Texto publicado na Newsletter da Universidade de Coimbra, saída hoje e na sequência de outro sobre a mesma temática.
Em carta enviada a 17 de abril passado, o conselho consultivo da Universidade de Harvard sugeria aos investigadores desta prestigiada instituição que passassem a publicar preferencialmente os resultados da sua pesquisa em revistas disponibilizadas em acesso livre. O comunicado, que entretanto foi divulgado pela comunicação social de todo o mundo, ia mais longe e aconselhava mesmo os académicos desta universidade de topo a abandonarem os conselhos editoriais de periódicos que tivessem regras de acesso muito restritivas.
Esta decisão decorre dos preços exorbitantes que as bibliotecas são forçadas a pagar a editoras comerciais para terem acesso a periódicos altamente reputados e, portanto, essenciais para a produção de ciência. Sendo Harvard uma das instituições universitárias mais ricas do mundo, a deliberação tomada é bem ilustrativa da enorme pressão financeira que está a ser colocada sobre as formas de aceder ao conhecimento científico.
Um outro sintoma do mesmo fenómeno pode encontrar-se no manifesto que se encontra a circular há algumas semanas na internet: “The Cost of Knowledge”. A petição conta já, no momento em que se tecem estas considerações, com quase 11.000 assinaturas de investigadores de todo o mundo e visa expor as condições abusivas que uma das maiores editoras de revistas científicas da atualidade — a holandesa Elsevier — aplica às instituições que pretendem ter acesso a esse acervo, obtendo assim lucros anuais de centenas de milhões de euros.
Embora os proponentes da petição reconheçam o trabalho de divulgação feito por editoras comerciais como a Elsevier e a Springer (para referir apenas dois dos nomes mais sonantes), reagem ainda assim contra os preços excessivamente elevados que elas praticam junto das instituições académicas que pagam para produzir este saber e que têm, depois, de pagar de novo para a ele terem acesso. É por isso significativo que a maior parte dos signatários afirme a sua indignação através de três declarações negativas: “won't publish”, “won't referee”, “won't do editorial work”.
Na verdade, sem o trabalho e a avaliação científica feitos (por norma gratuitamente) por milhares de investigadores de todo o mundo, estas editoras não terão, na verdade, produto para comercializar.
Este movimento tem vindo a ganhar terreno com o forte crescimento dos periódicos disponibilizados em acesso livre, que continuam de resto em franca expansão, sendo mesmo previsível que, dentro de poucos anos, venham a dominar o processo de divulgação da produção científica. Sendo em si mesma uma tendência muito positiva, não se deve, no entanto, incorrer na falácia de pensar que os conteúdos disponíveis em acesso livre têm todos o mesmo peso científico ou que estão isentos de custos.
Com efeito, o que dá valor a um trabalho é o reconhecimento pelos pares, sendo também essa condição básica que confere tanta força à tripla negativa dos signatários do manifesto, antes evocada. Para ser válida, a produção científica precisa de ser validada e, para isso, necessita em absoluto da triagem feita pela comunidade científica que cria, analisa e consome essa mesma produção científica. E mesmo que os investigadores não cobrem dinheiro por esse trabalho, há sempre custos de manutenção e atualização de estruturas técnicas e de recursos humanos que têm de ser sustentados, sob pena de o sistema deixar de ser eficaz e resvalar para a irrelevância científica.
Ainda assim, o que estes movimentos dizem é que, para obter o mesmo efeito, não é preciso investir fundos tão elevados. Para isso, é fundamental que as próprias instituições que produzem o saber não alienem o direito de o divulgar, criando também condições que garantam a sustentabilidade do sistema, através de uma partilha de recursos financeiros e científicos.
Trata-se de um grande desafio e a Universidade de Coimbra não está alheia a este processo, bem pelo contrário. Com efeito, encontra-se em fase de conclusão o lançamento de duas plataformas que visam responder a esta nova exigência do mundo académico: a POMBALINA (para a divulgação de livros) e a IMPACTVM (para a divulgação de revistas). A elas se voltará num futuro bastante próximo.
Delfim Leão
(Diretor da Imprensa da Universidade de Coimbra)
segunda-feira, 30 de abril de 2012
O TRABALHO DE MIGRAR
Crónica publicada primeiramente no Diário de Coimbra e posteriormente em outros jornais regionais.
Migrar é uma
das características da vida.
Até podemos dizer, salvaguardando a armadilha que
é generalizar, que migrar é um acontecimento constante da vida.
Todos os
organismos vivos conhecidos migram em alguma fase do seu desenvolvimento.
Alguns, como
os microrganismos unicelulares mais simples, por exemplo uma bactéria (“uma
bola de sabão com informação genética”), migram à procura, ou em direcção a
regiões aquáticas mais ricas em nutrientes, ou para se afastarem de substâncias
nefastas e por ventura fatais. A sua migração depende muito de correntes de
água, ou outras convecções de meios de suporte que, com um certo nível de acaso
acabam por decidir a tonalidade do fado.
A sorte, é ser capaz de suportar
longos períodos de escassez de nutrientes, de resistir às agruras de
toxicidades, em agilizar mecanismos de mutação para uma melhor adaptação às
condições existentes. Ficar a hibernar no tempo, esse grande escultor (como
escreveu Marguerite Yourcenar com outros propósitos).
A - Protozoários com cílios; B - Espermatozóides com flagelos.
Outros microrganismos
têm cílios, flagelos, que propulsionam essa migração à custa de trabalho.
Trabalho mecânico sustentado por uma bioenergética quase universal, feito de
transduções da energia contida nas ligações químicas de moléculas de açúcar,
como a glicose, para trabalho mecânico, motores e rotores proteicos que se
prolongam em filamentos helicoidais, eficientes máquinas manométricas.
Propulsionam a migração à custa de “trabalho bioquímico”, à procura de uma
região que lhe proporcione a quantidade bastante para uma qualidade de vida
eficiente.
O aumento de
complexidade, na estrutura e organização dos seres vivos, sob o cisel
implacável da selecção natural e sexual (actuando estas diferencialmente e em
fases distintas da vida, quer ela seja linear ou cíclica), manteve o fenómeno
da migração no reportório das habilidades para procurar os “ambientes” mais
propícios à alimentação, ao acasalamento, à reprodução, à hibernação, à fuga à
chegada sazonal de predadores ou das estações climáticas mais rudes e contrariantes
para a vida.
Algumas células reprodutoras dos animais superiores, como sejam os espermatozóides,
migram. Migram para entregar a uma outra célula reprodutora (oócitos, óvulos),
informação genética. O trabalho mecânico da cauda do espermatozóide é forte, o
suficiente para avançar contra a corrente, numa escalada da parede uterina, sem
retorno pois o objectivo único é o de encontrar a célula reprodutora feminina.
Num tempo indeterminado, uma ou algumas células adultas tornam-se, por razões diversas, em células tumorais, eventualmente
cancerosas. E uma das características, para além daquela que subverte a ordem
local da organização e estrutura anatómica, histológica e fisiológica do tecido
contextualizante, é a de espoletar migrações mais conhecidas por metástases. O cancro é uma perturbação migratória dentro do organismo!
Na doença,
migrações de várias espécies e escalas são de possível identificação.
Mesmo na
morte, em que o trabalho bioquímico se anula e já não há mais transferências de
energia, calor, em que cessa a produção de trabalho útil e funcional, outras
migrações se iniciam. A matéria-prima de que era fingida a vida é agora apelo
para outros seres migrarem para esta “nova” fonte de nutrientes.
(continua)
À abordagem!
Novo post de António Mouzinho:
O
que é que me leva ao abuso de abordar o professor Desidério Murcho? As
qualidades evidentes daquilo que faz.
Só
nos últimos dias, tropecei num post
(«posta», em Português? conota correio e pescada) desviado do TED, com uma
pequena e engraçadíssima palestra de uma senhora que não conhecia e dá pelo
nome de Susan
Cain e, no mesmo dia 28 de abril, Em defesa do pluralismo educativo.
Sobre
a palestra: trata de introversão e extroversão. A autora é uma introvertida —
extrovertida pelas circunstâncias da vida e da palestra — confessa estar casada
com um extrovertido, etc. Fala de ensino e do trabalho na empresa; aponta
tiques do ensino e da sociedade que sobrevalorizam a extroversão, o trabalho
coletivo, e por aí fora. Trouxe-me para a frente as memórias de uma vida
inteira de aulas, a lidar com miúdos introvertidos que alguns professores
assinalam como casos problemáticos. Nunca me deixei levar por essa! Sou filho
de um introvertido, e cedo aprendi o valor da coisa. Mas reconheci de imediato
o estigma: «que é que o conselho de turma poderá fazer por esta criança?»
Deixá-la sossegada, talvez…
Agora,
o osso pior de roer: é uma insistência minha, mas quando discuto também quero
entender — e ainda não entendi…
Diga-me
lá: afirma que «o melhor que podemos fazer por qualquer jovem, pobre ou rico,
é ensinar-lhe seriamente física, história, filosofia, matemática, artes, com
rigor, esforço, e avaliações que constituam desafios a vencer». Sem dúvida!
Afirma, depois, que «a melhor maneira que temos de ver o que
resulta melhor no ensino é ter professores diferentes a fazer escolhas
diferentes, com manuais diferentes». Aqui sobejam-me alguns comentários,
que ficam para mais logo, porque, em geral, também penso assim.
Remata
dizendo que «o que funciona melhor para alguns alunos pode não ser o
melhor para outros». Bom…
Aqui estão três razões,
defende, que explicam a necessidade de pluralismo educativo.
Ora travo há algum tempo uma
guerra que se reflete, à evidência, nos meus textos publicados no seu blogue: a
guerra de não aceitar que uma direção iluminada se encarregue de refletir tanta
e tão capaz iluminação para as minhas aulas.
É uma tarefa dura, porque me
deixa algo isolado — naturalmente — a pelejar com o rabo encostado a uma
parede.
Mas é uma tarefa
gratificante, porque nada me diz que não tenho razão, porque sou responsável
pelo que faço profissionalmente, e porque a dita parede é a da minha sala de
aula: lá dentro, tenho os meus alunos, que me são entregues pelo Estado, após
um conjunto de creditações científicas e técnicas, para lhes ensinar uma
disciplina. Serviço público certificado, portanto.
Uma das armas que me assegura
a lei é um currículo nacional. Expresso em programas.
Outra das armas é, com a
certificação profissional, a responsabilização profissional.
Com as duas, Winchester e
Colt, sou o Gary Cooper, e o comboio pode apitar as vezes que quiser.
Mesmo os idiotas mais
acabados têm vergonha de esvaziar por completo, perante a pressão da opinião
pública, os programas das disciplinas; ou o currículo nacional. Já não têm
vergonha de produzir textos internos, em conselhos pedagógicos pequeninos, para
atormentar quem não pensa segundo as regras que acham catitas.
Deixe-me, sem a autonomia
científica e técnica, e sobretudo sem os programas,
entregue às direções de escolas que por aí abundam, e está a deixar-me — sem
armas, no Texas.
Pum! Estou morto!
António Mouzinho
António Mouzinho
domingo, 29 de abril de 2012
ESCOLAS LIGADAS À GALÁXIA
Meu artigo no último semanário Sol (a minha coluna Heliosfera passou da revista Tabu para as páginas interiores do jornal, com a remodelação gráfica que este sofreu que correspondeu também a um abaixamento do preço):
Há festa nas
escolas para além do Parque Escolar. No dia 10 de Abril, feriado na Pampilhosa
da Serra, foi aí inaugurado um radiotelescópio, com uma antena de três metros
de diâmetro, para uso escolar. O instrumento que recebe microondas pode ser
controlado, via Internet, de uma sala de aula. O objectivo é recolher radiações
oriundas da Via Láctea, a nossa Galáxia, devendo esses registos ser integrados
com outros, recolhidos por equipamentos semelhantes em quatro países europeus
que formam com o nosso o consórcio Connecting
schools to the Milky Way.
