terça-feira, 11 de dezembro de 2012

DO REAL COLÉGIO DE NOBRES NA 7.ª COLINA DE LISBOA E DO COLÉGIO EM FONTENAY-AUX-ROSES A 7 KMS DE PARIS – 2.ª PARTE

Segunda parte de texto do Professor João Boaventura. A primeira parte pode ser lida aqui.

Colégio de Fontenay-aux-Roses - 2
A história é uma dialéctica da duração
F. Braudel

O decreto de 04.01.1837 publicado pelos liberais aboliu o Real Colégio de Nobres para acabar com as desigualdades, como é norma em mudanças de regime, com a consequente de criação de outras desigualdades por outra norma, pois é assim que Passos Manuel, ao pretender o edifício do Real Colégio, depois de reformado, para Liceu de Lisboa, pelo decreto de 17.11.1836 proporciona idêntica preparação em todos os liceus, mas haverá dois liceus com desigualdades outras – e daí talvez o fracasso do programa de Passos – em Lisboa, estipuladas nestes artigos:

Art.º 44.º - Nos Liceus de Lisboa, Porto e Coimbra haverá mais duas Cadeiras especiais, uma de Língua Grega, outra de Língua Alemã. Num dos liceus de Lisboa haverá mais as Disciplinas de Diplomática, Paleografia, e Taquigrafia.

Art.º 45.º - À proporção que se forem estabelecendo os Liceus nos respectivos Distritos, ficarão neles extintas as mais Cadeiras de Grego, Latim, Retórica, e Filosofia Racional e Moral, Aritmética, Geometria, Geografia e História.

Costa Cabral, por sua vez, pelo decreto de 10.04.1860, cria dois indesejados tipos de desigualdades em liceus: nos de 1.ª classe (Lisboa, Coimbra, Porto, Braga, Évora), curso de 6 anos, haverá, para reger 6 cadeiras, 6 professores regendo cada um a sua cadeira, e nos de 2.ª classe (restantes distritos), curso de 4 anos, haverá apenas 3 professores, regendo cada um duas cadeiras.

Temos assim que os beneficiados liceus da capital igualavam o Real Colégio de Nobres, porque se este se destinava a preencher os salões da aristocracia e da nobreza, aqueles preencheriam os dos burgueses e da elite ulissiponense. Se é permitido poderá então dizer-se, metaforicamente, pela via gramatical, os Liceus e o Real Colégio dos Nobres eram instituições parónimas porque se escreviam de maneira diferente mas tinham a mesma pronúncia, para o trato mundano.

Não se sabe se as intenções do deputado por Lamego, José Manuel Botelho, se inscreviam nesta similitude paronímica, ao apresentar na Câmara Electiva, em 06.08.1840, o projecto de lei n.º 58A, tendente a restabelecer o Colégio de Nobres e a extinguir a Escola Politécnica, alcance que clarificou no 1.º art.º quando estipula que fica revogado e de nenhum efeito o Decreto de 4 de Janeiro de 1837, que suprimiu o Colégio dos Nobres, o qual será restituído, e posto no mesmo estado, em que se achava antes da promulgação daquele Decreto, e revogando no art.º 2.º o decreto que substituía o Colégio pela Escola Politécnica (DG n.º 229, 26.09.1840, pp 1263-1365).

Na Sessão de 25.09.1840 das Cortes da Câmara dos Deputados, esta proposta foi fortemente contestada pelo Parecer da Comissão de Instrução Pública sobre o Projecto de Lei n.º 58 A, justificando a sua total rejeição, assim como, com mais acutilância, por Alexandre Herculano que, apesar de ser um dos relatores do Parecer, optou por alargar a sua opinião, num dos seus Opúsculos, com o título Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres, a pp. 27-106, a propósito de um papel impresso assinado pelo deputado da Comissão de Prémios, José António David Henriques, datado de 31.12.1840, com o título de Análise ao Parecer da Comissão de Instrução Pública da Câmara dos Senhores Deputados, contestando o parecer e apoiando o projecto de Lei de José Botelho. O incêndio do edifício da Escola de Nobres, em 1843, apagaria de vez o problema.

Falhada esta oportunidade a nível interno, restaria a de encontrá-la algures, em regime monárquico, assim como alunos portugueses e professores, que congregassem ou simulassem o extinto Colégio de Nobres, reorganizado por um reitor responsável e competente, ainda que não para formar nobres, mas a outra face de Janus, a elite cosmopolita, para manter o valor da paronímia.

A primeira condição, para encontrar algum paralelismo com o extinto Colégio de Nobres, exigiria o mesmo regime político em que o mesmo tinha sido criado mas, desta feita, apesar de em França, a formação não contemplaria os gauleses, mas as gentes lusitanas e brasileiras que tiveram a ideia de um colégio exclusivo. Quis o acaso, ou as circunstâncias, que fosse a Monarquia Constitucional francesa, o regime do momento, e não a absoluta, pelo que o primeiro requisito não estava preenchido. Mas esta contradição insere-se noutras contradições de que contas se darão.

