sábado, 3 de abril de 2010
Galileu e o seu tempo
Novo post sobre história da ciência recebido de António Mota de Aguiar:
Galileu é um personagem central na história da cultura europeia: no campo da Religião e da Filosofia teve um papel peculiar. É ele a figura central do século XVII, pela posição que assumiu, pela oposição que manifestou ao iníquo e degradante sistema inquisitorial da Igreja católica do seu tempo. Como tinha um elevado talento literário, difundiu as suas ideias em língua vulgar – em italiano – tendo tocado um amplo público. A sua posição firme no campo da ciência fez dele o símbolo da afirmação da autonomia da Ciência perante a religião totalitária toda poderosa de então. Galileu foi um autêntico humanista; no tempo em que lhe calhou viver, ciência, filosofia, religião, arte e literatura não eram, como hoje, domínios restritos do saber; naquele tempo a concepção do saber humano era global. Foi, sem dúvida, Galileu que, estabelecendo as bases da ciência moderna, iria começar a introduzir a separação das diferentes disciplinas do saber. Com o decorrer dos tempos, acentuar-se-ia assim a complexidade crescente das investigações, impossibilitando a um só individuo dominar o todo. Galileu foi a figura desta transição, do humanista amador polivalente para o profissional monovalente. Foi ele que provocou a ruptura na unidade do saber, foi ele sobretudo que rompeu a unidade da Ciência e da Fé, proclamando desta maneira a autonomia da Ciência.
Pela posição que ele assumiu, a Igreja “tinha” que condenar Galileu. Porém, para o fazer, tinha previamente de condenar o mentor principal da agitação, quem tinha motivado toda aquela sublevação. As ideias de Nicolau Copérnico foram por isso postumamente condenadas em 1616, “todos os livros ensinando a mesma doutrina” do heliocentrismo são interditos e inscritos no Índice dos livros proibidos. Galileu ainda tentou em Roma evitar que
“a Igreja faça um disparate ao condenar uma verdade científica cuja autenticidade se imporá de qualquer maneira, mais cedo ou mais tarde (...)”
mas não conseguiu. Tratava-se de uma mudança epistemológica e a Igreja não sabia como homologar esta situação.
Para o Cristianismo, o copernicanismo vinha sublevar a crença religiosa. Se, por exemplo, a Terra fosse simplesmente um dos seis planetas, como seriam interpretadas as histórias da Queda e da Salvação? Que fazer com a bondade de Deus se houvesse outros planetas habitados? E se houvesse homens noutros planetas, que relação tinham com Adão e Eva e, sobretudo, que relação tinham com o pecado original?
Por fim, em 1633, Galileu foi também condenado. Num processo que chamaria burlesco se não fosse trágico, a Igreja, na sua absurda pretensão de única possuidora da verdade, aplicou ao sábio a prisão domiciliária perpétua. Condenado a viver num isolamento absoluto, Galileu viria a cegar em 1637 e a morrer a 8 de Janeiro de 1642.
Durante todo o século XVII, a Igreja tentou dirigir todos os domínios através da religião: ciência, moral, política e cultura.
Passados mais de trezentos anos o fantasma de Galileu ainda assedia a Igreja. Ainda em 1992, “numa declaração não despida de ambiguidade” segundo nos diz Georges Minois no seu livro “Galileu”, João Paulo II, diante da Academia Pontifical de Ciências, reconhecia que:
(...) a representação geocêntrica do mundo era comumente admitida na cultura do tempo, assim como plenamente concordante com o ensinamento da Bíblia, de que determinadas expressões, tomadas à letra, pareciam constituir afirmações de geocentrismo. O problema que então se punha aos teólogos da época era o da compatibilidade do heliocentrismo e das Escrituras. Assim, a nova ciência, com os seus métodos e a liberdade de investigação que desfrutava, obrigava os teólogos a interrogar-se acerca dos seus próprios critérios de interpretação da Escritura. A maior parte não o soube fazer. Paradoxalmente, Galileu, crente sincero, mostrou-se muito mais perspicaz acerca deste ponto do que os seus adversários teólogos”.
Quando parecia que este caso estava terminado após o discurso papal de 1992, Roma reabriu-o Agosto de 2003. Escrevia “El País” em Setembro desse ano:
“Caso cerrado? Eso parecía tras el discurso papal de 1992, pero Roma acaba de reabrirlo, con ánimo de rectificación y algunas precisiones que parecen desmentir cualquier espíritu de contrición o arrependimento. Lo ha hecho el arzobispo Angelo Amato, secretario de la poderosa Congregación para la Doctrina de la Fe (ex Santo Ofício de la Inquisición) a lo largo del mes de agosto.”
No mesmo artigo lemos que o processo contra Galileu é uma “mentirosa imaginación”:
“(...) la Iglesia católica nunca tuvo miedo a la ciencia (...) Si el imputado Galileo renegó de sus descubrimientos y pidió desculpas después de un penoso proceso fue por temor a ir al inferno, no por miedo.”
António Mota de Aguiar
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7 comentários:
"(...)fue por temor a ir al inferno, no por miedo.”
Eu a pensar que era a mesma coisa...