Se este é um
radiotelescópio com fins educativos, não muito longe existe desde o ano passado
um outro maior, com fins profissionais. O prato, com nove metros de diâmetro,
bem visível no meio da serra (a Pampilhosa da Serra bem merece o seu nome, pois
a paisagem serrana é impressionante!), recolhe microondas da Galáxia. Os cumes
em redor asseguram uma blindagem natural
em relação às microondas usadas nas comunicações por telemóvel. Assim as
microondas naturais da Galáxia não são perturbadas pelas nossas conversas à
superfície do planeta.
Qual é o
interesse das microondas da Galáxia? Não, não se trata de comunicação de extraterrestres.
Os corpos celestes emitem radiações de todas as frequências, incluindo as
microondas. E o Universo emite, de uma forma quase uniforme, uma radiação de
microondas, que não é mais do que um registo, podemos dizer um “fóssil”, da
formação dos átomos, há 14 mil milhões de anos, quando o Universo tinha apenas
300 000 anos e ainda não existiam nem estrelas nem galáxias. Para conhecer melhor
essas microondas, que vêm de todo o lado e documentam o Big Bang, há que descontar as microondas provindas da Galáxia. É precisamente
esse o objectivo do radiotelescópio da Pampilhosa da Serra, que funciona
apoiado por uma equipa internacional de cientistas. Entre estes está o
norte-americano George Smoot, Nobel da Física de 2006, mas estão também físicos
e engenheiros portugueses do Instituto de Telecomunicações de Aveiro.
O radiotelescópio
de uso escolar não é mais do que uma imitação em menor escala do seu “irmão” maior.
A aprendizagem da astronomia que está a ser realizada a partir da Pampilhosa
confere uma dimensão galáctica às nossas escolas.
Na imagem: o radiotelescópio de 9 m de diâmetro de Pampilhosa da Serra.
QUAL É A COR DO FOGO?
Perguntaram-me da revista Visão Júnior:
"Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinhar o fogo é azul, e nas fogueiras é cor-de-laranja!"
Respondi:
O fogo consiste essencialmente na reacção entre um combustível (lenha ou gás, por exemplo) e um comburente (o oxigénio presente no ar). A cor varia comnforme o processo em causa. Numa lareira a reponsável pela cor são partículas de fuligem (também chamadas "negro de fumo"), que estão incandescentes a uma temperatura de cerca de 1000 graus Celsius e que, por isso, emitem luz de várias cores, mas que são vistas por nós como cor de laranja. De facto, o máximo da radiação emitida é luz infravermelha, que não vemos com os nossos olhos. Qualquer corpo quente emite luz: O nosso corpo, a cerca de 36 graus Celsius, por exemplo, emite também principalmente luz infravermelha, que é invisível a nossos olhos mas vísível com câmaras de infravermelhos. O Sol tem uma temperatura exterior de cerca de 6000 graus e emite, por isso, principalmente luz de cor amarelada (embora emita também em menor quantidade luz infravermelha). A cor depende da temperatura do corpo emissor: Um corpo mais quente é violeta e um corpo mais frio é vermelho, estando o amarelo no meio. Por outro lado, numa chama de gás de um fogão há uma boa mistura entre o gás combustível o oxigénio de tal modo que já não existem essas partículas de fuligem, mas sim moléculas de compostos de carbono ou seus fragmentos, que são excitados, isto é, passam a estados de energia maior, e que largam luz logo que essa excitação passe: um fenómeno quântico semelhante ocorre numa luz laser, com a diferença que em vez de uma cor característica como no laser, num bico de gás existem várias moléculas que emitem luz com vários tons de azul (dizemos que há uma "emissão de banda" em azul).
Resumidamente, numa fogueira há partículas maiores do que num bico de gás e o processo de emissão de luz é também diferente: as partículas na fogueira emitem luz pelo simples facto de serem quentes e as moléculas, muito mais pequenas, num bico de gás emitem luz porque são excitadas e adquirem energia que depois têm de perder. O processo, num caso ou noutro, é complicado e a resposta pode ser mais complicada do que a que aqui é dada. Uma chama é muito simples de fazer, mas muito complicada de explicar.
Carlos Fiolhais
"Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinhar o fogo é azul, e nas fogueiras é cor-de-laranja!"
Respondi:
O fogo consiste essencialmente na reacção entre um combustível (lenha ou gás, por exemplo) e um comburente (o oxigénio presente no ar). A cor varia comnforme o processo em causa. Numa lareira a reponsável pela cor são partículas de fuligem (também chamadas "negro de fumo"), que estão incandescentes a uma temperatura de cerca de 1000 graus Celsius e que, por isso, emitem luz de várias cores, mas que são vistas por nós como cor de laranja. De facto, o máximo da radiação emitida é luz infravermelha, que não vemos com os nossos olhos. Qualquer corpo quente emite luz: O nosso corpo, a cerca de 36 graus Celsius, por exemplo, emite também principalmente luz infravermelha, que é invisível a nossos olhos mas vísível com câmaras de infravermelhos. O Sol tem uma temperatura exterior de cerca de 6000 graus e emite, por isso, principalmente luz de cor amarelada (embora emita também em menor quantidade luz infravermelha). A cor depende da temperatura do corpo emissor: Um corpo mais quente é violeta e um corpo mais frio é vermelho, estando o amarelo no meio. Por outro lado, numa chama de gás de um fogão há uma boa mistura entre o gás combustível o oxigénio de tal modo que já não existem essas partículas de fuligem, mas sim moléculas de compostos de carbono ou seus fragmentos, que são excitados, isto é, passam a estados de energia maior, e que largam luz logo que essa excitação passe: um fenómeno quântico semelhante ocorre numa luz laser, com a diferença que em vez de uma cor característica como no laser, num bico de gás existem várias moléculas que emitem luz com vários tons de azul (dizemos que há uma "emissão de banda" em azul).
Resumidamente, numa fogueira há partículas maiores do que num bico de gás e o processo de emissão de luz é também diferente: as partículas na fogueira emitem luz pelo simples facto de serem quentes e as moléculas, muito mais pequenas, num bico de gás emitem luz porque são excitadas e adquirem energia que depois têm de perder. O processo, num caso ou noutro, é complicado e a resposta pode ser mais complicada do que a que aqui é dada. Uma chama é muito simples de fazer, mas muito complicada de explicar.
Carlos Fiolhais
ASCENSÃO E QUEDA DE TEORIAS CIENTÍFICAS
Não é por uma teoria cientifica cair que deixa de ser científica. Pelo contrário, só as teorias científicas podem cair, por poderem estar erradas, isto é, por serem passíveis de negação, pela lógica, pela observação e pela experiência. Por exemplo, o sistema geocêntrico foi substituído pelo sistema heliocêntrico, no século XVI, por ser mais lógico e estar mais de acordo com as observações. Foi Galileu, no século seguinte, quem fez vingar a visão de Copérnico. Por outro lado, no mesmo século, a teoria de movimento de Aristóteles foi substituída pela mecânica de Galileu e Newton, que tinha, ao contrário das antigas ideias gregas, não só sustentação matemática como também um enorme poder preditivo na descrição de acontecimentos reais. Em tempos mais recentes, ao longo do século XIX, o energicismo, que teve em Ostwald e Mach dois dos seus últimos defensores, deu lugar ao atomismo, de Maxwell, Boltzmann e outros, por os átomos terem inequivocamente, num extenso rol de experiências, dado provas da sua existência.
Avançando no tempo, esses dois grandes pilares da física moderna que são a teoria quântica, proposta por Planck, Bohr e outros, e a teoria da relatividade, tanto restrita como geral, proposta por Einstein, ainda não foram substituídos desde que ascenderam há cerca de um século. Tal não ocorreu por falta de investidas do engenho humano em imaginar situações e criar dispositivos que permitam verificar a respectiva validade, mesmo em situações extremas, mas sim e tão só porque os resultados de todas as experiências realizadas até agora eram resultados que podem ser encaixados por elas. Alguns físicos, como foi o caso de Einstein, acham que a teoria quântica é insatisfatória do ponto de vista conceptual. Mas isso não basta para a arredar: é preciso que alguma observação ou experiência a ponha em causa, o que não aconteceu até agora. A electrodinâmica quântica - que resulta do “casamento” da teoria quântica com a teoria da relatividade - tem sido testada com uma precisão incrível, dando sempre boa conta de si. Por seu lado, a teoria da relatividade restrita acaba de vencer um ataque, perpretado pelos defensores dos pretensos neutrinos superluminais, que afinal não passavam de um mero erro experimental. Finalmente, a teoria da relatividade geral tem englobado um número cada vez maior de observações astronómicas e cosmológicas, embora permaneça o sentimento de insatisfação, bem patente nos cultivadores de teorias de grande unificação, de não ter ainda sido celebrado o seu “casamento” com a teoria quântica. Podemos dizer que as duas grandes teorias da física moderna – a teoria quântica e a teoria da relatividade - continuam em ascensão. Não há sinais de decadência.
A história da ciência ensina-nos, porém, que um dia, cedo ou tarde, as nossas melhores teorias físicas acabarão por dar lugar a outras quando for revelada uma sua pequena ou grande falha. Não quer isto dizer que tenham de ser largadas e esquecidas. A sua consistência interna e a forte acumulação até agora de observações e experiências em seu abono indica-nos que as teorias seguintes as incluirão de alguma maneira. Planck, Bohr e outros nada tiveram a opor à mecânica de Galileu e Newton aplicável à escala macroscópica, ao desenvolver uma nova mecânica que descreve uma multidão de fenómenos microscópicos, , à escala dos átomos, e que dá lugar à velha mecânica quando se amplia a escala de observação (a ligação da nova com a velha mecânica pode fazer-se de várias maneiras). De modo semelhante, Einstein não derrubou Galileu e Newton, mas antes forneceu uma teoria mais abrangente, pois consegue descrever não apenas fenómenos do nosso dia-a-dia mas também fenómenos que envolvem velocidades próximas das da luz. Assim, é razoável prever que as teorias físicas futuras tenham de incluir os ensinamentos de Planck, Bohr, Einstein, etc. Não poderemos deitar fora o bebé com a água do banho. De certa forma, as grandes teorias científicas nunca caem. As novas teorias prolongam as anteriores de um modo que não é de modo nenhum trivial. É por isso que as mudanças não são fáceis: elas desafiam as mentes mais imaginativas. Em ciência a imaginação nunca é livre. Feynman, que trabalhou com grande sucesso na electrodinâmica quântica, disse que a "imaginação está contida numa camisa de forças".
sábado, 28 de abril de 2012
Em defesa do pluralismo educativo
Precisamos de pluralismo educativo por três razões principais.