A primeira residiu na criação do Colégio Luso-Brasileiro, em 1838, por Frei José da Sacra Família – sobre proposta de alunos portugueses e brasileiros como adiante se explicará – que denominou de D. Pedro de Alcântara por mercê de sua majestade o imperador do Brasil, D. Pedro II[1], isto é, de regime liberal, a funcionar na francesa monarquia constitucional. A segunda incidiu na ubiquidade de Frei José, acérrimo apoiante do absolutista D. Miguel, do qual foi companheiro e seu secretário, no exílio, e em antinomia presenteia agora o apoio do liberal D. Pedro II, ao acrescentar o nome, Colégio Luso-Brasileiro D. Pedro de Alcântara. Como Deus é considerado ubíquo por ter o dom de estar presente em toda a parte, Frei José, de nome José da Silva Tavares (1788-1858) intuiria o mesmo dom em termos de vida prática. É de considerar que, para fugir a estas aleivosias, e como emigrara de Portugal, em 1835, por desafecto à causa da rainha, obteve o breve de secularização, passando a ser o laico Doutor José da Silva Tavares.

José da Silva Tavares, Doutor em Theologia, 
Fundador e Director de Collegio Portuguez e Brasileiro em Fontenay-aux-roses em Paris
Fonte: Biblioteca Nacional Digital

Em França, na nova posição de professor teve a seu cargo a educação de dois nobres mancebos que posteriormente teriam desempenhado cargos de responsabilidade em Portugal. Dos resultados honrosos desta missão resultou ter sido convidado para dirigir o Pritaneo de Menars, inaugurado em 1832, onde havia duas escolas, uma para ricos, o Pritaneum, au Château de Menars, e outra para pobres, a École des Arts et du Commerce [2]. Havendo uma secção de alunos portugueses e brasileiros, deles partiu a ideia de propor ao então professor e director do Pritaneo, Dr. José da Silva Tavares, a criação de um colégio para portugueses e brasileiros, a que o mesmo logo acedeu.

Château de Menars é um palácio francês associado a  Madame de Pompadour que, depois
da sua morte em 1764, se manteve sempre intacto. Fica situado na margem do Rio Loire

Faltava encontrar o local e o imóvel. O local sugerido foi Fontenay-aux-Roses, a 7 kms de Paris, desconhecendo as razões desta escolha, aventa-se a hipótese de ter havido conhecimento de que ali teriam vivido brasileiros, proprietários de terrenos.

Collège Sainte-Barbe onde funcionou o Colégio Luso-Brasileiro D. Pedro de Alcântara

O terreno do futuro colégio de Sr.ª Bárbara era de brasileiros que o teriam vendido em 1823 à família Morin para construir o colégio com aquele nome, que fechou em 1831. Vago o Colégio St.ª Bárbara, serviu para nele se instalarem alunos portugueses e brasileiros, com o Dr. José da Silva Tavares à frente da instituição, acompanhado dos professores, Majores do exército realista, Fonseca e Lobo; Manuel Moreira Coelho, posteriormente vice-cônsul de Portugal em Paris; Manuel Correia de Abreu que, regressado a Portugal, fundou dois colégios, um em Valongo, outro em Landim; e António José Viale, que, no regresso a Portugal, foi nomeado Conservador da BNL, e professor de literatura no Curso Superior de Letras, segundo Luís de Pina [3], que acrescenta ter sido o abastado português Luiz António Esteves Freire quem muito contribuiu em dinheiro para a sua instalação. O brasileiro Camilo de Monserrate [4] também exerceu o seu magistério em línguas e ciências, transferindo-se mais tarde para o Pritaneo de Menars, voltando posteriormente para o Brasil.

Acrescem os professores franceses que também exerceram o seu magistério no Colégio, a saber: Luís Delattre, médico, conhecido como linguista; Carlos Brasseur de Bourbourg que se debruçou sobre a antiguidade da México e do Peru; Clean, sobre literatura, e Genty, sobre poesia. Um professor inglês, Murray, autor do Elegant Extracts of English Writers; outro espanhol Barbagero, que traduziu para castelhano os Martyres de Chateaubriand. E ainda o alemão barão de Tautphoens, professor de língua grega.

Preenchidos todos os requisitos, a 17 de Novembro de 1838 abriu o Colégio Luso-Brasileiro D. Pedro de Alcântara, que adquiriu um reconhecimento de tal ordem que acabou por admitir também alunos franceses, tendo encerrado as portas por dificuldades económicas acrescidas, em 1843. Na História dos Estabelecimentos Científicos, Literários e Artísticos, vol. IX, a pp.41, lê-se: Dificuldades financeiras, procedidas em grande parte do génio mais desinteressado e generoso que precatado e previdente do Doutor Tavares, e a que ele não teve força bastante para resistir, o obrigaram, em Setembro de 1843, a fechar o colégio que fora objecto de tantas suas fadigas, e de tantos seus esforços em proveito de uma sã educação moral e literária.