A ser verdade que Galileu disse a célebre frase "e, no entanto, ela move-se", devo admitir que é das minhas citações preferidas; porque pode haver fundamentalismo, pode haver condenações, conspirações, mentiras e prisões, mas a realidade avançará sempre, independentemente dos poderes dominantes.
"la Iglesia católica nunca tuvo miedo a la ciencia"
Claro que não! tem apenas um medo medonho à ciência nada mais, hoje claramente disfarçado!
Mas nos dias de hoje, salvo poucas excepções, o que é que os padres ou teólogos percebem de ciência, aliás o que é que percebem do mundo que os rodeia? Pararam no tempo e isto se já era flagrante no tempo de Galileu dai o processo então hoje está aos olhos de todos!
Quando uma instituição deixa de ter utilidade deve ser extinta!
Eu digo, mais ciência e menos religião!
O simplismo deste post é patético. Está para a história da ciência como "os átomos são umas bolinhas redondinhas que andam à voltas" está para a Mecânica Quântica. Para quê, de facto, estudar, se o que se propõe como *história* é esta prosa panfletária? Para quê estudar se tudo, afinal, é TÃO SIMPLES ? Que ignorância, que exemplo...
O problema não é o medo que a igreja católica teve ou tem da ciência.
O problema é que as descobertas científicas e tecnológicas não são oportunamente divulgadas para proteger os interesses das indústrias.
Às vezes passam-se 10, 20 anos depois da descoberta de um novo medicamento ou aplicação tecnológica ( que se escondem), para permitir vender mais uns anos os produtos anteriores.
Com os medos das igrejas podemos nós bem
De facto o tema é uma tanto mais complexo... Não é condenável a procura de um significado mais alto aquando da falta de respostas, de explicação para os mais variados fenómenos, do sentido do fluxo colectivo. Isso pode-se justificar com o aparecimentos da religião, do pensamento e das indagações mais diversas. No entanto ja é preocupante, quando após a criação de uma comunidade que partilha os mesmos rituais e ideias religiosas congemina na ocultação ou controlo do saber. É essa a imagem essencial que guardamos da Igreja, a sua procura incessante de fiéis que possam suportar e defender os seus critérios "divinos". Entretanto, tudo falhou desde o inicio. Nada mais parece lógico (e verdadeiro) senão a constante refutação das nossas ideias para provar a sua sustentabilidade no nosso raciocínio e importância no "devir" colectivo. O trabalhar conjunto, numa procura necessária, elevaria os padrões fundamentais numa sociedade deveras enraizada em ideias com argumentos "ad populum". A construção e interligação entre sectores do saber e do espiritual, contínua, não abalaria os alicerces de nenhum deles mas sim fortalecia a união comum em qualquer conjunto de indivíduos responsáveis pelo legado a transmitir.
Tudo é feito de associação de ideias. Assim a frase final de que "fue por temor a ir al inferno, no por miedo", a minha versão é outra o que me obriga a socorrer-me de uma anedota:
Numa aldeia francesa havia 4 homens de igrejas diferentes: judeu, muçulmano, católico, protestante.
Todos os dias à noite juntavam-se para jogar ao king.
Acontece que naquela época o jogo era proibido, o que justificava jogarem clandestinamente, alternadamente na casa de cada um.
Mas chegaram uns zuns-zuns ao posto da polícia com reclamações de, porque é que eles podiam jogar, e a população não.
Chegou o dia em que a polícia farejou a casa do jogo e bateu à porta. Os quatro jogadores apressaram-se a esconder as cartas e abriram a porta.
O polícia pediu autorização para entrar e perguntou a cada um deles se estavam a jogar ao que todos responderam negativamente, mas não satisfeito, levou mais longe a investigação.
Perguntou ao protestante se podia jurar sobre a bíblia que de facto não estava a jogar ao king, jurou depois de pensar que o juramento não era feito para polícias.
Perguntou ao católico se podia jurar sobre a bíblia e jurou depois de ter pensado que não podia deixar mal colocado o colega protestante.
Perguntou ao muçulmano se podia jurar sobre o Alcorão, respondeu que não podia jurar porque o livro sagrado o proibia, resposta que lhe permitia salvaguardar a posição dos outros dois.
Chegado ao judeu, perguntou se jurava sobre o Torá, ao que se negou a fazê-lo, o que levou o polícia a considerá-lo infractor porque, se não jura é porque joga.
Resposta do judeu: - Onde é que o senhor viu alguém a jogar o king sozinho.
Assim Galileu que não tinha temor do inferno nem medo.
Simplesmente não quis comprometer o que Deus tinha feito, além de que ele sozinho não podia ter feito o que fez, sem a ajuda de Deus.
Onde está
Perguntou ao muçulmano se podia jurar sobre o Alcorão, respondeu que não podia jurar porque o livro sagrado o proibia, resposta que lhe permitia salvaguardar a posição dos outros dois.
Deverá ler-se:
Perguntou ao muçulmano se podia jurar sobre o Alcorão, respondeu que não podia jurar porque o livro sagrado o proibia de jogar, resposta que lhe permitia salvaguardar a posição dos outros dois.
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