Primeiro, porque andamos há anos numa guerra entre os que pensam que aos filhos dos pobres só se pode ensinar superficialidades, e os que pensam (como eu) que o melhor que podemos fazer por qualquer jovem, pobre ou rico, é ensinar-lhe seriamente física, história, filosofia, matemática, artes, com rigor, esforço, e avaliações que constituam desafios a vencer. Esta guerra nunca terá fim. Num ciclo político dá-se um passo numa direcção, vem outro ciclo político e dá-se outro passo noutra direcção, à mercê das preferências de ministros, secretários de estado e outros responsáveis educativos. O resultado é uma amálgama educativa sem sentido: faz-se agora exames, mas os programas não foram pensados para fazer exames, mas sim para contar histórias da carochinha; além disso, quem faz os exames é contra os exames, e prefere um ensino diferente, pelo que faz exames na melhor das hipóteses sofríveis, mas que nada acrescentam à formação do aluno; aos programas vagos e sem conteúdos científicos ou históricos acrescenta-se directrizes para que se possa fazer exames, mas essas directrizes têm de ser negociadas selvaticamente com quem odeia exames e programas que não sejam vagos. Não estou a ver que isto alguma vez acabe. Mesmo que o professor Nuno Crato conseguisse impor programas de matemática, física e filosofia que não fossem um disparate completo, logo outro responsável se encarregaria de os mudar, noutro ciclo político. Os exames foram reintroduzidos, mas não servem para coisa alguma porque estão mal feitos e são apenas a fingir. Esta guerra que dura há anos faz-nos perder tempo com o que não interessa. Se houvesse diversidade educativa, cada professor faria como quisesse; não perderíamos tempo com guerras. E quem tenta fazer bons manuais para o ensino secundário, como eu, não teria de lutar contra programas e manuais e preconceitos para os tentar fazer: daria o seu melhor, em coordenação com os professores do secundário interessados num bom trabalho, sem perder tempo com guerras inacabáveis.
Segundo, porque a melhor maneira que temos de ver o que resulta melhor no ensino é ter professores diferentes a fazer escolhas diferentes, com manuais diferentes. O pluralismo educativo permitir-nos-ia fazer o que genuinamente pensamos que é melhor, sem termos de obedecer a directrizes e programas nacionais; os conteúdos e métodos seriam plurais e poderíamos aprender a fazer melhor uns com os outros -- pelo menos, aqueles de nós que realmente querem ensinar melhor. Seria natural que ideias surgidas num lugar fossem adoptadas noutro; que as melhores práticas acabariam por ser melhoradas, tornando-se ainda melhores. Isto daria origem a uma espiral de qualidade educativa -- admitidamente, apenas entre os professores genuinamente interessados em ensinar melhor. Mas a alternativa ao pluralismo, o que temos hoje, não dá origem a qualquer espiral de qualidade educativa.
Terceiro, porque o que funciona melhor para alguns alunos pode não ser o melhor para outros. Alunos diferentes podem ter interesses diferentes e diferentes potencialidades. Alguns poderão reagir melhor a um dado método de ensino; outros alunos, a um método diferente. Alguns alunos poderão gostar mais de matemática e filosofia, mas não de história; outros poderão gostar mais de outras áreas. Seria bom que os alunos mais interessados em matemática, por exemplo, ou em filosofia, pudessem ter mais horas de aulas por semana dessas áreas.
Estas são as três razões principais a favor do pluralismo educativo. Acresce a esta uma quarta, mas já vi que essa não cai bem: a simples impossibilidade de se justificar adequadamente o direito de quem tem o poder de impor aos colegas a sua visão do ensino. Acontece que os professores aceitam com tal naturalidade a heteronomia que nem lhes ocorre ver que a situação é caricata. Eu ia escrever "tentasse o Ministério da Educação impor aos professores da universidade o mesmo género de cartilhas e seria uma revolta generalizada" -- quando me lembrei que na verdade quem começou impor cartilhas nas universidades há uns anos foi a FCT e ninguém piou. Nunca devemos menosprezar a capacidade que as pessoas têm para deitar às urtigas a autonomia, prostituindo-se com imensa facilidade em troca de benesses ilusórias.
Primeiro, porque andamos há anos numa guerra entre os que pensam que aos filhos dos pobres só se pode ensinar superficialidades, e os que pensam (como eu) que o melhor que podemos fazer por qualquer jovem, pobre ou rico, é ensinar-lhe seriamente física, história, filosofia, matemática, artes, com rigor, esforço, e avaliações que constituam desafios a vencer. Esta guerra nunca terá fim. Num ciclo político dá-se um passo numa direcção, vem outro ciclo político e dá-se outro passo noutra direcção, à mercê das preferências de ministros, secretários de estado e outros responsáveis educativos. O resultado é uma amálgama educativa sem sentido: faz-se agora exames, mas os programas não foram pensados para fazer exames, mas sim para contar histórias da carochinha; além disso, quem faz os exames é contra os exames, e prefere um ensino diferente, pelo que faz exames na melhor das hipóteses sofríveis, mas que nada acrescentam à formação do aluno; aos programas vagos e sem conteúdos científicos ou históricos acrescenta-se directrizes para que se possa fazer exames, mas essas directrizes têm de ser negociadas selvaticamente com quem odeia exames e programas que não sejam vagos. Não estou a ver que isto alguma vez acabe. Mesmo que o professor Nuno Crato conseguisse impor programas de matemática, física e filosofia que não fossem um disparate completo, logo outro responsável se encarregaria de os mudar, noutro ciclo político. Os exames foram reintroduzidos, mas não servem para coisa alguma porque estão mal feitos e são apenas a fingir. Esta guerra que dura há anos faz-nos perder tempo com o que não interessa. Se houvesse diversidade educativa, cada professor faria como quisesse; não perderíamos tempo com guerras. E quem tenta fazer bons manuais para o ensino secundário, como eu, não teria de lutar contra programas e manuais e preconceitos para os tentar fazer: daria o seu melhor, em coordenação com os professores do secundário interessados num bom trabalho, sem perder tempo com guerras inacabáveis.
Segundo, porque a melhor maneira que temos de ver o que resulta melhor no ensino é ter professores diferentes a fazer escolhas diferentes, com manuais diferentes. O pluralismo educativo permitir-nos-ia fazer o que genuinamente pensamos que é melhor, sem termos de obedecer a directrizes e programas nacionais; os conteúdos e métodos seriam plurais e poderíamos aprender a fazer melhor uns com os outros -- pelo menos, aqueles de nós que realmente querem ensinar melhor. Seria natural que ideias surgidas num lugar fossem adoptadas noutro; que as melhores práticas acabariam por ser melhoradas, tornando-se ainda melhores. Isto daria origem a uma espiral de qualidade educativa -- admitidamente, apenas entre os professores genuinamente interessados em ensinar melhor. Mas a alternativa ao pluralismo, o que temos hoje, não dá origem a qualquer espiral de qualidade educativa.
Terceiro, porque o que funciona melhor para alguns alunos pode não ser o melhor para outros. Alunos diferentes podem ter interesses diferentes e diferentes potencialidades. Alguns poderão reagir melhor a um dado método de ensino; outros alunos, a um método diferente. Alguns alunos poderão gostar mais de matemática e filosofia, mas não de história; outros poderão gostar mais de outras áreas. Seria bom que os alunos mais interessados em matemática, por exemplo, ou em filosofia, pudessem ter mais horas de aulas por semana dessas áreas.
Estas são as três razões principais a favor do pluralismo educativo. Acresce a esta uma quarta, mas já vi que essa não cai bem: a simples impossibilidade de se justificar adequadamente o direito de quem tem o poder de impor aos colegas a sua visão do ensino. Acontece que os professores aceitam com tal naturalidade a heteronomia que nem lhes ocorre ver que a situação é caricata. Eu ia escrever "tentasse o Ministério da Educação impor aos professores da universidade o mesmo género de cartilhas e seria uma revolta generalizada" -- quando me lembrei que na verdade quem começou impor cartilhas nas universidades há uns anos foi a FCT e ninguém piou. Nunca devemos menosprezar a capacidade que as pessoas têm para deitar às urtigas a autonomia, prostituindo-se com imensa facilidade em troca de benesses ilusórias.
Onde se fala de Maria Montessori e se volta a falar de exames nacionais
“Ora aqui está, se não me iludo, uma pedra
violenta de escândalo para muitos dos nossos leitores anti-desportistas: o
desporto como peste contemporânea até
agora, invade heterodoxamente o
belo templo de Minerva e vem sentar-se, de face descarada, no banco dos
doutorandos, perante um areópago sapientíssimo e soleníssimo" (Silvio Lima, 1904-1931).
Porque nem sempre, como desejou Camões, a lei da morte liberta do esquecimento alguns dos seus valorosos obreiros em vida, comecei por transcrever o testemunho de Sílvio Lima, professor universitário de Coimbra e investigador em Ciências de Educação.
Posto isto, debruço-me, agora,
sobre o comentário do leitor Joaquim
Manuel Ildefonso Dias ao meu último post aqui publicado, “A polémica Sobre os
Exames Nacionais”, em que ele escreveu:
”Quem neste país se apodera do direito indevido, (que não é mais que uma
tentativa de salvar uma estrutura económica já moribunda aos olhos de todos),
repito, quem? se apodera do direito indevido e impõe a competição aos filhos
dos outros com todos os inconvenientes que isso acarreta na liberdade da
criança? Isto é algo de muito grave e que merecer reflexão”.
Sem me considerar suficientemente habilitado a uma reflexão profunda, tentarei, contudo, dar uma resposta, a esta complexa temática, embora sujeita a novas discordâncias, aliás salutares e sempre bem-vindas, até porque, como nos adverte António Gedeão: “Onde Sancho vê moinhos / D. Quixote vê Gigantes./ Vê moinhos? São moinhos./ Vê gigantes? São gigantes.” Pois bem, numa sociedade que tarda teimosamente em se libertar da subalternidade cartesiana da res extensa perante a res cogitans, criticada, em texto lapidar pelo filósofo da nossa contemporaneidade Jean-François Lyotard – “toda a energia pertence ao pensamento que diz o que diz, que o que quer; a matéria é o fracasso do pensamento, a sua massa inerte, a estupidez” – , compreendo a heresia, ou como tal podendo ser tida por umas tantas vestes talares ou mesmo pelo homem-comum, em ir buscar (como fui) a comparação entre os exames nacionais e a medição sujeita ao cronómetro e à fita métrica da prática atlética. Ter-me-ia sido mais cómodo e menos polémico (bem sei que quem não quer polemizar não deve escrever) socorrer-me do filósofo francês François Châtelet, em citação colhida no post de Carlos Fiolhais “Sobre a educação:’na educação há uma espinha dorsal’” (12/02/2011): “Por conseguinte, na educação há uma espinha dorsal -a instrução - à qual se ligam, sem a ela se reduzirem, as outras modalidades de formação. Penso, em particular, na formação física. Não falo da ginástica sueca ou do jogging, mas da aquisição de uma espécie de inteligência do corpo”. Aliás, Agustina Bessa-Luis, em entrevista a Clara Ferrerira-Alves (Expresso/89), viria a afirmar, também, e de forma lapidar, “o corpo é uma inteligência”.
Sem me considerar suficientemente habilitado a uma reflexão profunda, tentarei, contudo, dar uma resposta, a esta complexa temática, embora sujeita a novas discordâncias, aliás salutares e sempre bem-vindas, até porque, como nos adverte António Gedeão: “Onde Sancho vê moinhos / D. Quixote vê Gigantes./ Vê moinhos? São moinhos./ Vê gigantes? São gigantes.” Pois bem, numa sociedade que tarda teimosamente em se libertar da subalternidade cartesiana da res extensa perante a res cogitans, criticada, em texto lapidar pelo filósofo da nossa contemporaneidade Jean-François Lyotard – “toda a energia pertence ao pensamento que diz o que diz, que o que quer; a matéria é o fracasso do pensamento, a sua massa inerte, a estupidez” – , compreendo a heresia, ou como tal podendo ser tida por umas tantas vestes talares ou mesmo pelo homem-comum, em ir buscar (como fui) a comparação entre os exames nacionais e a medição sujeita ao cronómetro e à fita métrica da prática atlética. Ter-me-ia sido mais cómodo e menos polémico (bem sei que quem não quer polemizar não deve escrever) socorrer-me do filósofo francês François Châtelet, em citação colhida no post de Carlos Fiolhais “Sobre a educação:’na educação há uma espinha dorsal’” (12/02/2011): “Por conseguinte, na educação há uma espinha dorsal -a instrução - à qual se ligam, sem a ela se reduzirem, as outras modalidades de formação. Penso, em particular, na formação física. Não falo da ginástica sueca ou do jogging, mas da aquisição de uma espécie de inteligência do corpo”. Aliás, Agustina Bessa-Luis, em entrevista a Clara Ferrerira-Alves (Expresso/89), viria a afirmar, também, e de forma lapidar, “o corpo é uma inteligência”.
