segunda-feira, 19 de abril de 2010

A DISTINÇÃO ENTRE CIÊNCIAS E LETRAS

Abel Barros Baptista publica no número de Abril da revista "Ler" um artigo intitulado "Computer says no", em que depois de recontar pela enésima vez uma velha anedota sobre físicos e matemáticos, julga enxergar uma diferença profunda entre o físico António Manuel Baptista e o matemático Jorge Buescu, tomando o partido do primeiro (um dos protagonistas do arremedo de "guerra das ciências" que houve entre nós ganha assim um inesperado adepto). E, a seguir, revela a sua irritação com o segundo, chegando a acusá-lo de ignorante.

Para que se perceba quem é o ignorante aqui transcrevo o início do seu último e longo parágrafo, no qual procura explicar a distinção entre letras e ciências:
"Reconheço que a distinção ou conflito entre ciências e letras é matéria em que não há como evitar a singeleza. Querem ver? Em primeiro lugar, a ciência moderna não podia desenvolver-se sem se desembaraçar da cultura letrada, ou melhor, sem se desembaraçar do tipo de conhecimento que ficou conhecido por "letras" porque todo assente na leitura de livros. Em segundo lugar, a instauração do ensino público, geral e obrigatório, é inseparável da valorização da ciência e solidária desvalorização da cultura letrada, já que a ciência se presume que disponha de mecanismos de validação do conhecimento invulneráveis ao preconceito, à opinião, à religião, à ideologia e aos interesses estabelecidos."
O computador diria que não. Mas também um ser humano minimamente culto que faça uma ideia, ainda que pálida, do que é a ciência também terá de dizer que não. Ou o cronista está a falar a sério e então não sabe do que fala, ou então está a gozar, semeando a confusão à boa maneira pós-moderna.

7 comentários:

Ana disse...

Sabe que é uma mentalidade muito comum entre letrados de Letras, a de que o "pessoal" de ciência não é versado em Letras, nem nunca o será?...

É a ausência de mais comunicadores de ciências que, quiçá, provoca este hiato nas moléculas de alguns... =D

Pedrito disse...

As "pessoas" de letras nao tem uma preocupacao de honestidade basica com o mundo.
Limitam-se a jogar jogos de influencia social para ver quem e que impressiona com o maior patranha ou as citacoes do mais famoso.



Numa coisa o tal Abel Barros Baptista tem razao.



"a ciência moderna não podia desenvolver-se sem se desembaraçar da cultura letrada"



A tal cultura letrada nao tem lugar em quem tem como preocupacao unica o compreender os fundamentos do mundo natural.



Infelizmente, contrariamente ao que escreve, o ensino publico limita-se a defesa intransigente das aldrabices que o autor da cronica representa nesta guerra (e nao tenham duvidas, e disso que se trata).



Se a ciencia se fez a custa da eliminacao da cultura letrada do seu meio, resta agora eliminar os representantes ultimos dessa cultura por todo e qualquer meio possivel. Sao na melhor das hipoteses empecilhos e na pior forcas conscientes e deliberadas de travao ao conhecimento cientifico.

Claro que o Fiolhais vai estrebuchar e chamar-me de inculto e outros mimos do genero (de facto ja o fez), mas a dura realidade e esta: para o seu trabalho de fisico ele nao precisa de nada da tal cultura das letras. Nao digo que ele nao goste e se dedique a isso. Cada um tem as suas taras, mas ate ele no fundo sabe que o que escrevi e verdade. Ele precisa tanto da cultura das letras para fazer Fisica como um medico sportinguista ferrenho precisa do sporting para operar. Pode gostar mas certamente nao precisa.

O problema e que defender o sporting nao impede o avanco do conhecimento cientifico, defender as chamadas "ciencias humanas" impede e muito.

Peco desculpa pela falta de acentuacao.

pinto disse...

Letras???

Ciências Humanas e Sociais , o que é?

Anónimo disse...

as diferenças entre letras e ciências advêm da sua génese que são diferentes, pois são campos de estudo diferentes.

Exterminar as letras é um erro crasso, fazem falta, o que precisam é de mecanismos de refutação à Karl Popper.

