sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

SOBRE A AVALIAÇÃO DOS ALUNOS


Prefácio de Carlos Fiolhais ao livro "A Avaliação dos Alunos" recentemente publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, na série "Questões-Chave de Educação" (realizou-se uma conferência com o mesmo título):


      “Avaliação” é uma palavra que está na ordem do dia em todos os sectores na sociedade moderna. Também o está na educação: a começar na avaliação individual dos alunos até à avaliação do sistema educativo como um todo, passando pela avaliação dos professores e pela avaliação das escolas. Todos estes tipos de avaliação estão relacionados: não se pode, por exemplo, pensar na avaliação de um sistema educativo nacional sem uma adequada avaliação das escolas, dos professores e dos alunos; não se pode ter uma avaliação de escolas sem uma avaliação dos professores e dos alunos; e é difícil conceber a avaliação dos professores se não se atender, entre outros factores, à avaliação que fazem dos seus alunos.

      Em Portugal, todos estes tipos de avaliação têm sido alvo de gran­des controvérsias: a avaliação do sistema educativo tem sido feita não só informalmente pela opinião pública como, de um ponto de vista mais formal e com base em indicadores quantitativos, por comparações internacionais como as que são feitas pela União Europeia e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE); a avaliação das escolas é feita, ou deveria ser feita, para lá dos cidadãos que a elas confiam os seus filhos (os rankings baseados nos exames nacionais do final dos ensino básico e secundário representa­ram uma abertura de um sistema que antes persistia em manter-se opaco), pelos serviços do Ministério da Educação; a avaliação dos professores deu azo entre nós a um gigantesco protesto, que levou mais de cem mil professores a manifestarem-se na rua contra um esquema desmesuradamente burocrático que o ministério queria impor (essa acção levou a um recuo para uma versão “simplificada”, que está a dar os primeiros passos); e a avaliação dos alunos, proporcionada nos últimos tempos por exames nacionais padronizados no 9.º, 11.º e 12.º anos, organizados pelo Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE) do Ministério da Educação, ganhou uma atenção e mediatização crescentes, não só pelo papel que a avaliação no final do secundário desempenha no acesso ao ensino superior, mas também porque essas provas dão à sociedade uma medida global do desempenho do sistema de ensino não superior e, portanto, utilidade da escola.

Este volume, que contém o essencial das intervenções de uma “Conferência sobre Questões-chave” na Educação da Fundação Francisco Manuel dos Santos, centra-se na avaliação dos alunos. Esta é a avaliação mais antiga de todas as que se realizam na educação – nunca houve uma progressão na escola sem uma avaliação, de uma forma ou de outra, das aprendizagens realizadas – e é também aquela que tem o maior número de destinatários – todos os alunos, de uma forma ou de outra, são sujeitos a avaliação ao longo do seu percurso escolar. A avaliação impõe aos alunos patamares de exigência, objectivos a alcançar, ambições a ter.

     Distinguem-se vários tipos de avaliação, mas sumariamente podem dividir-se as avaliações, além da que serve de diagnóstico, na que é formativa, que acompanha o trabalho escolar do aluno, e na que é sumativa, que se destina a fornecer uma classificação final, que, no caso do secundário, poderá servir para ingressar num nível superior de ensino. As duas são necessárias e as duas complementam-se. Em Portugal, depois do 25 de Abril de 1974, houve uma depreciação da avaliação sumativa, pretensamente em favor da avaliação formativa. De facto, o que aconteceu foi uma diminuição da avaliação no seu conjunto e, portanto, da exigência, dos objectivos e da ambição. A palavra “exames” foi durante alguns anos um termo tabu. Seriam traumáticos para os alunos. Prejudicariam a “verdadeira” aprendizagem. Não teriam grande significado nem importância. Assim, foi possível em Portugal entrar no ensino superior, em que para cada disciplina havia um exame (para muitos especialistas, um exagero que não se encontra em todos os sistemas de ensino superior), sem que antes se tivesse passado por um exame digno desse nome. Mas os exames nacionais, reapareceram no básico e secundário, revelando a sua utilidade não só para a progressão dos alunos como também como instrumento normalizador e responsabilizador do sistema educativo. Começaram por ser exames no final dos estudos secundários relacionados com a salutar massificação do ensino e a necessidade de introdução de numerus clausus no ensino superior. Mas surgiram também, mais recentemente, exames nacionais no final da escolaridade básica em disciplinas consideradas essenciais (usa-se a palavra “estruturantes”) como o Português e a Matemática. Tanto no ensino secundário como no básico a classificação final do aluno resulta de uma média entre a avaliação sumativa e a avaliação formativa, com clara predominância desta última. Nas referidas disciplinas, instituíram-se também “provas de aferição” no 4.º e no 6.º anos de escolaridade, sendo a diferença destas em relação aos exames o facto de que com elas se pretendia fazer um diagnóstico de aprendizagens realizadas e, portanto, medir, tanto quanto possível, o desempenho das escolas e do sistema, em vez de dar classificações que tivessem consequências no percurso educativo dos alunos. Pode dizer-se que a introdução de exames foi, entre nós, socialmente bem recebida, ficando a ideia geral de que o sistema educativo se tornava com eles mais exigente, mais transparente e mais ligado à comunidade.