Mas porque, como
nos legou Séneca, “viver significa lutar”, deparamo-nos com a contradição com o
pensamento de Maria Montessori, sintetizado
por Irene Lisboa, quando sobre ela escreve: “O seu espírito é de liberdade; não
admite sequer a competição, a corrida de forças émulas...Cada criança age como
pode e por si própria”. Mas numa coisa, creio (não sei se bem, se mal, por
estar a falar sem procuração) poderemos estar de acordo quanto ao efeito nocivo
de uma competição que não tenha na devida conta a dignidade da pessoa humana,
seja ela criança, adolescente ou adulta.
Refiro-me, concretamente, à utilização de esteróides no treinamento das campeãs
mundiais e olímpicas da antiga República Democrática Alemã, atentando contra a sua própria feminilidade,
masculinizando-as, para lhes atribuir a primazia na obtenção de medalhas, ainda
que à custa de um bem que sobreleva todas as riquezas do mundo: a saúde. E porque o mundo é feito de
contradições, evoco, em contrapartida, a figura ímpar do professor de Educação
Física José Esteves, pioneiro da Sociologia Desportiva em Portugal, autor da
mui citada obra “O Desporto e as Estruturas Sociais” (1967), em que defende:
“Não troco a promoção desportiva de uma centena de crianças das nossas escolas
primárias por uma medalha de ouro olímpica”.
Mas
regressando ao cerne da questão, ou seja a Maria Montessori, representa ela a
Escola Moderna, embora relativamente, essencialmente, às idades pré-escolares, em oposição a uma
escola impositiva e repressiva do ensino primário, de há muitas décadas, em que a "menina dos cinco olhos” fazia de indivíduos pouco dotados, para as aprendizagens cognitivas, verdadeiros papagaios de coisas que não
compreendiam sequer. Sem lhes tirar o mérito,
outros pedagogos, que a antecederam, foram adoptados por um ensino em que "teorias pedagógicas" submergem o
conhecimento dando azo a que os jovens
saiam das escolas do básico sem saberem
ler, escrever ou contar e, como soe dizer-se, com um possível
exagero, chegando a entrar no ensino superior reivindicando novas formas de facilitismo que justifiquem a sua ignorância e a sua aversão a qualquer forma
de exames substituídos, quantas vezes, por trabalhos de grupo de uma “ciência
infusa” copiada de textos da Internet, porque, e cá estou eu a citar de novo o
incontornável Eça, “hoje não se lê, folheia-se”. Ou melhor, navega-se em águas internéticas com
as velas da ignorância ou de cérebros que menorizam o papel da memória.
Abstraindo
este aspecto de “modernidade”, aliás, nihil novi no que respeita à educação das crianças! Já
Platão ao ser confrontado com a incapacidade das crianças contarem ou
distinguirem os números pares dos ímpares manifestava o seu profundo repúdio:
“Quanto a mim, parecemo-nos mais com porcos do que com homens, e sinto-me
envergonhado não só de mim mas de todos os gregos!” Entretanto, no Portugal de hoje, a vergonha, em certos espíritos de uma impropriamente tida
como vanguarda pedagógica, reside no “eduquês" parecendo encontrar terreno úbere na discordância relativamente à realização de exames nacionais tendentes a avaliar se as nossas crianças
sabem, ao menos, ler, escrever e contar quando saem das escolas do 1.º ciclo do
ensino básico. Ou mesmo de estudos
subsequentes que levam à entrada no ensino superior de indivíduos
com uma confrangedora ignorância científica e cultural, vítimas de um sistema educativo que em nada os prepara para a vida de
espinhos que os espera no exigente e competitivo mundo do trabalho adulto.
Este o nó górdio de uma discussão que a espada
embotada de políticos palavrosos, “diletantes
de coxia” (Eça, uma vez mais) de uma pedagogia mal assimilada e de simples
treinadores de bancada discute sem apresentar soluções para um país em que,
para o notável académico e neurocirurgião João Lobo Antunes, “a mediocridade
é a lei”! Uma mediocridade a que os
exames nacionais (se bem feitos, obviamente!) poderão fazer, parafraseando um
ditado popular, vir a ignorância ao de cima como o azeite na
água.
MUSEU DO QUARTZO
Quartzo
hialino
Vai ter lugar no próximo dia 30, 2ª feira, pelas 21,00 horas, a cerimónia de abertura deste invulgar museu, concebido e construído junto à escarpa da pedreira de quartzo abandonada, no Monte de Santa Luzia, em Viseu. Numa estreita colaboração da Câmara Municipal de Viseu e do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa, esta interessante realização, de notável interesse pedagógico, visa realçar as inúmeras variedades e o sem número das suas aplicações nas ciências da Terra, nas tecnologias mais variadas e na arte, nomeadamente na joalharia.
Por decisão camarária de 28 de Abril de 2012, este museu vai ter o nome de Galopim de Carvalho, o autor desta ideia e no qual trabalhou ao longo de quase duas décadas.
Concebido para, numa primeira fase, de âmbito local, servir as escolas da região e divulgar conhecimentos entre o cidadão comum, este pequeno museu reunirá uma representação significativa de exemplares desta espécie mineral (e suas variedades) e das suas múltiplas aplicações industriais e artísticas, a par de equipamentos interactivos adequados e de oficinas pedagógicas. A médio prazo, numa segunda fase, de âmbito nacional, aspira-se a uma colaboração activa com as universidades e as empresas interessadas no quartzo como matéria-prima nas mais variadas tecnologias. Na eventualidade de previsível sucesso deste embrião do saber, e se as entidades competentes (a autarquia e/ou o poder central) assim o entenderem e apoiarem, esta estrutura, por enquanto meramente pedagógica, poderá e deverá evoluir para um centro de investigação científica e tecnológica em torno desta temática, a nível internacional, domínio amplamente justificável e, por si só, susceptível de atrair patrocínios por parte de grandes empresas interessadas nesta investigação, como são, por exemplo, as da relojoaria.
HISTÓRIA DO PROJECTO
Por inícios dos anos 90, era vereador da cultura na Câmara Municipal de Viseu o Dr. Américo Nunes, hoje vice-presidente desta autarquia. Licenciado em Biologia na minha Faculdade, muito ligado aos professores de que fora aluno, este autarca concebeu e pôs em prática uma série de cursos de actualização de conhecimentos, dirigidos aos professores da região, suportados financeiramente pela Câmara e pedagogicamente assegurados pela Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais. Na altura, eu era o presidente da direcção desta veneranda Sociedade e foi nesta condição e, ao mesmo tempo, para apresentar uma das aulas a terem lugar no auditório Mirita Casimiro, que estive várias vezes na cidade de Viriato. Foi uma surpresa agradável, viver esta cidade em crescimento harmonioso, crescimento que tenho vindo a acompanhar de perto nos mais de vinte anos que se sucederam. Viseu é hoje uma cidade em que dá gosto viver.
A exploração do quartzo numa pedreira aberta no Monte de Santa Luzia, nos arredores de Viseu, entre 1961 e 1986, pela “Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos”, de Canas de Senhorim, teve como resultado o enorme rasgão na paisagem que ali se observa, desde sempre considerado como elemento altamente negativo em termos de impacto ambiental.
Desta exploração, ficou-nos, como é costume entre nós, uma pedreira abandonada, onde o quartzo filoniano, num escarpado de acentuada brancura, contrasta com a densa arborização envolvente, aspecto que se manteve desde que ali terminou a lavra, há 26 anos, sem que o agente económico tivesse procedido a quaisquer trabalhos de requalificação. A solicitação do Dr. Américo Nunes, concebi, em nome do Museu Nacional de História Natural (MNHN) da Universidade de Lisboa, um projecto de musealização do sítio como local de interesse geológico e mineralógico a recuperar, conservar e valorizar.
À semelhança de uma “janela aberta” para o interior da crosta, este rasgão na paisagem permite observar, por dentro, diversas e interessantes particularidades geológicas e mineralógicas deste tipo de ocorrências. O referido escarpado tem, na óptica da preservação e valorização do nosso património natural, o mérito de chamar a atenção para o mais volumoso e possante filão de quartzo leitoso, de entre os muitos que atravessam o substrato do nosso território, como exemplo da actividade hidrotermal residual, afectando granitos do final da era paleozóica, com cerca de 280 milhões de anos. Associado a esta ocorrência propus, então, a criação de um pequeno museu inteiramente dedicado ao quartzo, algo de inédito na museografia mundial.
O Monte de Santa Luzia constitui um pequeno relevo suportado pela maior dureza do quartzo e pela sua maior resistência à meteorização, relativamente ao granito que atravessa. Com várias dezenas de metros de espessura, este filão é a causa da existência deste relevo residual com cento e poucos metros acima da superfície planáltica que o rodeia.
A valorização deste sítio decorre não só da grandiosidade e espectacularidade deste acidente, como também da grande importância mineralógica, geológica e económica do quartzo, do seu elevado número de variedades, quer em termos de cores, quer no que diz respeito aos diferentes hábitos cristalinos, modos de jazida, associações com outras espécies minerais, etc. Tal valorização decorre, ainda, e muito, da invulgar diversidade das aplicações do quartzo como matéria-prima, nas mais variadas indústrias, com destaque para a fundição, a cerâmica, a vidraria, a cristalaria, a óptica, a química, a medicina reconstrutiva, a electrónica, a relojoaria e a joalharia.
Ao aceitar este projecto de musealização, a autarquia visou recuperar o que resta de uma exploração caótica abandonada, transformando-a num pólo da Universidade de Lisboa (protocolo assinado entre o Museu Nacional de História Natural e a Câmara Municipal de Viseu, em 14 de Outubro de1997), com grandes potencialidades pedagógicas, culturais e, também, naturalmente, turísticas.
Para além da recuperação do escarpado (a frente de exploração tal como foi deixada), o conjunto dispõe do referido Museu do Quartzo, e de um percurso pedonal a ser criteriosamente apoiado em painéis explicativos, convenientemente localizados, e de documentação escrita (para já, uma brochura) a facultar aos visitantes.
Com a minha aposentação como director do Museu Nacional de História Natural e a nomeação do meu substituto, o meu brilhante ex-aluno, Prof. Doutor Fernando Barriga, este ambicioso projecto, que aceitou de imediato, pôde beneficiar da modernidade do seu saber como professor catedrático de mineralogia, interessado na moderna museologia da área científica e profundo conhecedor das novas tecnologias aplicadas a esta vertente pedagógica.
O projecto do Monte de Santa Luzia, cuja componente arquitectónica, incluindo a do edifício do novo museu, é da autoria do Arq. Mário Moutinho, foi galardoado, em 1997, com o Prémio Nacional do Ambiente (Autarquias).
A materialização em termos museográficos dos conteúdos em exposição, a cargo da Y Dreams, foram concebidos por mim e pelo Prof. F. Barriga, com a colaboração do Dr. Rui Galopim de Carvalho, na qualidade de gemólogo. A terminar não posso deixar de louvar a autarquia viseense, nas pessoas do seu presidente, Dr. Fernando Ruas, e do seu vice-presidente, Dr. Américo Nunes, com quem trabalhei directamente todos estes anos, pelo invulgar interesse que puseram neste projecto, vencendo as mais diversas dificuldades e permitindo a concretização de um sonho.