Bem sei que não são exactas como as ciências, mas reparem, se houvesse mecanismos de refutação e avaliação entre pares evitava-se assim por comparação haver em vigor a teoria de newton e de Einstein ao mesmo tempo!

Por isso em ciências sociais, detesto esta designação, andam pra ai teorias antagónicas sobre a mesma temática sem se chegar a um acordo que ir verificar afinal qual é a verdadeira, como se os dois tivessem razão e como respeito pelos senhores doutores não se pudesse meter em questão.

Nas letras os argumentos muitas vezes recorrem à autoridade, ai de quem conteste publicamente um senhor doutor sem ter as costas quentes, ou seja independência laboral, senão pode até nunca mais conseguir emprego na área, isto acontece aos jovens licenciados infelizmente.

Porque há teorias especulativas, como há a física teórica que especula, mas há factos que em virtude dos mesmos ou se é ou não se é, mas também porque as letras se fazem de factos, factos esses as vezes escondidos de propósito ou ignorados de propósito, como acontece muitas vezes na história, a belo prazer, ou teorias do pós modernismo como sokal tão bem nos mostrou que não passam de pensamentos áridos!

Há que fazer uma purga nas letras, sim, tirar-lhes os acrescentos medievais e limpar de misticismos e pseudo ciencias, mas acabar com elas seria destruir parte da nossa cultura como seres humanos.

É verdade que o pessoal de letras é bronco a ciências e os de ciências broncos a letras, encontrar alguém que faça a ponte entre as duas culturas é quase impossível e o ensino em Portugal está vocacionado para o impedir, é quase um crime de lesa majestade, tanto que o ensino nos manda para os ditos agrupamentos de ciências ou de letras no secundário, misturar formações é que não é heresia, é preciso é aumentar o fosso entre as duas culturas!

Depois queixam-se?

joão boaventura disse...

Quando Abel Barros Baptista opina que:

"...a ciência moderna não podia desenvolver-se sem se desembaraçar da cultura letrada, ou melhor, sem se desembaraçar do tipo de conhecimento que ficou conhecido por "letras" porque todo assente na leitura de livros."

leva-me a concluir que os homens de ciência não podem ler livros sequer do seu âmbito de conhecimento, sob pena de cair na alçada do conhecido conhecimento (pleonasmo do autor) que dá pelo nome de "letras", querendo recordar o velho aforismo "letras são tretas".

São coisas leves que se dizem com certa leveza, mas continuam sem sustento, porque letras são o "latim" e o "grego", e não há cientista que a eles não se socorra para denominar assuntos e instrumentos, sine nomine.

É pena que o autor não tenha explicado com desenvoltura o que entendia por "cultura letrada", para se entender de que é que falava, quando escrevia "cultura letrada", para entendermos com mais precisão o pensamento, já que, ao não fazê-lo, permite todos os tipos de raciocínios livres aleatórios que tentam adivinhar-lhe o alcance.

Carlos Ricardo Soares disse...

Conheço um indivíduo, que é uma excelente pessoa, com uma vida boa, que ganha muito bem e que diz a quem quer ouvir que não precisa da ciência, nem das ciências para nada, e tanto ou mais das letras e das Tecnologias, de que desdenha condescendentemente, afirmando que essas coisas só dão trabalho. Eu fico a olhar para ele e a pensar onde é que ele foi aprender isso.

Anónimo disse...

O seu amigo tem razão. Pessoas bem sucedidas socialmente (vulgo bem na vida) não precisam dessas coisas para nada. São empecilhos ao sucesso que almejam.

Eu adoro ciência e acho que isso é realmente verdade.

Só precisam indirectamente na media em que colhem os frutos de muita tecnologia que outros fizeram. Eles não precisam de a compreender para nada e quem criou essa tecnologia muitas vezes tem vidas miseráveis.

A sociedade está estruturada assim e não há indícios de que alguma vez vai mudar.

O seu amigo é um exemplo de sucesso daqueles que dizem que a escola deve preparar para a vida.

CONTRA A HEGEMONIA DA "NOVA NARRATIVA" DA "EDUCAÇÃO DO FUTURO", O ELOGIO DA ESCOLA, O ELOGIO DO PROFESSOR

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