É decerto de louvar a aposta governamental na organização de uma avaliação dos alunos, uma avaliação correcta, justa e, por isso, credível. Mas, se houve esse cuidado, os resultados não foram, em geral, bons. Os resultados, em particular nas ditas disciplinas “estruturantes”, não foram os desejáveis, com médias negativas em alguns anos. Nem se pode dizer que as provas tenham sido sempre bem preparadas e que sejam comparáveis de uns anos para os outros (algumas oscilações, para baixo e para cima, devem ter essa explicação simples). Provavel­mente para evitar que os resultados fossem ainda piores, foi nítida a preocupação de incluir nos enunciados das provas questões que, em alguns casos, eram gritantemente simples (como numa prova intermédia de Física e Química do 9.º ano, uma prova preparatória para o exame nacional, em que se indicavam os nomes de todos os planetas e se pedia simplesmente ao aluno que os contasse, de um até oito). Por vezes, ocorreram mesmo erros científicos, algo intolerável numa prova, que não foram prontamente reconhecidos (ficou famosa uma prova de Geometria Descritiva do 12.º ano, em que se pedia para desenhar uma certa tangente a uma certa circunferência numa situação em que tal era geometricamente impossível).

Mas, mesmo com todos esses percalços, os exames ficaram ins­tituídos. Nunca desapareceram, porém, as críticas de alguns sectores sobre o papel redutor dos exames. De facto, avaliar é sempre um acto redutor de uma realidade complexa, mas, tal como, na ciência, medir consiste em reduzir a realidade a números e nada se pode avançar sem isso (é melhor uma medida menos boa do que medida nenhuma!), também na educação será difícil dizer algo substantivo a respeito do sucesso ou insucesso sem recolher medidas minimamente bem-feitas. Associado aos exames, há quem critique um ensino “orientado para os exames”, mas o certo é que os bons professores orientam não para os exames mas para os saberes e para as capacidades e as provas, se forem bem-feitas, isto é, feitas por bons professores, não poderão deixar de medir esses saberes e essas capacidades. Os exames, com todas as deficiências que lhes possam ser apontadas, têm servido para confrontar os alunos consigo próprios. Têm servido para que os professores se apercebessem melhor das dificuldades nas aprendizagens reali­zadas pelos seus alunos e, em conformidade, pudessem ensinar mais e melhor. Serviram para as escolas se aperfeiçoarem, fornecendo-lhes indicadores preciosos (é evidente que os resultados dos exames têm de ser lidos conjuntamente com outros indicadores, como os socioeconómicos). E foram úteis a toda a sociedade, pais e outros encarregados de educação assim como aos contribuintes em geral, para ela adquirir uma noção mais fiel acerca do sistema educativo que mantém.

     À semelhança do que acontece na maioria dos países da União Europeia e da OCDE, os exames vieram para ficar em Portugal. O nosso país tornou-se, também neste aspecto, “normal”. É agora natu­ral que os exames sejam não apenas melhorados, como multiplicados, designadamente ampliando o número de disciplinas em que existem exames no ensino básico e transformando as provas de aferição em provas com resultados que contam, ainda que de início, numa percentagem modesta. Nesta linha, já foram anunciados exames no 4.º e 6.º anos. Tal permitirá a todos os intervenientes – alunos, professores, administração escolar a vários níveis e cidadãos em geral – interiorizar ainda mais uma cultura de avaliação e, portanto, de responsabilização. Há quem veja nos exames o fantasma das reprovações e da discrimi­nação social, mas esse é um problema que a escola pública tem de enfrentar decididamente com novas estratégias e novos meios, como mais e melhor ajuda aos alunos com maiores dificuldades cognitivas e a diversificação das vias escolares. Se a escola oferece uma preparação para a vida, não será deixando cair barreiras que se preparará melhor para a vida, toda ela repleta de barreiras. O essencial é que a todos seja concedida igualdade de oportunidades.

