terça-feira, 20 de abril de 2010

POR UMA CULTURA CIENTÍFICA

Escrito em colaboração com Guilherme Valente, editor da Gradiva e grande lutador por mais e melhor ciência e educação entre nós, este texto, escrito há uns anos, estava inédito. É do tempo antes dos blogues, mas neste tempo deles, a edição que foi preciso fazer foi mínima. O Ministério da Educação, infelizmente, pouco mudou desde então. E o Ministério da Ciência e Tecnologia, felizmente, pouco mudou (tem agora o Ensino Superior).

“A ciência é talvez a única actividade humana em que os erros são sistematicamente criticados e, com o tempo, corrigidos.” (Karl Popper)

A ciência é uma das mais “perigosas” actividades humanas. Porque nos obriga, por vezes, a pôr em causa aquilo em que acreditamos. Porque nos força a admitir os nossos erros. Porque substitui o conhecimento velho por conhecimento novo. A atitude científica tem-se revelado – e não é por acaso - a condição para a modernização e desenvolvimento dos países e povos. Uma boa educação científica é uma condição indispensável para o nosso desenvolvimento, como de resto mostram os exemplos da Irlanda ou de Taiwan. A atitude científica devia, por isso, ser instaurada nos nossos jovens desde as idades mais baixas e, para isso, o papel da escola devia ser central.

A ciência tem, contudo, os seus inimigos. Alguns deles, provavelmente de boa fé, não acreditam no conhecimento objectivo, comprovável pela experiência e partilhável pela comunidade humana por todo o planeta. Não acreditam no reconhecimento do erro. Acham que cada mente descobre por si própria o seu conhecimento e, ao chegar a proposições erradas, está apenas a construir a sua “ciência”, tão boa como outra qualquer. Esta aberração, chamada construtivismo e que rói infelizmente as nossas escolas, é filha dilecta de uma aberração ainda maior, chamada relativismo, cujo lema poderá ser “viva o erro” ou “tanto faz”.

Entre nós o Ministério da Ciência e Tecnologia tem procurado ser o ministério da educação nova, a educação científica, uma vez que há um ministério para a velha. O mais natural teria sido e será que esses ministérios se entrosassem para desempenharem em conjunto a missão crítica (e perigosa para o nosso passado de subdesenvolvimento) da educação científica dos nossos jovens. Podiam até, num país tão pequeno e tão escasso de recursos como o nosso, formar um só ministério com evidente economia de esforços (parece que, quanto mais pequeno e pobre for um país, maior número de ministérios deve ter!. Mas não: desde há muito estão de costas voltadas um para o outro.

O Ministério da Educação não tem assumido iniciativas verdadeiramente decisivas para promover a cultura científica em instâncias como a formação de professores, os programas, os manuais e os exames, limitando-se a remendar e a disfarçar toscamente o que existe. Uma mudança bem orientada no sentido de reforçar a experimentação e o debate crítico das ideias, científicas e outras, iria colocar em causa a essência reprodutiva do nosso sistema educativo. Em vez de uma atitude conformista, de recebimento passivo das “matérias”, encorajar-se-ia a curiosidade e o interesse pelo saber, dar-se-iam pistas e estímulos para a procura da informação, a problematização e o apuramento do erro. Desenvolver-se-ia o espírito crítico e a liberdade de questionar. E recompensar-se-ia, no fim, o esforço e o saber. Claro que não se deve confundir espírito crítico e liberdade de questionar com a bagunçada, a entropia pedagógica, que está no seu oposto e que domina, que mina as nossas escolas. Porque na actual bagunçada só dificilmente se recompensa o mérito: pelo contrário, sentem-se confiantes os que menos aprendem e menos querem aprender. Passa-se de ano no secundário sem se saber o suficiente. As médias nacionais em Física e Matemática do 12.º ano são repetidamente baixas. Entra-se no ensino superior com conhecimentos muito deficientes. Não se percebe como é que tanta gente ainda cultiva um discurso optimista sobre a nossa situação educativa, impedindo que nos olhemos ao espelho com olhos de ver e procuremos superar a nossa realidade, deplorável porque claramente insuficiente no confronto com a de outros países mais evoluídos.

Aprender a pensar, a inquirir e a criar exige um ambiente de ordem e um sentido de responsabilidade. E exige que não haja hesitações a apurar o nível de conhecimentos e a impor critérios de qualidade. A desordem que se instalou é, ao fim e ao cabo, o resultado de um estado de permissividade e laxismo: actuam no Ministério da Educação “lobbys” que têm vindo a pôr em causa o papel de elementos nucleares da escola como os currículos e os exames, “lobbys” esses que até defendem no limite a ideia anti-científica de que não há erros, de que vale tudo. O Ministério da Educação semeou ventos (desvalorizou a avaliação), colhe tempestades (é difícil instalar uma cultura de avaliação!). Algumas pessoas bem intencionadas no topo do aparelho da educação estão obviamente cercadas. Como se espera que tenhamos espírito crítico em vez de sermos conformistas, temos de lhes pedir que, se não conseguirem fazer o que deve ser feito, se não conseguirem criar um clima geral de rigor e responsabilidade, tenham a coragem de explicar à opinião pública o que e quem os impede de fazer. Talvez então descubram que têm mais apoios para mudar o que está mal do que porventura imaginam.