29 de Abril de 2012
A. M. Galopim de Carvalho
...EM VIAS DE EXTINÇÃO
Selos encomendados pela ONU a uma das mais talentosas ilustradoras científicas portuguesa: Diana Marques.
A ilustração científica na filatelia ficou assim mais enriquecida. Noutra perspectiva, reafirma-se o selo como um excelente suporte e veículo para a comunicação de ciência.
A excelência do trabalho da Diana Marques (ver página desta comunicadora de ciência através da arte da ilustração aqui) pode agora ser enviado, sem extinção, usando estes selos.
Contribuímos também para sensibilização colectiva de que é urgente proteger as espécies animais (neste caso) que perigam deixar a biosfera, muito devido à acção humana.
António Piedade
sexta-feira, 27 de abril de 2012
O problema ambiental mais deprimente não é a perda de habitat ou a sobreexploração, mas a indiferença humana a esses problemas
Órgão da Administração Direta do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia / INPA - foi criado (1952) com a finalidade de realizar o estudo científico do meio físico e das condições de vida da região amazônica, tendo em vista o bem estar humano e os reclamos da cultura, da economia e da segurança nacional. Sua missão é gerar e disseminar conhecimentos e tecnologia, e capacitar recursos humanos para o desenvolvimento da Amazônia. Ao longo de cinco décadas, vem assumindo responsabilidade crescente na tarefa de produzir conhecimento, estabelecendo um compromisso com o desenvolvimento sustentável, a defesa do meio ambiente e de seus ecossistemas, expandindo os estudos sobre a biodiversidade, a sociodiversidade, os recursos florestais e hídricos.
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Por favor, publiquem noutro lado
Em traços muito, muito gerais as coisas têm acontecido duma certa maneira, ainda que não saibamos bem se pela ordem que descrevemos:
Foi-se (alguém foi) instalando nas “comunidades científicas” a ideia de que certas revistas “com factores de impacto”, sediadas algures, perto do Olimpo, com conselhos editoriais repletos de deuses do saber, publicavam apenas e só o que fosse de inequívoca excelência.
Correlativamente (aqui está o pormenor que faz toda a diferença) surgiu outra ideia: que seria muito difícil um investigador comum, um pobre mortal, obter a graça (próxima da divina) de ver um trabalho seu constar lá.
As universidades e outras instituições “produtoras de conhecimento” acolheram muitíssimo bem esta ideia, acarinharam-na, difundiram-na, incentivaram-na e… acabaram por impô-la, legitimando-a como critério de avaliação: afinal parecia constituir garantia de que só os melhores dos melhores ascendiam ao estrelato, que os trabalhos aí publicados seriam nada menos do que perfeitos. Uma espécie de crença neo-positivista, mas de elite e altamente seleccionada.
Face a revistas de tal estatura, muitas dessas instituições (quase todas) desvalorizaram as suas, e em casos demais (dizemos nós), extinguiram-nas. Afinal, quem aí publicava só poderia ser quem não conseguia publicar nas tais outras, coisa de quarta ou quinta categoria…
Claro está que as instituições de investigação de todo o mundo começaram a pagar (mais e mais) para terem acesso a bases de dados onde constavam (constam) essas tais revistas… que, não é segredo nenhum, pertencerem a empresas privadíssimas.
Acontece que o dinheiro começa a desaparecer… E agora?
Parece que uma universidade – a de Harvard – reconheceu que “várias grandes editoras de revistas tornaram a comunicação científica financeiramente insustentável e restritiva a nível académico. A situação é exacerbada devido ao esforço de certos editores de adquirirem, agregarem e aumentarem o preço das revistas”. Considerando a “situação insustentável”, o seu conselho consultivo “sugeriu aos seus investigadores não só que publicassem os artigos em revistas científicas de conteúdo livre, como abandonassem os conselhos editoriais daquelas que não queiram rever o modo de acesso aos artigos que publicam”. E propõe aos professores e estudantes que considerem submeter os artigos a revistas de acesso livre, ou que têm custos de assinatura razoáveis. Adianta: “Se estiverem num conselho editorial de uma revista, verifiquem se pode ser de acesso livre, ou se pode ser publicada por outras editoras. Se não for assim, considerem a vossa demissão”, diz ainda. Outra proposta é que os cientistas encorajem as associações profissionais a tomarem conta das revistas da sua especialidade.
É um (re)começo.
.
Maria Helena Damião e Marco Aurélio Alves
Foi-se (alguém foi) instalando nas “comunidades científicas” a ideia de que certas revistas “com factores de impacto”, sediadas algures, perto do Olimpo, com conselhos editoriais repletos de deuses do saber, publicavam apenas e só o que fosse de inequívoca excelência.
Correlativamente (aqui está o pormenor que faz toda a diferença) surgiu outra ideia: que seria muito difícil um investigador comum, um pobre mortal, obter a graça (próxima da divina) de ver um trabalho seu constar lá.
As universidades e outras instituições “produtoras de conhecimento” acolheram muitíssimo bem esta ideia, acarinharam-na, difundiram-na, incentivaram-na e… acabaram por impô-la, legitimando-a como critério de avaliação: afinal parecia constituir garantia de que só os melhores dos melhores ascendiam ao estrelato, que os trabalhos aí publicados seriam nada menos do que perfeitos. Uma espécie de crença neo-positivista, mas de elite e altamente seleccionada.
Face a revistas de tal estatura, muitas dessas instituições (quase todas) desvalorizaram as suas, e em casos demais (dizemos nós), extinguiram-nas. Afinal, quem aí publicava só poderia ser quem não conseguia publicar nas tais outras, coisa de quarta ou quinta categoria…
Claro está que as instituições de investigação de todo o mundo começaram a pagar (mais e mais) para terem acesso a bases de dados onde constavam (constam) essas tais revistas… que, não é segredo nenhum, pertencerem a empresas privadíssimas.
Acontece que o dinheiro começa a desaparecer… E agora?
Parece que uma universidade – a de Harvard – reconheceu que “várias grandes editoras de revistas tornaram a comunicação científica financeiramente insustentável e restritiva a nível académico. A situação é exacerbada devido ao esforço de certos editores de adquirirem, agregarem e aumentarem o preço das revistas”. Considerando a “situação insustentável”, o seu conselho consultivo “sugeriu aos seus investigadores não só que publicassem os artigos em revistas científicas de conteúdo livre, como abandonassem os conselhos editoriais daquelas que não queiram rever o modo de acesso aos artigos que publicam”. E propõe aos professores e estudantes que considerem submeter os artigos a revistas de acesso livre, ou que têm custos de assinatura razoáveis. Adianta: “Se estiverem num conselho editorial de uma revista, verifiquem se pode ser de acesso livre, ou se pode ser publicada por outras editoras. Se não for assim, considerem a vossa demissão”, diz ainda. Outra proposta é que os cientistas encorajem as associações profissionais a tomarem conta das revistas da sua especialidade.
É um (re)começo.
.
Maria Helena Damião e Marco Aurélio Alves
A Polémica Sobre os Exames Nacionais
“Um atleta não pode chegar
à competição muito motivado se nunca foi posto à prova” (Séneca, 4 a.C.-65).
Numa altura em que se
continua a polemizar a medida do ministro da Educação, Nuno Crato, de
estabelecer exames nacionais para os diversos ciclos do ensino básico, não
confundindo eu a canção com os cantores, declaro, desde já, que excluindo à
partida exames mal feitos que examinam a ignorância dos directos responsáveis
pela sua elaboração, ser a favor desta
forma de avaliação que coloca os alunos em igualdade de circunstâncias.
Sem exames que avaliem
convenientemente o nível da aprendizagem dos alunos só tarde e a más horas se
virá a tomar o pulso à ignorância dos frequentadores do ensino superior em que
se substituiu uma cultura e um conhecimento científico, cimentados em estudos aturados, pela pedagogia do facilitismo para
não criar traumas nas crianças e jovens. Ou para lançar dados estatísticos
(como escreveu Francisco Leite Pinto, um dos fundadores da Sociedade Portuguesa
de Matemática (1940): “Há duas formas de mentir: uma é não dizer a verdade;
outra, mentir”) que escamoteiem a real ignorância de parte substancial da
população escolar portuguesa. Infelizmente, ignorância em nada desmerecedora da contundente crítica de Eça de
Queiroz:
“Mas a verdade é que numa época tão intelectual, tão
crítica, tão científica como a nossa, não se ganha a admiração universal, ou
seja, nação ou indivíduo, só com ter propósitos na rua e pagar lealmente ao
padeiro. São qualidades excelentes, mas insuficientes. Requer-se mais:
requer-se a forte cultura, a fecunda elevação de espírito, a fina educação do
gosto, a base científica, a altura ideal, que na França, na Inglaterra, na
Alemanha, inspiram na ordem intelectual a triunfante marcha para a frente; e
nas nações de faculdades menos criadoras na pequena Holanda ou na pequena
Suécia, produzem esse conjunto eminente de sábias instituições, que são, na
ordem social, a realização de formas superiores de pensamento”.
Numa altura em
que novas formas de entrada no ensino superior, ou, apenas, como tal, plasmado
em textos legais (por exemplo, provas de
acesso para maiores de 23 anos), prenunciando
técnicos despojados de uma necessária formação cultural - a que a leitura
constante de textos literários e a reflexão filosófica conduzem - e em que a
quantidade de diplomados pelo ensino superior supera em muito a sua qualidade –
não se deve deixar um ensino básico e secundário de qualidade fora das escolas
oficiais, de ampla tradição, procurando
os pais, com posses para tanto, escolas particulares que garantam um ensino
que cumpra a sua função de ensinar não pactuando, assim, com pátios de recreação em que os professores são obrigados a fechar os olhos
para ganhar o pão que o diabo amassou. Será isto a democratização do ensino tão
proclamada nos dias de hoje?
Embora sabendo que a Cultura, e a gama de conhecimentos
de cada um, foge a padronizações e comparações deste género, todavia, com vi escrito algures,
quem não mede não se preocupa com as coisas. Suponhamos, portanto, por mera
hipótese, “performances” atléticas não obedecendo ao critério do cronómetro ou
da fita métrica: qualquer indivíduo se podia arvorar em campeão de uma
determinada prova desportiva nem que fosse apenas da sua rua. Era a sua palavra
contra a de outros competidores. “E prontos, como dizem os jovens letrados” (Clara
Ferreira-Alves, Revista “Expresso”, 31/03/2012).
A segunda objecção da Sara
A segunda objecção da Sara é que se libertarmos o ensino, colocando nas mãos dos próprios professores e escolas a responsabilidade última pelo que ensinam e como ensinam, será uma desgraça — porque, como ela afirma, numa situação de plena liberdade, os professores e as escolas “depressa esquecem a imparcialidade, a exigência e a transparência, acabando, em muitos casos, por ceder aos interesses, ao poder e ao amiguismo”. Eu concordo que isso acontece; e acontece por duas razões. Primeiro, falta de profissionalismo; a ética profissional não é algo que seja cultivado no país. Nos mais diversos sectores — dos jornalistas aos advogados, dos médicos aos políticos, dos professores aos taxistas — não existe apreço pelo profissionalismo, pelo brio profissional de desempenhar o melhor possível a nossa profissão. Isto é de tal modo assim que quem defende o que na realidade é apenas o profissionalismo dos professores tem tendência para dizer que os professores não podem ser meros profissionais, têm de ter uma vocação ou de responder a uma chamada mística. Isto é curioso, pois mostra até que ponto não se tem ideia alguma do que é uma sociedade que preza o profissionalismo nas suas mais diversas áreas.
