domingo, 9 de dezembro de 2012
A mistificação e a perfectibilidade
De tempos a tempos e com as condições a seu favor, a mistificação, como anti-realidade, ressurge com o propósito de ficar instalada.
Procede, primeiro, por pequenos passos sorrateiros. Tal como a hera, infiltra-se pelas brechas da realidade mais desprotegidas e agarra-se, inabalável, ao que está à volta.
Quando tem a sensação de segurança, expande-se em todos os sentidos, ganha confiança e arrogância, mostra-se e, a seguir, impõe-se. Mas não de qualquer maneira: impõe-se ameaçadora, em cenários de inacessibilidade e inatacabilidade. Pontapeia a verdade e outros princípios fundamentais. Relativiza, distorce e nega evidências; despreza pessoas e instituições.
Na sua euforia de seguir sempre em frente, a mistificação esquece-se de um pequeno pormenor, mas um daqueles pormenores que fazem toda a diferença: a lucidez de quem está de fora e que consegue distingui-la da realidade.
Isto vem a propósito do financiamento de certas escolas portuguesas que têm contrato de associação e dos relacionamentos políticos, económicos e outros que o asseguram, tudo o que foi mostrado com grande clareza numa reportagem da TVI – Dinheiros públicos, vícios privados – que passou na semana que termina e que, naturalmente, causou grande assombro.
Estou certa de que esse assombro deriva do facto de sabermos que o ambiente relacional duma escola, a ética que assume, os valores que veicula, a filosofia que integra, se traduzem na acção pedagógica, que pode (ou não) ser favorável à estruturação da personalidade dos aprendizes.
Cabe a quem entenda que a educação escolar é um Bem de todos, o qual, em circunstância alguma, se pode manipular em favor de interesses particulares qualquer que seja a natureza destes, estar atento e reagir a mistificações, por muito atraentes que elas se afigurem.
Não podemos, como sociedade (ainda) organizada e civilizada, entregar as crianças e jovens, que temos a responsabilidade de proteger e desenvolver, a instituições ou pessoas que não se movam pelo propósito de as encaminhar no sentido da perfeição humana.
É a perfectibilidade, nada mais nem nada menos do que isso, que os responsáveis educativos devem ter como horizonte. Doze anos de escolaridade obrigatória, que são doze anos de vida de uma pessoa, farão, certamente, a diferença.
Por isso, o que está subjacente ao denunciado nessa reportagem é pior, muito pior, do que aquilo que é denunciado.
O que está em causa é a entrega de crianças e jovens a escolas que, em vez de se guiarem claramente pelo propósito de alcançarem a perfectibilidade em cada um e em todos eles, se guiam, mistificadamente, pelo propósito auto-centrado do mercantilismo.
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6 comentários:
Não tinha visto a reportagem na tv. Tinham-me falado...
Acabei de ver o vídeo: abjecto, repugnante, criminoso!
E pergunto: ninguém vai preso?
O Estado, as famílias e os professores prejudicados não vão ser ressarcidos?
Pergunto e respondo: Não. É claro que não.
Porque este é um país abjecto. O nosso país.
Eu só espero que daqui a uns tempos esteja a comunicação social a noticiar que o Ministro Nuno Crato (que considero ser uma pessoa séria e integra) vai acabar o financiamento a esse tipo de instituição.
O problema não é apenas o despudor e a falta de ética de alguns indivíduos que, no exercício de cargos políticos relacionados com a área da educação, utilizam depois os seus conhecimentos e influência em empresas privadas, condicionando as decisões do ministério da educação, por exemplo em relação ao número de turmas atribuídas às escolas públicas e privadas. A este fenómeno chama-se corrupção ou tráfico de influências e muitas pessoas sabem que existe nestas e noutras áreas mas pactuam. Daí, que apesar de patético, exista da parte de alguns dos responsáveis (por esta empresa e colégios) à vontade para manterem o seu discurso frente às câmaras. Não há legislação em Portugal que não permita a responsáveis políticos ocuparem cargos em empresas privadas ligadas aos ministérios onde ocuparam cargos. A promiscuidade acontece, a legislação deveria impedi-lo. A ética nem sempre funciona e a falta dela é frequente. Porque não se criou até agora legislação que responsabilize e impeça que situações como esta ocorram?
Uma resposta possível é que a criação de mecanismos anti corrupção eficazes não interessam aos políticos. E isto contribui para o descrédito da democracia, da justiça, das instituições... e do país. Tudo isto para alguns "mercantilistas" encherem os bolsos e quando a política é uma actividade "nobre" que deveria estar ao serviço do bem comum.
E até quando vamos permitir que estas máfias governem a seu bel prazer e às nossas custas?
É de empenho(engenho)a gratuidade,
ou, bem quista gratidão.
Essa questão é busilier ou, busílis?!
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