Não há povos mais estúpidos ou mais incapazes do que outros. O que há é história, geografia, política, hábitos e práticas, culturas, que reforçam o velho e mau em vez de promoverem o novo e bom. E há culturas, como a nossa, com traços negativos tão persistentes que até parecem uma segunda natureza. Mas não: são culturas e podem ser mudadas. Podemos mudar a nossa cultura! Ela está de resto a mudar, com a abertura inevitável ao exterior, com a generalização do espírito científico, mas é uma mudança lenta demais por causa das resistências interiores que enfrenta. Precisamos, urgentemente, de uma nova cultura. Necessitamos de dar à mudança, baseada na cultura científica e iniciada na escola, todos os contributos, individuais e colectivos, que pudermos.

Será pouco? Pode ser muito. É tudo. O empenhamento diário de professores, alunos e pais dos alunos, o nosso empenhamento, não deve esmorecer face à amplitude do desastre. Uma história chinesa conta que, quando um terrível incêndio deflagrou numa floresta, alguns passaritos, incansavelmente, voavam para um lago próximo, enchiam o bico e soltavam as gotas de água sobre as chamas devoradoras. Perplexo, um génio do bosque perguntou-lhes: “Não vêem que o vosso esforço é inútil?” Os passaritos responderam-lhe: “Mas que mais podemos nós fazer?”. E não é que acabaram por apagar o fogo...

Guilherme Valente e Carlos Fiolhais

3 comentários:

Anónimo disse...

Primeiro que tudo temos que afastar os pirómanos e incendiários da floresta da educação!

Há que acabar com esses lobys! Livros únicos para a mesma disciplina em todas as escolas já!

Concurso de manuais escolhidos por uma comissão imparcial de cada área científica sem saberem a quem editora pertenciam no momento da escolha!

Expulsão imediata da malta dos pós modernismos, da escola inclusiva, tlebes, ensino centrado no aluno, etc!

Fim imediato dos magalhães e pcs ideias escolas, escolinhas e afins!

Fim imediato das novas oportunidades, rvcc, maiores de 23 anos e criar-se um sistema sério para cada nível de dificuldade e aprendizagem séria com esforço!

Suspensão temporária do ensino obrigatório até ao 12 ano.

Extinção imediata dos agrupamentos no ensino secundário, sendo substituído por um leque de disciplinas obrigatórias: Português, matemática, inglês, física e educação física, as restantes opcionais.

Extinção imediata dos português A e B, matemáticas A e B, histórias e geografias, geometrias descritivas, etc.. e substituição de disciplinas únicas!

Avaliação imediata de todos os docentes valorizando para carreira toda a formação inclusive académica, mestrados, doutoramentos, etc..
Avaliação feita pelos pares da mesma área científica mas não colegas de escola, colegas de outras escolas longínquas de forma anónima.
Reforma compulsiva dos docentes que atingiram os limites de idade ou carreira e lá se andam a arrastar acumulando 5 disciplinas por ano..
Criação de uma ordem ou o que lhe chamarem mas também de um exame de acesso à docência.

Médias dos cursos de ensino superior relacionadas com as necessidades do pais e não do último colocado.

Escolas equipadas com recursos, porque há gente que vai para ciência e nunca mexeu num microscópio antes da universidade!

Valorizar a cultura ciêntifica e técnica, mais horas de física e química nas escolas a par de conhecimentos de mecânicas, informáticas e desenrascanço, extinção e proibição de disciplinas como religião e moral nas escolas públicas!

Purgar as ciências sociais, sobretudo a filosofia e a sociologia!

etc. etc. etc.

Carlos Pires disse...

O texto é perfeitamente actual.
Infelizmente, o fogo que consome a educação portuguesa não vem só do Ministério da Educação e do "eduquês", mas também da própria sociedade. Muitos portugueses acreditam que se pode ir longe na vida sem trabalhar arduamente e não valorizam nem a Escola nem o próprio conhecimento.

Anónimo disse...

"Muitos portugueses acreditam que se pode ir longe na vida sem trabalhar arduamente e não valorizam nem a Escola nem o próprio conhecimento."


Talvez o façam porque é verdade.
A maioria das pessoas com muito dinheiro não o ganharam com o que aprenderam na escola. Isto é factual.

Ter muito dinheiro é ir "longe na vida".

Deixem-se de tretas e acordem para a realidade.

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