Modernamente, as ciências cognitivas vieram revelar um factor vantajoso associado à realização de provas. Os conhecimentos ficarão mais consolidados se eles forem chamados, isto é, a inquirição dos alu­nos sobre aquilo que sabem torna-os mais sábios e a solicitação sobre aquilo de que são capazes torna-os mais capazes. Esta dimensão, que a escola deve usar melhor não apenas em provas finais mas na sala de aula ao longo do tempo lectivo, trouxe, sem dúvida, uma importância acrescida à avaliação no domínio pedagógico em que ela era, por vezes, alvo de críticas mais contundentes.

O norte-americano Jeffrey Karpicke, investigador principal do Laboratório de Cognição e Aprendizagem da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, expõe-nos aqui a sua investigação educativa relativa à recuperação do conhecimento que está presente na memória dos alunos. Os dados que traz são científicos, na medida em que resultam de experiências, devidamente controladas, feitas com indivíduos que estão a aprender um certo assunto. As ciências da educação, porque são ciências, ganham com a experimentação científica cuidadosa e evoluem com as conclusões que se podem extrair da informação empírica acumulada.

Para reflectir sobre a realidade nacional, foram convidados Hélder de Sousa, professor do ensino secundário que tem sido director do GAVE (embora compreensivelmente não se exprima aqui como porta­-voz oficial, mas sim como estudioso da matéria e bom conhecedor da avaliação educativa em Portugal), que nos traçará um panorama da avaliação recente no nosso país, essencialmente centrado nos exames, e de Leandro Almeida, professor de Psicologia da Universidade do Minho, onde dirige o Instituto de Educação, que enfatiza que vários tipos de avaliação servem diferentes propósitos, aponta características das boas provas e refere os aspectos psicológicos que não deixam de estar associados à prestação de provas.

     A avaliação está e continuará a estar na ordem do dia. Sobre ela, alunos, professores, directores de escolas, especialistas da educação, decisores governamentais e pais terão a sua própria opinião, que, ape­sar de algum consenso recente sobre as vantagens dos exames, está longe de ser unânime. O prefaciador, ao falar de um assunto que levanta polémica, quis, além de apresentar os trabalhos dos especia­listas, juntar a sua opinião, com base na sua experiência docente e de intervenção pedagógica, a um debate público cujo prosseguimento se deseja. A educação é um problema de todos. A Fundação Francisco Manuel dos Santos, empenhada como está no melhor conhecimento da realidade nacional, em particular nessa área decisiva para o futuro colectivo que é a da educação, quer que todos possam ter e emitir a sua opinião, mas uma opinião sustentada pela melhor informação. 

Carlos Fiolhais

2 comentários:

José Batista disse...

Pelos exames, a bem do ensino, dos alunos e da sociedade, claro.
Mas atenção, no que respeita aos exames de biologia e geologia, desde 2004 ou 2005, muito há a criticar e, sobretudo, a corrigir. Na concepção, na estrutura, na linguagem, no tipo de questões, na natureza dos critérios e até... na dimensão (15-16 páginas!, o que, só em gasto de papel, dá que pensar...).
Penso que a equipa que elabora esses exames, perante os resultados que os alunos têm obtido, e a opinião, embora tímida, dos professores, devia tomar a iniciativa de se afastar. Isto apesar da opinião da Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia, que eu suponho que não vai de encontro ao que os professores geralmente expressam.
Outra iniciativa que podia contribuir para diminuir os gastos com a educação seria a eliminação da "formação" que tem sido dada aos professores "classificadores". Com conhecimento de causa, e conhecedor da opinião de muitos outros colegas, igualmente "classificadores", afirmo que tem sido frustrante e inútil.
Bem sei que dizer isto ou estar calado adianta o mesmo.
Mas fica dito.
E testemunhado.

Já agora, só outra coisa: é impressionante que em escolas intervencionadas recentemente, onde se gastaram milhões de euros, tenhamos agora salas mais pequenas, repletas com 28 alunos, onde fazer testes, mesmo em versões, e tentar que os alunos não leiam as respostas dos colegas do lado (ou do lado oposto a esse) é quase impossível. E lá se vai a seriedade do processo, que parece não interessar a ninguém...

Cláudia da Silva Tomazi disse...

O De Rerum Natura, consegue priorizar temas. E, abordá-los é discutir diariamente em face ao mundo, cuja posição séria compõe a prioridade, a consciência. De gestão educativa é necessário, acerto. A exemplo do prefácio o professor Carlos Fiolhais, em aprimorada experiência dignifica o sentido do saber, com sólido empenho por transmitir e nem só, pois transmitir e apontar, é especial questão.

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