sábado, 15 de dezembro de 2012

Reflectindo sobre a biodiversidade na época natalícia

O cartão de Boas-Festas de Jorge Paiva, professor de Biologia da Universidade de Coimbra, é, desde há muitos anos, o primeiro que recebo e agora, em tempos de internet, um dos poucos em papel que chega à minha caixa de correio. Vem num envelope branco acompanhado duma nota pessoal. Só tenho de lhe agradecer. E de partilhar a obra que, desde há muito deixou de ser um simples cartão que lembra a época festiva em que estamos.

"Sempre tivemos noção que sem os outros seres vivos a nossa espécie não sobreviverá.

Assim, em épocas remotas até se endeusaram animais e plantas. Há muitos exemplos disso na mitologia.
Textos sagrados como a Bíblia e o Corão estão repletos de referências a animais e plantas. Nos presépios da época natalícias não faltam os animais mais relevantes da época, por vezes ao vivo, como a ovelha (dava leite e carne para a alimentação e lã para o vestuário) e o burro (utilizado como animal de tiro e de carga). Entre as oferendas que os Reis Magos levaram para o Menino, estava o incenso e a mirra.

O pior é que temos vindo a esquecer que os outros seres vivos são a nossa fonte de alimentos, de medicamentos (cerca de 80% são extraídos de plantas e 90% são de origem biológica), de vestuário (praticamente tudo que vestimos é de origem animal ou vegetal), da energia que necessitamos (lenha, petróleo, ceras, resinas, etc.), da maioria dos materiais de construção e mobiliário que usufruímos, etc.

Mas não somos apenas nós que dependemos de outros seres vivos. Os carnívoros dependem dos herbívoros, estes das plantas e estas de muitos outros seres vivos.

Há um equilíbrio fundamental na Natureza, que temos vindo a destruir por incúria e estupidez.

O embondeiro (Adansonia digitata), por exemplo, depende de morcegos polinizadores, de aves e pequenos mamíferos dispersores. Aliás o embondeiro (Adansonia digitata), é extremamente útil para a espécie humana: as raízes são utilizadas na alimentação, medicinalmente e para tingir tecidos; a casca constitui um alimento para algumas populações africanas mais carenciadas; a goma da casca é usada como antissético e antipalúdico; as fibras da casca servem para cordoaria, arreios, fios e redes de pesca, cestaria, cordas musicais, etc.; como habita estepes áridas de baixa pluviosidade, as concavidades do tronco servem para armazenar águas pluviais, utilizadas pelas populações; o tronco oco serve de habitação e até de sepultura; a madeira é leve e esponjosa; o gado rói o caule fibroso; as folhas jovens são usadas na alimentação humana e gado doméstico e para tratamento de diarreias, febres, inflamações, picadas de insetos, asma e dificuldades respiratórias, etc.; os frutos são utilizados como combustível e as respetivas cinzas utilizadas como sabão e medicinalmente; a polpa das sementes é utilizada na alimentação e fabrico de refrescos, gelados e doçaria. Além disso, no embondeiro, como em qualquer outra árvore, vivem muitas plantas e outros seres epífitos. Por outro lado, além da enorme biomassa que produz, absorbe imenso volume de gás carbónico (CO2) da atmosfera e “fabrica” extraordinário volume de oxigénio (O2).

Assim, quando se derruba uma árvore, não estamos a matar apenas um indivíduo, mas milhares (senão milhões) de outros seres e estamos a diminuir o volume de O2 e a aumentar o volume de CO2. Por isso, os conjuntos de árvores, as florestas têm elevadíssima biodiversidade, uma enorme capacidade absorvente de CO2 e são vastas fábricas de O2.

Infelizmente, temos vindo a destruí-las sucessivamente. Restam no Globo Terrestre pouco mais de 20% da cobertura florestal que existia após o início do período atual, o Holoceno (Antropogénico), o que tem contribuído extraordinariamente para o aquecimento global.

Enfim, até no nosso corpo vivem imensos seres microscópicos, muitos deles utilíssimos, como, por exemplo, as bactérias e os fungos do trato digestivo. Ainda não está provado, mas as pessoas que nascem de cesariana terão mais tendência para a obesidade, por falta de muito destes seres que incorporariam um parto normal. Por exemplo, dos 70 kg que peso, cerca de 2 kg são seres microscópicos (milhões, portanto), a maioria deles importantíssimos na defesa e manutenção do meu organismo.

Façamos votos para que, nesta época festiva, todos reflitam, se capacitem e se consciencializem de que sem os outros seres vivos e sem florestas não sobreviveremos."

Jorge Paiva
Coimbra, Dezembro de 2012

4 comentários:

J. F. Guimarães disse...

Este planeta é belo, mesmo muito belo.
Alguns seres sem escrúpulos e através das suas mafiosas empresas quiseram transformar este mesmo planeta num inferno.
A escolha agora é nossa e se quisermos ter atitudes sensatas, euilibradas, conscientes precisamos de ter comportamentos opostos aos do passado para assim podermos continuar da biodiversidade e respectiva beleza.
E essa biodiversidade não se alcança com a o eucalipto e sua monocultura.

Bem haja e bom fim de semana.

J. F. Guimarães disse...

Para este Natal combinamos em casa só ter comida vegetariana. As orgias de carnes, peixe, ovos e lactícinios acabou para bem do planeta e da humanidade.

José Batista disse...

É uma lição muito bonita, a que nos dá o Professor Jorge Paiva, todos os Natais.

Sempre que posso insisto com ele para que todos os postais, e são já dezenas, sejam reunidos numa publicação, em livro e em suporte digital, que as escolas do país, desde as do ensino (mais) básico até às do ensino secundário, deviam possuir (e usar...) nas suas bibliotecas. À mensagem, ao alcance de qualquer cidadão que saiba ler, associam-se as imagens, sempre muito interessantes, curiosas e, às vezes, únicas captadas por ele, em data que indica.

Outra obra que ele tem pronta há muito, e que ganharia com o contributo de um bom ilustrador, é a "História da Floresta Lusitana". Desta até se deviam fazer duas versões, uma mais simplificada para miúdos pequenos, com ilustrações mais a condizer, e outra mais "pesada" para jovens e adultos em geral.

Mas ele anda sempre tão ocupado... A única maneira de o fazer parar é pedir-lhe um favor, seja uma explicação, seja ir a uma escola ou a qualquer instituição, autarquia, etc, fazer uma palestra. A essas palestras nunca chega atrasado. E, para poupar tempo, muitas vezes, não come...

Um dia, em que veio a Braga, esteve em três escolas diferentes, a falar de assuntos diferentes.

E o "pagamento" fá-lo ele a quem o chama e a quem o ouve. Com aquela generosidade inteira e limpa de que nunca se cansa.

Obrigado, querido Professor.

Carlos Ricardo Soares disse...

Um excelente postal de Natal, carregado de poesia, que nos deixa deslumbrados e tristes, mas com esperança que nos faz sonhar.
A noção que temos do planeta em que vivemos é muito desatenta e rudimentar. É preciso aprender a observar e a ver com olhos de ver. Uma boa parte da população humana vive cada vez mais encerrada em túneis, paredes e habitáculos de transporte e nos próprios pensamentos, que chegam a ser prisões inexpugnáveis.
Obrigado.

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...