sábado, 22 de dezembro de 2012

Nem sempre os fins justificam os meios

Um leitor anónimo deixou um comentário ao meu texto A confidencialidade das informações recolhidas pelas escolas que entendo ser uma importante clarificação aos restantes comentários. Destaca esse leitor que os dados recolhidos com um determinado fim, por determinada entidade, só podem ser usadas para esse fim, não constituindo as escolas excepção. Em circunstâncias especiais, o uso diferente do inicialmente traçado terá de ter um tratamento especial, nunca dispensando os mecanismos legais que regulam e asseguram o funcionamento democrático da sociedade e das suas instituições. Escreveu ele:
A questão principal coloca-se dentro dos parâmetros porque se rege qualquer sociedade de direito. Como muitas outras actividades das sociedades, a recolha de dados pessoais encontra-se enquadrada legalmente (...).
No caso das escolas os dados recolhidos dos alunos, para mais se se encontram em bases de dados informáticos foram recolhidos visando um determinado fim e só podem ser utilizados para esse fim, visando com isso proteger os dados de cada um.
Em determinadas circunstâncias estes dados podem ser acedidos pelas autoridades após parecer de Juiz (...).
De facto, os direitos dos cidadãos relativos à utilização dos seus dados estão consagrados, nomeadamente, na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Protecção de Dados Pessoais.

No que à Constituição diz respeito, e para o caso em apreço,

garante-se no seu Artigo 26.º que:
"A todos são reconhecidos os direitos (...) ao bom nome e reputação (...) e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias. A lei garantirá a dignidade pessoal (...)"
E, no seu Artigo 35.º que:
"Todos os cidadãos têm o direito (...) de conhecer a finalidade a que [os seus dados] se destinam, nos termos da lei. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção (...) A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis. É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei (...). Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores, nos termos da lei."
Na continuação deste normativo geral, a Lei de Protecção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, de 12 de Outubro),

estabelece-se no seu Artigo 2.º que:
"O tratamento de dados pessoais deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais. 
No seu Artigo 7.º sobre Tratamento de dados sensíveis, determina que:
"1. É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos. 2. Mediante disposição legal ou autorização da CNPD, pode ser permitido o tratamento dos dados referidos no número anterior quando por motivos de interesse público importante esse tratamento for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não discriminação e com as medidas de segurança previstas".
No n.º 3 do Artigo 15.º adianta-se que:
"O tratamento dos dados (...) é ainda permitido quando se verificar uma das seguintes condições: a) Ser necessário para proteger interesses vitais do titular dos dados ou de uma outra pessoa e o titular dos dados estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento; b) Ser efectuado com o consentimento do titular, por fundação, associação ou organismo sem fins lucrativos de carácter político, filosófico, religioso ou sindical, no âmbito das suas actividades legítimas, sob condição de o tratamento respeitar apenas aos membros desse organismo ou às pessoas que com ele mantenham contactos periódicos ligados às suas finalidades, e de os dados não serem comunicados a terceiros sem consentimento dos seus titulares; c) Dizer respeito a dados manifestamente tornados públicos pelo seu titular, desde que se possa legitimamente deduzir das suas declarações o consentimento para o tratamento dos mesmos; d) Ser necessário à declaração, exercício ou defesa de um direito em processo judicial e for efectuado exclusivamente com essa finalidade."
Acresce que, no seu Artigo 47.º sobre Violação do dever de sigilo, firma-se que:
"1. Quem, obrigado a sigilo profissional, nos termos da lei, sem justa causa e sem o devido consentimento, revelar ou divulgar no todo ou em parte dados pessoais é punido com prisão até dois anos ou multa até 240 dias. 2. A pena é agravada de metade dos seus limites se o agente: a) For funcionário público ou equiparado, nos termos da lei penal (...) c) Puser em perigo a reputação, a honra e consideração ou a intimidade da vida privada de outrem."
Pelo exposto se deduz que, bastando convocar a lei fundamental e a lei especial, o caso da solicitação às escolas de informação sobre os seus alunos por entidade policial sem que esta seja mediada e legitimada por entidade judicial é seguramente questionável.

2 comentários:

A Kuettner de Magalhaes disse...

Como é evidente : a maioria das vezes os fins não justificam os meios.

E por não se ter atenção "a isto" se têm feito tantas barbaridades.......

joão viegas disse...

Ola,

De acordo com o essencial do post, mas repare que a policia judiciaria actua normalmente sobre a supervisão do ministério publico, portanto a sua actuação é "legitimada por entidade judicial".

O que acontece no caso referido no outro post é que, nem no âmbito de um inquérito de policia judiciaria, nem tão pouco no âmbito de uma instrução criminal, se entende, ou se admite, que a pergunta seja feita...

Boas

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