Transcrevo, de seguida, o essencial dum artigo assinado por São José de Almeida, jornalista do Público, que saiu no sábado passado, na edição em papel, sobre a responsabilidade que cabe ao Estado na educação básica. Tomo a liberdade de mudar o título original, que é O ensino como negócio.
"Não é preciso grande esforço intelectual para se perceber o papel central e incontornável que a educação tem no ser humano. Isto é tanto assim que a Primeira República tentou e Estado Novo, desde o seu início, soube que, mesmo em ditadura, havia fronteiras mínimas de analfabetismo que tinha de superar.
Há limites de enquadramento e de padronização de comportamento, de disciplina e de inserção social, que são indispensáveis à construção dos Estados Modernos. Mais: são a essência – e também o instrumento – dessa mesma construção.
É uma evidência também que a educação é a forma de as pessoas serem socialmente enquadradas. É através dos instrumentos, das técnicas, dos mecanismos de vivência de inserção na comunidade que as pessoas se tornam socialmente úteis. E o tipo e a qualidade de ensino que é ministrado são determinantes para os padrões de desenvolvimento humano das sociedades (..).
Por essa razão é que Marcello Caetano vai buscar Veiga Simão à Universidade de Lourenço Marques e o coloca à frente do Ministério da Educação. Porque a economia e a sociedade portuguesas estavam a atingir pontos de ruptura e de desenvolvimento era impossível conter no fechamento em que o país estava preso. Por isso é que Veiga Simão fez o que fez ao nível da criação do ensino preparatório obrigatório e da rede de telescola (…) Assim como ensaiou um novo modelo de ensino até ao então quinto ano dos liceus, com o ensino experimental. E também permitiu a criação de universidades como a Nova, estatal e a instalação da Católica, privada, em Portugal.
A educação é um pilar das sociedades modernas e o funcionamento e a organização do ensino estão directamente ligados e são uma das causas estruturantes do que são os modelos de sociedade. Não é igualmente por acaso que, após o 25 de Abril o modelo de sociedade que é constituído e que é inscrito na Constituição impõe como base estruturante do seu funcionamento a criação do ensino universal e obrigatório, responsabilizando, assim, por ele o Estado.
Ora, por mais que o neoliberalismo venda a ideia propagandística de que o Estado trava o desenvolvimento livre da sociedade, o que a realidade histórica demonstra é que o papel do Estado é central no desenvolvimento social. E para lá da propaganda de que trazem consigo um projecto de sociedade perfeita, da promessa de revelação de uma espécie de terra de leite e mel de que fala o Antigo Testamento (…) os neoliberais, bem como os que se deixam influenciar por uma lógica de funcionamento social neoliberal sabem exactamente que, para lá da propaganda há a realidade. E que o papel do Estado (…) é essencial ao enquadramento da sociedade.
Os objectivos com que esse enquadramento é feito é que mudam e podem ser democráticos e igualitários no tratamento das pessoas perante o próprio Estado, ou obedecerem a uma lógica de privilégio e favorecimento de alguns. Nesse caso, pondo o Estado ao serviço desta lógica e de interesses privados e do seu lucro. É isto que tem sido feito com o ensino público em Portugal. E isto há largos anos (…).
É essa lógica que leva à destruição da escola pública e à descredibilidade da escola pública junto das populações. É isso que leva à estigmatização e desvalorização da profissão de professor. É isso que leva à criação de um sistema de funcionamento de escolas privadas com dinheiros públicos – que os estudos mostram agora sair mais caro do que o ensino público. É isso que leva à concessão da manutenção dos edifícios das escolas públicas a uma empresa privada.
Como aconteceu com a criação do grupo GPS, permitindo uma situação de negócio que assume foros de escândalo e de ilegalidade até, face à lei e ao Estado de direito, agora auditado pelo Ministério da Educação (…) como a política de educação pública em Portugal está transformada no negócio da educação."
4 comentários:
Lê-se algures neste texto:
"Nesse caso, pondo o Estado ao serviço desta lógica e de interesses provados e do seu lucro. É isto que tem sido feito com o ensino público em Portugal."
Interesses provados?! Não será "interesses privados"?
Cumprimentos
AMCD
Estimado Leitor, muito obrigada pela sua chamada de atenção. Era, claro está, "privados".
Cordialmente, MHD
Tudo bem, tudo bem. Mas não aprecio isto: ..."criação do grupo GPS, (...) uma situação de negócio que assume foros de escândalo e de ilegalidade até"
Até?
Se isto não são crimes, então é porque não há crimes em Portugal.
Pelo menos quando os criminosos são elementos hábeis e poderosos ligados aos partidos que têm ocupado o poder...
Cara Professora Helena Damião
É curioso ter mudado o título original. Digo isto porque, na minha opinião, o título diz quase tudo sobre o posicionamento ideológico da autora, que embora jornalista, assina, neste caso, um artigo de opinião onde o viés político está bem visível. Estranho é o facto de São José de Almeida dar como exemplo positivo da sua concepção de sistema de ensino ideal não Cuba, ou os antigos sistemas de Leste, mas antes a Alemanha, não a actual, claro, mas de uma época passada.
A ser verdade o que ouvimos, o caso do grupo GPS (ou outros semelhantes) é um caso de polícia e que deve ser esclarecido pela Justiça e resolvido pelos Tribunais. Não pode é ser sinónimo de (puro) negócio.
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