formato: 16 x 23,5
Encadernação: Brochado
1ª edição: Outubro de 2012
ISBN: 978-989-626-405-5
6 comentários:
Muito interessante. Provavelmente vou comprar o livro. Aproveito ainda para referir que mesmo que os restos mortais existissem não é incomum alguns constrangimentos quando se trata de exumar e analisar restos mortais de soberanos, basta lembrar a tentativa de estudo dos restos de D. Afonso Henriques, impedido pelo ministério da cultura.
Realmente, muito interessante e muito curioso. A envolver a História, a Sociologia, a Biologia e a Medicina. E tudo num pequeno texto muito agradável de ler.
Muito interessante.
Cláudia:
Yo cogito, shromp shromp, lisporata. Como responde?
gostei de saber. sempre achei que a Virgem Maria tinha sido o primeiro caso de inseminação assistida pelos primos do Et , mas pelos vistos até poderá ter sido por algum humano mais sabido :)
Enviar um comentário