Porém, a resposta à corrupção não é centralismo. Tudo o que o centralismo faz é tornar a corrupção nacional. A partir do momento em que há estruturas estatais centrais, as pessoas mais corruptas vão fazer tudo para controlar essas estruturas; pessoas que jamais teriam interessem em participar numa associação profissional voluntária e livre que pugnasse pela excelência do ensino da sua própria área, lutam ferozmente para ter poder junto do Ministério. A ilusão de quem defende o centralismo para combater a corrupção e o compadrio é pensar que, pelo facto de as estruturas e decisões serem nacionais e estatais, não serão corruptas. Mas isto é delirar: se a mentalidade nacional é profundamente corrupta, não deixa de o ser quando se torna estatal, central e nacional.
Aproveito para fazer alguns esclarecimentos. Quando, nos finais do séc. XIX, intelectuais como John Stuart Mill começaram a defender ideias como a igualdade das mulheres ou a universalização do ensino, parecia que estavam a delirar. Estavam a sonhar com o nascer do Sol às portas da meia-noite. Acontece que os sonhos aparentemente delirantes deles se tornaram realidade. Eu estou a sonhar alto, sim. Mas o meu sonho não é impossível de ser realizado, e acredito que no futuro as pessoas irão olhar para nós e perguntar-se como era possível viver desta maneira tão centralizada.
Para não parecer que estou completamente delirante, veja-se como os conceitos de exames nacionais e exames centralizados são diferentes. Podemos ter exames nacionais não centralizados. É o que ocorre no Reino Unido: associações de professores dedicam-se a fazer exames nacionais que depois podem ser escolhidos por qualquer escola; mas há diferentes exames para a mesma disciplina, feitos por associações diferentes. Podemos, pois, ter exames nacionais, mas sem controlo estatal e ao mesmo tempo ter diversidade nesses exames.
O debate público português sobre educação (que também é um erro conceptual, estamos de facto a falar de ensino e é de ensino e não de educação que devemos estar a falar) é apenas isto: um grupo de pessoas que pensa de uma maneira a tentar ganhar o poder para impor aos outros o que eles consideram correcto, e outro grupo de pessoas que pensam de maneira diferente e que por contingências históricas têm o poder político do seu lado — o eduquês — a insistir em impor aos primeiros o seu modelo de ensino. Este debate é ridículo porque, se libertarmos o ensino, cada professor poderá ensinar como considerar que é melhor. E em vez de perdermos tempo em debates estéreis porque não são realmente debates mas antes lutas de galos para ver quem ganha o poder, dedicamo-nos antes a apoiar as escolas e os professores que adoptarem os nossos materiais escolares, os nossos modelos de avaliação e de ensino, as nossas bibliografias. Faremos todos um trabalho construtivo, cada qual à sua maneira.
E, sim, Sara, é verdade: grande parte dos professores são corruptos e não vão realmente fazer um trabalho construtivo honesto; vão apenas fazer o que dá menos trabalho, porque não têm qualquer compromisso com a qualidade do seu próprio ensino. Eu e tu ficamos horrorizados com essa falta de profissionalismo, mas a alternativa, Sara, é muito pior: consiste em prolongares a guerra em que estamos porque lhes queres impor rigor, estudo, dedicação, profissionalismo, e eles vão responder com todo o poderio político que têm do seu lado e que continuarão a ter do seu lado (afinal, os políticos não são também pessoas particularmente profissionais e comprometidas com o seu trabalho).
A este estado de guerra eu respondo com a pacificação da sociedade portuguesa, admitindo a diversidade de pontos de vista no que respeita à educação, e garantindo a liberdade inalienável de cada professor ensinar como quiser. Um professor deve responder exclusivamente perante os seus alunos, no caso de estes serem maiores, ou aos seus alunos e aos seus pais, no caso de serem menores. Imaginar que o estado vai defender os interesses de uns e de outro é delirar; o estado vai defender exclusivamente os interesses dos burocratas e dos políticos que controlam o estado. Nada mais.
A primeira objecção da Sara
A professora Sara Raposo — uma das muitas professoras de filosofia que é exemplo de dedicação, profissionalismo e genuíno interesse pela filosofia — levantou duas objecções centrais à minha ideia de que o ensino deveria ser totalmente livre, objecções que merecem a nossa melhor atenção. Esta é a minha resposta à primeira delas.
Os responsáveis indigitados pelo Ministério da Educação para fazer programas, directrizes e exames nunca dão a cara publicamente; se dessem, defende a Sara, as coisas seriam melhores. E se as coisas fossem melhores, a minha solução radical de acabar com os exames nacionais e com o centralismo estatal perderia uma parte importante da sua motivação.
Esta ideia tem alguma plausibilidade; e muitos de nós concordaríamos que um debate público participado e civilizado sobre os mais diversos aspectos do nosso trabalho — ensinar filosofia — teria alguma probabilidade de melhorar as coisas. E se isso acontecesse, poderíamos então ter programas, directrizes e exames nacionais que todos pudéssemos aceitar, por mais que tenhamos concepções diferentes do que é a filosofia e de como deve ser o seu ensino.
Porém, há dois aspectos que derrotam este argumento.
Em primeiro lugar, nunca haverá da parte dos responsáveis ministeriais qualquer disponibilidade para discutir publicamente e de modo genuíno e civilizado ideias opostas. A capacidade para admitir a diferença radical num debate aberto e honesto é uma conquista de uma mentalidade civilizada que não existe no país; os professores só são capazes de fingir que discutem ideias quando toda a gente concorda quanto ao fundamental. Quando há diferenças profundas — precisamente quando o debate honesto é mais necessário — as pessoas abandonam a simulação do debate civilizado e passam para os jogos de poder, a esperteza saloia e a tentativa de silenciar e eliminar quem pensa de maneira muito diferente. Em Portugal não há tradições de debate académico; as pessoas não sabem fazer isso. Tudo o que conhecem é uma simulação de debate académico, quando todos concordam e quando de qualquer modo se estão nas tintas para o que estão debatendo porque são matérias abstractas e académicas que não lhes dizem realmente respeito, pessoalmente; quando se tenta debater matérias que as pessoas consideram que realmente lhes dizem respeito e quando nesse debate há posições muitíssimo diferentes das deles, o único modelo nacional de debate é o pseudodebate político, cheio de retórica, seduções linguísticas, jogos de poder, desonestidade intelectual e pessoal. Desculpa, Sara. Nós ensinamos os alunos a debater de maneira intelectualmente proba, mas a generalidade dos nossos colegas não só não sabem como tal coisa se faz, como não estão minimamente interessados em fazê-lo. Na verdade, muitos deles nem conhecem a palavra “proba”.
Em segundo lugar, imaginemos que havia mesmo um debate honesto e uma tentativa de chegar a directrizes, programas e exames nos quais todos os profissionais da área se reconhecessem. Essa tentativa seria gorada, mesmo que fosse honestamente feita. Aquando da elaboração das primeiras Orientações para a leccionação dos programas, face à iminência dos novos exames nacionais de filosofia, alguns dos responsáveis que presidiram à sua elaboração vieram depois contestá-las, como se não tivessem participado delas. Fizeram-no porque são desonestos e não aceitam as regras democráticas da tomada de decisão. Para quem, como eu e outros colegas, esteve nessas reuniões, a dose de paciência necessária para aceitar as sugestões dos colegas era gigantesca, pois quase nada do que diziam tinha a mínima relação com qualquer bibliografia académica. A concepção que estas pessoas têm da filosofia é uma conversa fiada supostamente edificante — cultura geral pouco culta — e é isso que querem nos exames, programas e directrizes. Querem-no tanto porque genuinamente é isso que pensam que a filosofia é, e também porque essa concepção de filosofia tem a vantagem, para essas pessoas significativa, de nos poupar o trabalho de estudar bibliografias complexas, sofisticadas e que exigem esforço e dedicação. De modo que o mínimo denominador comum que seria de esperar que todos os professores de filosofia aceitassem — os clássicos, como Platão, Aristóteles, Agostinho, Anselmo, Tomás, Ockham, Buridano, Descartes, Locke, Hume, Kant, etc. — nunca serão aceites por uma parte significativa dos nossos colegas, porque desprezam a história da filosofia, não gostam das complexidades abstractas do pensamento dos grandes clássicos, e preferem qualquer coisa que seja mais ou menos parecida a ler o Público todos os dias (o grau máximo de sofisticação intelectual para muitos professores). Desculpa, Sara, mas o tipo de sofisticação intelectual que ensinas os teus alunos a cultivar e a prezar está ausente da maior parte dos nossos colegas, e é contra isso que eles se rebelam, e é por isso que nunca será possível encontrar um denominador comum no qual todos nos possamos rever.
A minha conclusão é que quando as diferenças de concepções são gritantes entre os profissionais de uma área, e dado que eu defendo o direito de os nossos colegas terem as concepções que muito bem entenderem da filosofia e do seu ensino (coisa que, curiosamente, eles não fazem relativamente a mim), não há sequer a possibilidade de um mínimo denominador comum. Tudo o que podemos fazer é criar condições para que todos os professores se reconheçam no sistema que temos e se sintam bem, quer queiram ensinar numerologia e astrologia (como há alguns casos), quer queiram fazer da filosofia um comentário vago do quotidiano sociopolítico, quer queiram doutrinar os jovens para serem religiosos, quer queiram dar-lhes a autonomia para saber pensar filosoficamente por si mesmos, como tu e eu.
Repara que eu acredito genuinamente que quem não concebe a filosofia como teorização e argumentação intensa e rigorosa sobre problemas reais insusceptíveis de resolução científica, e quem não pensa que ensinar filosofia é ensinar a teorizar e argumentar com autonomia, criatividade e precisão sobre problemas filosóficos, está histórica e objectivamente errado. Historicamente errado porque o género de teorização e argumentação intensa que defendo que está no âmago da filosofia se encontra realmente nos mais reconhecidos clássicos da filosofia; e objectivamente errado porque tal concepção de filosofia e do seu ensino não está de modo algum alinhada com o que se faz nos mais importantes centros académicos do mundo nem com a bibliografia publicada nas mais importantes editoras académicas do mundo. Só que as pessoas têm o direito de estar erradas, e têm o direito de agir, como profissionais encartados pelo estado, segundo as suas crenças erradas. Não vejo o que me poderia dar a mim a legitimidade para chegar ao pé de um colega que tem as mesmas qualificações estatais que eu — ou mais — e impedi-lo de ensinar filosofia como ele muito bem entende, só porque o que ele entende não está alinhado com a bibliografia da área nem com as práticas académicas relevantes.
Se eu tiver de escolher entre impor as minhas concepções aos meus colegas e defender o direito de eles porem em prática as suas concepções — que eu considero profundamente erradas e até pueris — o meu amor pela liberdade e o meu respeito pela autonomia dos outros, em particular dos colegas, obriga-me a nem sequer hesitar e a defender a liberdade e o direito à diferença.
Os responsáveis indigitados pelo Ministério da Educação para fazer programas, directrizes e exames nunca dão a cara publicamente; se dessem, defende a Sara, as coisas seriam melhores. E se as coisas fossem melhores, a minha solução radical de acabar com os exames nacionais e com o centralismo estatal perderia uma parte importante da sua motivação.
Esta ideia tem alguma plausibilidade; e muitos de nós concordaríamos que um debate público participado e civilizado sobre os mais diversos aspectos do nosso trabalho — ensinar filosofia — teria alguma probabilidade de melhorar as coisas. E se isso acontecesse, poderíamos então ter programas, directrizes e exames nacionais que todos pudéssemos aceitar, por mais que tenhamos concepções diferentes do que é a filosofia e de como deve ser o seu ensino.
Porém, há dois aspectos que derrotam este argumento.