Teve uma frequência cosmopolita, tal como os dois filhos da Infanta Ana de Jesus Maria, e os dos Marqueses de Loulé, Valença e Castelo Melhor, grandes senhores liberais, do Conde de Farrobo, 4 filhos do Barão de Santos, banqueiros liberais, dois irmãos José Alberto Allen do Porto [5], e ainda João Ferreira dos Santos Silva, banqueiro brasileiro que, em 1840 entrara com três irmãos para o Colégio de Fontenay-aux-Roses, onde igualmente estudou o futuro matemático e filósofo Pedro de Amorim Viana. Igualmente André Francisco de Canto e Castro, que já frequentara o Prytanée du Château de Menars, ou seja o Colégio dos ricos. Segundo Filomena Mónica, Carlos Santos Silva, um dos dirigentes da empresa Cometna, também terá estudado no Colégio de Fontenay [6].

Também da Ilha de S. Miguel (Açores), em 1838, entrou José do Canto, para o Colégio de Fontenay, mas em 1840 optou pela Universidade de Coimbra.

A lista não é exaustiva mas dá uma ideia do nível social das pessoas que frequentaram o Colégio de Fontenay-aux-Roses Pedro de Alcântara, bem como do nível de excelência do ensino nele ministrado e reconhecido pela Université de France, como se poderá ver nas disciplinas destinadas aos dez ou doze alunos, portugueses e brasileiros, chegando aos 73, incluindo 14 ou 15 franceses, que o frequentaram:

Leitura, escrita, cálculo
Línguas: Latina, grega, francesa, portuguesa, espanhola, inglesa, iraliana, alemã
Geografia - Geral (antiga, da idade média, moderna), Especial (da França, de Portugal, do Brasil, da Espanha, da Inglaterra, da Alemanha)
História: Sagrada e eclesiástica - Geral (antiga, da idade média, moderna), Especial: de França, Portugal, Espanha, Brasil, Inglaterra, Itália, Alemanha)
Literária - Geral; de França, de Portugal, do Brasil, de Espanha, de Inglaterra, de Itália, da Alemanha
Retórica
Matemáticas: aritmética; geometria; álgebra; trigonometria
Filosofia
Elementos de: física; química; zoologia; mineralogia; botânica; geologia
Desenho: linear, de figura, de paisagem, de litografia, de arquitectura
Pintura 
Ginástica
Dança
Esgrima
Equitação
Natação
Música: Vocal (solfejo, canto), Instrumental (piano, rebeca, flauta, etc.)

O custo anual a cada aluno, em regime de internato, era de 1200 francos, ou seja, na moeda actual 9.804 euros. Na época, cada franco equivalia a 8,17 euros.

NOTAS

[1] (1975) José-Augusto França, no seu trabalho Le Romantisme au Portugal: étude des faits sócio-culturels (Paris: ed. Klincksieck), refere a pp 91 que «Frei José da Sacra-Família avait eu lídée d’installer en 1838, à Fontenay-aux-Roses, le Colégio Luso-Bradileiro de D. Pedro de Alcântara, lui donnant tactiquement le nom du roi libéral» , sem indicar se seria D.Pedro I, do Brasil (D.Pedro IV de Portugal), ou o seu filho D.Pedro II do Brasil, porque acontece que tanto um como o outro têm o nome de Pedro de Alcântara, seguindo-se uma longa lista. Nestes termos D.Pedro I (IV de Portugal) era Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon; e o seu filho, D. Pedro II era Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga. A certeza de foi D. Pedro II está inscrita na Historia dos estabelecimentos científicos literários e artísticos, vol. IX, a pp 37. 
[2] (1834) In The Quarterly Journal of Education, vol VII, January-April, London: ed Under de Superintendence of the Society for the Diffusion of Useful Knowlefdge.
[3] (1936) Portugueses Mestres no estrangeiro, in Anais da Faculdade de Ciências do Porto, vol. XXII, Porto: Imprensa Portuguesa, (p. 65).
[4] (1993) In Dicionário Bibliográfico Brasileiro de Augusto Victorino Alves Sacramento Blake, Rio de Janeiro: Tipografia Nacional 2.º vol., p. 19.
[5] (1975) Apud José-Augusto França, op. cit.
[6] (1987) "Capitalistas e industriais", in Análise Social, Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, vol. XXIII (99).

João Boaventura

4 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Excelente! Covivas à respública.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

convivas*

Unknown disse...

cara pagina de rerum natura sera que me podiam facilitar me mais imformaçoes sobre o conselheiro e vice consul manuel moreira coelho

Carlos Fiolhais disse...

Lamento não poder ajudar. O autor também não, pois infelizmente já faleceu. É um texto de há dez anos ...

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