quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

PARA UMA HISTÓRIA DO TEJO

Novo texto do Professor Galopim de Carvalho, com os agradecimentos do De Rerum Natura.

Segundo a lenda, Tago (Tagus, em latim) que deu Tajo em castelhano e Tejo em português era, segundo o poeta épico latino, Sílio Itálico (25-101 d. C.), o nome do rei ibérico crucificado por Asdrúbal (245-207 a.C.), o general comandante das tropas invasoras cartaginesas. Por seu turno, os invasores mouros chamaram-lhe Thag, nome que evoca a arte de navegar.

Mas não é da história do nome do maior rio da Península que me proponho falar. É doutra, de que estou menos afastado.

A história do Tejo, como a de qualquer outro grande rio, recua a milhões de anos atrás, com múltiplos acontecimentos registados nos muitos tipos de rochas dos terrenos que atravessam, rochas essas sempre à disposição de quem as quiser e souber ler.

Para além da beleza da paisagem multifacetada, decorrente do seu traçado em terras de Espanha e de Portugal, o Tejo oferece ainda, em alguns dos seus troços, a possibilidade de podermos conhecer parte importante da sua história. O tema é vasto e complexo e, assim, limitemo-nos a meia dúzia de generalidades introdutórias, de natureza geológica e geomorfológica.
Extensão da bacia hidrográfica do Tejo

No Paleogénico, há 30 ou 40 milhões de anos, toda a região, a que chamamos Bacia Cenozóica do Baixo Tejo-Sado [1], afundou-se entre falhas. Antes deste abatimento tectónico da crosta, esta região e a sua envolvente faziam parte de uma imensa aplanação que abrangeu toda a Península, a chamada Meseta Ibérica, da qual se salientavam alguns relevos, no geral, constituídos por rochas mais resistentes à erosão e, por isso, ditos de dureza ou residuais (Härtling, na designação original germânica) São deste tipo os relevos de Montargil, Galveias e São Facundo, localizados no interior da referida Bacia, que, durante o enchimento desta, foram e continuam a ser saliências do soco emergentes acima da cobertura, à semelhança de ilhas num mar de sedimentos detríticos, nomeadamente, areias com intercalações de leitos conglomeráticos e de outros argilosos.

Esta depressão tectónica, inicialmente fechada, endorreica, foi sede da convergência da drenagem fluvial das áreas periféricas, cujos materiais deram origem a espessuras de sedimentos, por vezes consideráveis (atingindo, pelo menos, as duas centenas de metros) cujas naturezas reflectem os condicionalismos morfoclimáticos em que evoluíram e a variada natureza geológica das áreas fornecedoras, com destaque para granitos, xistos, quartzitos, calcários, arenitos e argilitos.

Bacias Cenozóicas do Baixo Tejo-Sado e Alto Tejo (cuenca de Madrid)

Concomitantemente, no interior da península, formava-se uma outra bacia endorreica, a Bacia Cenozóica do Alto Tejo (Cuenca de Madrid), cuja evolução terá prosseguido separadamente, até ao momento em que o recuo, por erosão, de dois cursos de água, um deles oriundo dessa bacia interior, recuando para SW, e outro, saído da que temos aqui, recuando para NE, terminou pela captura daquele por este [2].

Entretanto, no início do Miocénico, há cerca de 22 Ma, o mar entrou na Bacia Cenozóica do Baixo Tejo-Sado, formando um golfo de águas pouco profundas, que se estendia, pelo menos, até às vizinhanças de Almeirim. No Miocénico superior, há cerca de 12 Ma, uma vasta região na margem norte do grande rio, entre Vila Nova da Rainha e Tomar, na vizinhança dos calcários da Orla Mesozóica Ocidental, constituiu uma área de sedimentação lacustre com a formação de calcários. No Pliocénico, há 5 a 2 Ma, o recuo, para nordeste, das cabeceiras da respectiva rede fluvial, atingiu grande parte das cristas quartzíticas do Sul da Beira Baixa e do Norte do Alentejo, o que provocou a abundância de seixos rolados desta rocha (particularmente resistente à alteração) em toda a extensão da Bacia até ao litoral, na península de Setúbal. Nesta fase, a drenagem assegurada pelo grande rio era já, seguramente, a de uma bacia exorreica.

Numa linguagem figurada, poderemos dizer que o maior rio ibérico resultou do “casamento” de um curso de água bem castelhano, prisioneiro da interioridade, com um outro, bem lusitano, que se abriu ao mar. O basculamento da Península de NE para SW não deve ser alheio a esta lenta evolução.