Em primeiro lugar, nunca haverá da parte dos responsáveis ministeriais qualquer disponibilidade para discutir publicamente e de modo genuíno e civilizado ideias opostas. A capacidade para admitir a diferença radical num debate aberto e honesto é uma conquista de uma mentalidade civilizada que não existe no país; os professores só são capazes de fingir que discutem ideias quando toda a gente concorda quanto ao fundamental. Quando há diferenças profundas — precisamente quando o debate honesto é mais necessário — as pessoas abandonam a simulação do debate civilizado e passam para os jogos de poder, a esperteza saloia e a tentativa de silenciar e eliminar quem pensa de maneira muito diferente. Em Portugal não há tradições de debate académico; as pessoas não sabem fazer isso. Tudo o que conhecem é uma simulação de debate académico, quando todos concordam e quando de qualquer modo se estão nas tintas para o que estão debatendo porque são matérias abstractas e académicas que não lhes dizem realmente respeito, pessoalmente; quando se tenta debater matérias que as pessoas consideram que realmente lhes dizem respeito e quando nesse debate há posições muitíssimo diferentes das deles, o único modelo nacional de debate é o pseudodebate político, cheio de retórica, seduções linguísticas, jogos de poder, desonestidade intelectual e pessoal. Desculpa, Sara. Nós ensinamos os alunos a debater de maneira intelectualmente proba, mas a generalidade dos nossos colegas não só não sabem como tal coisa se faz, como não estão minimamente interessados em fazê-lo. Na verdade, muitos deles nem conhecem a palavra “proba”.
Em segundo lugar, imaginemos que havia mesmo um debate honesto e uma tentativa de chegar a directrizes, programas e exames nos quais todos os profissionais da área se reconhecessem. Essa tentativa seria gorada, mesmo que fosse honestamente feita. Aquando da elaboração das primeiras Orientações para a leccionação dos programas, face à iminência dos novos exames nacionais de filosofia, alguns dos responsáveis que presidiram à sua elaboração vieram depois contestá-las, como se não tivessem participado delas. Fizeram-no porque são desonestos e não aceitam as regras democráticas da tomada de decisão. Para quem, como eu e outros colegas, esteve nessas reuniões, a dose de paciência necessária para aceitar as sugestões dos colegas era gigantesca, pois quase nada do que diziam tinha a mínima relação com qualquer bibliografia académica. A concepção que estas pessoas têm da filosofia é uma conversa fiada supostamente edificante — cultura geral pouco culta — e é isso que querem nos exames, programas e directrizes. Querem-no tanto porque genuinamente é isso que pensam que a filosofia é, e também porque essa concepção de filosofia tem a vantagem, para essas pessoas significativa, de nos poupar o trabalho de estudar bibliografias complexas, sofisticadas e que exigem esforço e dedicação. De modo que o mínimo denominador comum que seria de esperar que todos os professores de filosofia aceitassem — os clássicos, como Platão, Aristóteles, Agostinho, Anselmo, Tomás, Ockham, Buridano, Descartes, Locke, Hume, Kant, etc. — nunca serão aceites por uma parte significativa dos nossos colegas, porque desprezam a história da filosofia, não gostam das complexidades abstractas do pensamento dos grandes clássicos, e preferem qualquer coisa que seja mais ou menos parecida a ler o Público todos os dias (o grau máximo de sofisticação intelectual para muitos professores). Desculpa, Sara, mas o tipo de sofisticação intelectual que ensinas os teus alunos a cultivar e a prezar está ausente da maior parte dos nossos colegas, e é contra isso que eles se rebelam, e é por isso que nunca será possível encontrar um denominador comum no qual todos nos possamos rever.
A minha conclusão é que quando as diferenças de concepções são gritantes entre os profissionais de uma área, e dado que eu defendo o direito de os nossos colegas terem as concepções que muito bem entenderem da filosofia e do seu ensino (coisa que, curiosamente, eles não fazem relativamente a mim), não há sequer a possibilidade de um mínimo denominador comum. Tudo o que podemos fazer é criar condições para que todos os professores se reconheçam no sistema que temos e se sintam bem, quer queiram ensinar numerologia e astrologia (como há alguns casos), quer queiram fazer da filosofia um comentário vago do quotidiano sociopolítico, quer queiram doutrinar os jovens para serem religiosos, quer queiram dar-lhes a autonomia para saber pensar filosoficamente por si mesmos, como tu e eu.
Repara que eu acredito genuinamente que quem não concebe a filosofia como teorização e argumentação intensa e rigorosa sobre problemas reais insusceptíveis de resolução científica, e quem não pensa que ensinar filosofia é ensinar a teorizar e argumentar com autonomia, criatividade e precisão sobre problemas filosóficos, está histórica e objectivamente errado. Historicamente errado porque o género de teorização e argumentação intensa que defendo que está no âmago da filosofia se encontra realmente nos mais reconhecidos clássicos da filosofia; e objectivamente errado porque tal concepção de filosofia e do seu ensino não está de modo algum alinhada com o que se faz nos mais importantes centros académicos do mundo nem com a bibliografia publicada nas mais importantes editoras académicas do mundo. Só que as pessoas têm o direito de estar erradas, e têm o direito de agir, como profissionais encartados pelo estado, segundo as suas crenças erradas. Não vejo o que me poderia dar a mim a legitimidade para chegar ao pé de um colega que tem as mesmas qualificações estatais que eu — ou mais — e impedi-lo de ensinar filosofia como ele muito bem entende, só porque o que ele entende não está alinhado com a bibliografia da área nem com as práticas académicas relevantes.
Se eu tiver de escolher entre impor as minhas concepções aos meus colegas e defender o direito de eles porem em prática as suas concepções — que eu considero profundamente erradas e até pueris — o meu amor pela liberdade e o meu respeito pela autonomia dos outros, em particular dos colegas, obriga-me a nem sequer hesitar e a defender a liberdade e o direito à diferença.
CIÊNCIA PARA TODOS
Entrevista que dei à revista do Montepio (o número mais recente transmite parte destas declarações):
- Entende que, de alguma forma o ensino em Portugal estimula o interesse dos alunos, sobretudo das crianças mais pequenas, para a ciência? E porquê?
O ensino em Portugal, infelizmente, não estimula suficientemente o interesse dos alunos pela ciência, em especial os mais jovens. Esta é uma das grandes mudanças que é preciso fazer: introduzir mais experimentação no jardim de infância e no primeiro ciclo do ensino básico. É pelas próprias mãos que as crianças, que nascem curiosas, podem e devem ganhar uma primeira ideia da ciência na chamada "idade dos porquês".
Há questões que podemos colocar à Natureza e ela responde-nos. Por exemplo, uma batata e uma maçã mergulhadas em água comportam-se de maneira diferente: uma afunda e outra flutua. Escrevi com colegas alguns livros da série "Ciência Brincar" (a colecção da Bizâncio já tem dez títulos) e esses livros mostram que se pode aprender ciência usando materiais comuns e procedimentos simples. A ciência a sério começa com a ciência a brincar, pois a maior parte destas experiências infantis podem ser vistas como brincadeiras. A propósito: um dos autores desses livros, o "Descobre o Céu" é o ministro Nuno Crato, o que mostra que ao mais alto nível do governo há interesse na promoção da ciência infantil. Além destes livros mais infantis, há também os livros da Gradiva que têm motivado muitos jovens.
- Como se compara Portugal com os outros países da Europa, com os EUA e com países como a China e India nesta temática? Onde é que este estímulo é maior?
Não há muitas comparações internacionais sobre o ensino das ciências. Mas há as comparações do PISA, que são testes internacionais da OCDE, em literacia, numeracia e na chamada literacia científica feitas a jovens de 15 anos. Temos em literacia científica, tal como nos outros testes, ficado perto dos últimos lugares, enquanto países como a Coreia do Sul e a Finlândia ficam no topo. Os últimos testes PISA foram um pouco melhores, mas estas comparações deveriam desafiar-nos a agir. Claro que não há nenhum defeito nos cérebros dos jovens portugueses (era só que faltava!), temos é um problema na escola e também obviamente na cultura.
- O que deveria mudar no ensino da ciência em Portugal? O que acha dos actuais programas e métodos?
Para haver mais ciência experimental nas escolas, era preciso não só que houvesse modificações curriculares (programas, carga horária, etc.) mas também que houvesse uma forte aposta na formação dos professores e educadores. Muitos deles não tratam a ciência por tu, porque nunca foram devidamente apresentados a ela. Compreende-se que, se não a conhecem bem, não a podem transmitir bem. Há, em muitos casos, um receio perfeitamente infundado da ciência. A matemática, por exemplo, é indevidamente vista como um papão, quando ela é a linguagem natural da Natureza.
- Como é que locais de partilha de conhecimento científico, como o Pavilhão do Conhecimento, Centros de Ciência Viva, e ouros congéneres europeus, como a Cittá della Scienza, Exploradôme, ou o Experimentarium contribuem para uma melhor educação científica das crianças e jovens? Acha que realmente cumprem o seu objectivo?
São locais muito necessários e úteis, mas que não podem substituir a escola, que é imprescindível. O ensino informal é relevante, mas não pode substituir o ensino formal. A criação da rede de Centros Ciência Viva é uma das coisas boas que aconteceu em Portugal e tem cumprido o seu objectivo de aproximar o público jovem da ciência. Na Universidade de Coimbra, dirijo um dos Centros dessa rede, o Centro Rómulo de Carvalho, que é um moderno centro de recursos para ajudar todos os que se interessam pela ciência. Oxalá possam esses Centros assim como o programa Ciência Viva em geral, que inclui por exemplo actividades de verão ao ar livre, continuar a motivar as crianças e jovens, mostrando que a ciência não é nenhum bicho de sete cabeças. Mas a escola tem de desempenhar o seu papel, transmitindo os ensinamentos e as atitudes da ciência de uma maneira mais sistemática e estruturada.
Convidar e obrigar: uma diferença importante
Há uma diferença importante que o pensamento totalitarista, mesmo entre quem não se reconhece como totalitarista, sistematicamente ignora. Falei disso no meu livro Filosofia em Directo, mas vale a pena voltar a sublinhá-la. Há uma grande diferença entre divulgar, estimular, promover e permitir que se conheça algo e obrigar as pessoas que o não querem a preferi-lo. Por exemplo, é meritório divulgar e dar a conhecer a ciência, como felizmente hoje o fazem tantos cientistas, portugueses e estrangeiros, em livros de divulgação e na Internet. Mas há uma grande diferença entre isso e obrigar as pessoas a comprar livros de ciência ou a estudar ciência ou a gostar de ciência. Se depois de termos feito o nosso trabalho de estimular as pessoas a gostar do que consideramos que é de valor, muitas pessoas, até mesmo a maioria, continuam a preferir outras coisas que consideramos frívolas e desprezíveis, é imperativo respeitar as suas escolhas. E é imperativo resistir à tentação de usar o poder do estado para impor aos outros aquilo que eles não valorizam.
Esta diferença deveria ser óbvia, mas não é. Daí que tantas pessoas fiquem convencidas de que, se eu tivesse o poder político, obrigaria toda a gente a estudar filosofia, e a estudar filosofia do modo peculiar que defendo e pratico. Mas eu jamais faria tal coisa. E não o faria porque respeito antes de tudo a própria liberdade e autonomia das pessoas; respeito as suas escolhas. E não caio na falácia de afirmar que quando as escolhas das pessoas não são aquilo que eu preferiria que fossem, não são escolhas genuínas. Parece-me um pouco excessivo, ou pelo menos uma coincidência estranha, que as escolhas dos outros só possam ser genuínas se coincidirem com as minhas.