A actual abertura deste rio ao mar, muitas vezes referida por Gargalo do Tejo, ficou a dever-se a um sistema de falhas, subparalelas, com a orientação E-W, que aqui rasgaram a crosta, capturando o rio que ia desaguar mais a Sul. A Ponte 25 de Abril cruza o referido sistema de falhas, mas, dizem os entendidos, esta obra foi calculada no estrito respeito pelas normas de construção exigidas face à sismicidade própria da região de Lisboa.

O Gargalo do Tejo

Em relação com este sistema de falhas, a margem sul do gargalo, ou seja, o bordo da Outra Banda soergueu-se à medida que se acentuava o sinclinal de Albufeira, na península de Setúbal, sendo disso testemunho a arriba entre Cacilhas e a Trafaria, de morfologia muito jovem, com vales suspensos. O recuo do mar, durante a última glaciação (Würm), conduziu ao aprofundamento do leito do gargalo, hoje em grande parte assoreado, mas que atinge o substrato rochoso (a base das aluviões) 40m abaixo do actual nível médio marinho.

O estuário do Tejo e a sua actual abertura ao mar, como hoje se nos apresentam, sucederam a um pré-Tejo (como se lhe referiu o Prof. Orlando Ribeiro, em 1935), no Pliocénico. Nessa altura, o rio corria numa faixa com a mesma orientação do traçado actual entre Vila Nova da Barquinha e o Mar da Palha, continuando pelos terrenos onde hoje se situam as cidades de Almada, Seixal e Barreiro e a lagoa de Albufeira.

Com a configuração e a dinâmica de um vale muito alargado, o pré-Tejo terá divagado a Norte da Arrábida, numa ampla planície aluvial sulcada por múltiplos canais anastomosados, ou entrançados, unindo-se e separando-se entre si, serpenteando, ao mesmo tempo que transportavam volumosa carga sólida, aqui representada por areias e seixos [3] provenientes dos relevos quartzíticos, do interior do País (Beira Baixa e Alto Alentejo) e de Espanha, seixos que se arredondaram rolando no fundo do rio, ao longo de um percurso de centenas de quilómetros.

Para além desta evidência da progressão longitudinal das aluviões (de NNE para SSW), encontra-se, na região da Lagoa de Albufeira, uma outra, exemplificada por acarreios transversais (oriundos de N e NW), marcados pela presença de calhaus de granito, de sienito e de outras rochas características da Serra de Sintra, a que se misturam outros de basalto e de sílex da região de Lisboa.

Estes calhaus, incluídos numa matriz areno-argilosa, são a prova irrefutável do transporte directo, para aqui, de materiais detríticos oriundos da margem norte da actual saída do rio, ou seja, do dito gargalo do Tejo. Provam ainda que esta saída é posterior aos terrenos da região central de Península de Setúbal situados num largo corredor rebaixado entre Almada e a linha de alturas Espichel-Arrábida, terrenos cuja idade, um a dois milhões de anos, baliza este último episódio da história do grande rio.

Calhaus das regiões de Sintra e Lisboa, num conglomerado
situado em Porto do Concelho, na vizinhança da Lagoa de Albufeira.

Um admirável testemunho deste último episódio encontra-se na região de Porto do Concelho, na berma da estrada N 378, de Lisboa para Sesimbra, ao km 12,18, do lado direito de quem se dirige para esta vila. Aí, tendo em vista a rectificação do traçado da estrada, escavou-se uma saibreira e, da respectiva exploração, ficou a descoberto uma camada conglomerática e arenosa, repleta de seixos e calhaus, entre os quais os das referidas rochas da região Lisboa-Sintra.

NOTAS

[1]No passado, o Sado terá sido um afluente da margem esquerda do primitivo Tejo.
[2]Tenha-se em conta que os cursos de água crescem, recuando as cabeceiras de acordo com o processo habitual na erosão por abarrancamento.
[3]Foi a abundância destes seixos que deu o nome à hoje cidade do Seixal.

Galopim de Carvalho

2 comentários:

José Batista disse...

A propósito deste texto, tenho lembrança de outro, seguramente do senhor Professor, falando de como o "Alto Tejo" (?) endorreico (?) "galgou" ou "perfurou" ou se "entalou" ou se "instalou" na "frincha" quartzítica das "Portas de Ródão" [as asneiradas são todas minhas...].
Como aquele acidente geológico me impressionou sempre muito, bem gostaria que voltasse ao tema.
Mas só se não houver nada mais importante (para si, claro), que quem aceita não escolhe.
E o privilégio é sempre meu.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Certamente houve ter balsa, ante a ponte.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...