Muitos intelectuais sofrem da ilusão de que só vale a pena viver a vida se as pessoas as viverem mais ou menos como eles mesmos as vivem. Isto é uma enorme falta de lucidez e de imaginação. Quem pensa deste modo é provinciano; ignora as muitas maneiras diferentes como as pessoas podem ter vidas compensadoras e estimulantes para elas. Além disso, revela falta de observação do mundo à sua volta -- o que, num intelectual, é curioso. Há 100 anos, muitas pessoas havia que não tinham pura e simplesmente acesso à cultura; nessa época, era razoável pensar que só por isso é que não se interessavam pela cultura. Mas hoje isto é falso na Europa, nos EUA e em países com níveis de vida muitíssimo elevados. Nestes países, as pessoas preferem futebol ou Rock'n'Roll ou cinema-espectáculo ou iPhones a ler filosofia ou ciência, e não é por falta de condições económicas que escolhem uma coisa em vez de outra. Na verdade hoje em dia dá-se o oposto: quem se interessa pela cultura precisa de menos dinheiro para viver do que quem se interessa principalmente pelas outras coisas. Contudo, muitos intelectuais continuam a clamar que só porque há uma conspiração capitalista é que as pessoas não são todas iguais a eles mesmos. Deveria ser óbvio que isto é um disparate.
Mas estas ideias não são apenas disparates de intelectuais com preconceitos contra os estilos de vida de que não gostam e que não compreendem. Estas ideias, algo fascistas e totalitaristas, são politicamente muitíssimo perigosas porque revelam uma maneira de pensar profundamente antidemocrática e contrária à liberdade. A maneira correcta de pensar em termos políticos, em termos da sociedade que em que estamos inseridos, é começar por reconhecer o direito inalienável de cada qual a ter as opiniões e gostos e estilos de vida que quiser. Se queremos conceber uma sociedade melhor, o esforço terá de ser no sentido de garantir que as pessoas com os mais diversos estilos de vida não se sintam discriminadas, sintam que têm o direito de viver precisamente como querem -- desde que não prejudiquem directamente e de modo inequívoco outras pessoas. Não demos sequer um passo na tentativa de conceber uma sociedade melhor ou na resolução dos nossos problemas sociais e políticos, quando começamos pelo ponto de partida errado. E esse ponto de partida errado é por onde tantos intelectuais começam: "as pessoas deviam ser todas como eu". A questão é que o não são; e mesmo que até fosse boa ideia que o fossem, o que temos a fazer, para podermos pensar com clareza sobre os nossos problemas políticos e sociais, é começar por reconhecer que as pessoas são muitíssimo diferentes umas das outras e que uma vida que para uma é estimulante e compensadora e fonte de realização, para outra é um enfado medonho. Se para os intelectuais se sentirem bem na sociedade isso implica que muitos milhões de pessoa terão de se sentir mal porque serão obrigadas, contra a sua vontade, a ler com enfado Thomas Mann todos os dias e a morrer de tédio ouvindo operetas, então mais vale que os intelectuais se sintam um bocadinho mal com a nossa sociedade. Se é errado obrigar-me a assistir a um jogo de futebol com 20 mil outras pessoas, o que para mim seria uma tortura mortal, é igualmente errado obrigar um fanático do futebol a ler um livro meu, se ele não o quiser ler.
A boa notícia é que os intelectuais não têm de se sentir mal. Nunca houve tanto dinheiro para a cultura, a ciência e o ensino como hoje em dia. Nunca foi tão fácil, a quem o quiser, tornar-se intelectual ou cientista ou filósofo. Os intelectuais gozam de uma liberdade e de condições de vida que os nossos antepassados não podiam nem sonhar. Não vejo razão para ficar tão aporrinhado com a sociedade contemporânea. Se a generalidade das pessoas prefere futebol e cerveja a filosofia e matemática, têm todo o direito a essa preferência. O que conta é haver muitas pessoas que prezam a filosofia, a matemática e os outros bens culturais.
Esta diferença deveria ser óbvia, mas não é. Daí que tantas pessoas fiquem convencidas de que, se eu tivesse o poder político, obrigaria toda a gente a estudar filosofia, e a estudar filosofia do modo peculiar que defendo e pratico. Mas eu jamais faria tal coisa. E não o faria porque respeito antes de tudo a própria liberdade e autonomia das pessoas; respeito as suas escolhas. E não caio na falácia de afirmar que quando as escolhas das pessoas não são aquilo que eu preferiria que fossem, não são escolhas genuínas. Parece-me um pouco excessivo, ou pelo menos uma coincidência estranha, que as escolhas dos outros só possam ser genuínas se coincidirem com as minhas.
Muitos intelectuais sofrem da ilusão de que só vale a pena viver a vida se as pessoas as viverem mais ou menos como eles mesmos as vivem. Isto é uma enorme falta de lucidez e de imaginação. Quem pensa deste modo é provinciano; ignora as muitas maneiras diferentes como as pessoas podem ter vidas compensadoras e estimulantes para elas. Além disso, revela falta de observação do mundo à sua volta -- o que, num intelectual, é curioso. Há 100 anos, muitas pessoas havia que não tinham pura e simplesmente acesso à cultura; nessa época, era razoável pensar que só por isso é que não se interessavam pela cultura. Mas hoje isto é falso na Europa, nos EUA e em países com níveis de vida muitíssimo elevados. Nestes países, as pessoas preferem futebol ou Rock'n'Roll ou cinema-espectáculo ou iPhones a ler filosofia ou ciência, e não é por falta de condições económicas que escolhem uma coisa em vez de outra. Na verdade hoje em dia dá-se o oposto: quem se interessa pela cultura precisa de menos dinheiro para viver do que quem se interessa principalmente pelas outras coisas. Contudo, muitos intelectuais continuam a clamar que só porque há uma conspiração capitalista é que as pessoas não são todas iguais a eles mesmos. Deveria ser óbvio que isto é um disparate.
Mas estas ideias não são apenas disparates de intelectuais com preconceitos contra os estilos de vida de que não gostam e que não compreendem. Estas ideias, algo fascistas e totalitaristas, são politicamente muitíssimo perigosas porque revelam uma maneira de pensar profundamente antidemocrática e contrária à liberdade. A maneira correcta de pensar em termos políticos, em termos da sociedade que em que estamos inseridos, é começar por reconhecer o direito inalienável de cada qual a ter as opiniões e gostos e estilos de vida que quiser. Se queremos conceber uma sociedade melhor, o esforço terá de ser no sentido de garantir que as pessoas com os mais diversos estilos de vida não se sintam discriminadas, sintam que têm o direito de viver precisamente como querem -- desde que não prejudiquem directamente e de modo inequívoco outras pessoas. Não demos sequer um passo na tentativa de conceber uma sociedade melhor ou na resolução dos nossos problemas sociais e políticos, quando começamos pelo ponto de partida errado. E esse ponto de partida errado é por onde tantos intelectuais começam: "as pessoas deviam ser todas como eu". A questão é que o não são; e mesmo que até fosse boa ideia que o fossem, o que temos a fazer, para podermos pensar com clareza sobre os nossos problemas políticos e sociais, é começar por reconhecer que as pessoas são muitíssimo diferentes umas das outras e que uma vida que para uma é estimulante e compensadora e fonte de realização, para outra é um enfado medonho. Se para os intelectuais se sentirem bem na sociedade isso implica que muitos milhões de pessoa terão de se sentir mal porque serão obrigadas, contra a sua vontade, a ler com enfado Thomas Mann todos os dias e a morrer de tédio ouvindo operetas, então mais vale que os intelectuais se sintam um bocadinho mal com a nossa sociedade. Se é errado obrigar-me a assistir a um jogo de futebol com 20 mil outras pessoas, o que para mim seria uma tortura mortal, é igualmente errado obrigar um fanático do futebol a ler um livro meu, se ele não o quiser ler.
A boa notícia é que os intelectuais não têm de se sentir mal. Nunca houve tanto dinheiro para a cultura, a ciência e o ensino como hoje em dia. Nunca foi tão fácil, a quem o quiser, tornar-se intelectual ou cientista ou filósofo. Os intelectuais gozam de uma liberdade e de condições de vida que os nossos antepassados não podiam nem sonhar. Não vejo razão para ficar tão aporrinhado com a sociedade contemporânea. Se a generalidade das pessoas prefere futebol e cerveja a filosofia e matemática, têm todo o direito a essa preferência. O que conta é haver muitas pessoas que prezam a filosofia, a matemática e os outros bens culturais.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Ao Correr da Pena: Ordens Profissionais
“As ordens devem
estar na primeira linha dos que resolvem ficar para ultrapassar a crise, usando
com imaginação e vontade as regras da arte” ( Adriano Moreira).
Um comentário de José Batista da Ascenção sobre a
Ordem dos Biólogos, insito no post “Ensino
e Liberdade” (24/04/2012), de Desidério Murcho, que transcreverei lá mais para
diante, não podia deixar de despertar a
minha atenção pela responsabilidade por mim assumida em me fazer defensor da
criação de Ordem dos Professores com fundamento em razões como evitar que o Estado atribua um papel menor à
docência como se tratasse de uma
profissão (ou melhor, infelizmente, mero
exercício profissional!) que não se pode responsabilizar pela qualidade dos
actos profissionais prestados à sociedade educativa pelos seus actores, como consubstancia a legislação que respeita a
esta forma de organização profissional de direito público. Isto é, que os poderes públicos continuem,
como até aqui, a arrogar-se senhores de uma sufocante tutela sobre eles e
os sindicatos tudo tentem para usurpar um papel que a Constituição lhes não
consente por ser da atribuição de ordens profissionais.
No “Fórum Pensar a
Educação/Outubro de 97”, promovido pelo Sindicato Nacional dos Professores
Licenciados, sobre a oposição pública de
forças sindicais à criação de um Ordem dos Professores, não pude de deixar de
formular a minha crítica a este statu quo da forma seguinte: “Mas, para mal
dos seus pecados, as suas posições passadas, por de mais evidentes e
divulgadas, não lhes devem consentir, agora, a desculpa de mau pagador. Assim, terão
eles que arcar com o remorso de tentar fazer passar a imagem da actual docência
como que a modos de uma profissão de escravo grego aos serviço dos filhos dos
senhores de Roma, expiando a sua ignorância, ou a sua má-fé, em acto de contrição
pública”.
Mas indo ao cerne da
questão sobre a Ordem dos Biólogos, confesso que, na altura, a sua criação me levantou algumas perplexidades.
Aliás, como levanta a José Batista da Ascenção, algumas interrogações a criação
da Ordem dos Professores: “Fazer uma Ordem dos Professores? Talvez. Devemos até
tentar. Mas não sou muito otimista, confesso. Por um lado, conheço bem a
diversidade dos professores. Veja-se quantos sindicatos se formaram e o que
ganhámos com isso…Por outro lado, já pertenci a uma ordem, que supus pudesse
ser útil aos professores de biologia e que foi completamente ineficaz, para não
dizer pior, na defesa do ensino daquela disciplina. Com grande pena minha”.
Desde a sua criação, tenho-me
interrogado sobre a abrangência da Ordem dos Biólogos numa acção dual sobre o exercício profissional de biólogos
propriamente ditos e professores de Biologia. Desde logo, confesso, me pareceu que a acção
do exercício docente desta matéria só poderia ter efectividade através de uma
Ordem dos Professores. Aliás, a experiência
pessoal do subscritor do referido e oportuno comentário, na sua condição de professor de Biologia, confirma, segundo me atrevo a pensar, que a
Ordem dos Biólogos só tem papel na qualidade exigida aos cursos universitários
que formam biólogos e na sua correspondente actividade profissional não tendo,
como é óbvio, possibilidades para
intervir, por exemplo, nos programas curriculares do ensino secundário e outras actividades correlacionadas.
Ou seja, “a César o que é de César”!
Mas, no meio disto tudo, o que mais me
impressiona é o facto de os que estão a favor ou contra a criação de uma Ordem
dos Professores se remeterem a um silêncio que em nada ajuda a clarificar situações. Parafraseando o título da obra de
Edward Albee: Quem tem medo da Ordem dos Professores?
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