terça-feira, 13 de abril de 2010

MAIS HISTÓRIAS DA LUZ E DAS CORES


Não há duas sem três. Acaba de sair, na Editora da Universidade do Porto, o terceiro e último volume da obra Histórias da Luz e das Cores, de Luís Miguel Bernardo, professor de Física naquela Universidade. Se o primeiro volume tinha tratado a lenda, superstição, magia, história, ciência e técnica associadas ao tema da luz e da cor desde a remota Antiguidade até ao século XIX e se o segundo volume se tinha debruçado sobre esse século, o período0 no qual se decifrou a natureza da luz e se inventou a fotografia e o cinema, o presente volume foca o século XX, o século da teoria quântica da luz e, muito, em particular da invenção do laser que, por estes dias, está a fazer 50 anos. Trata-se, no seu conjunto, de um impressionante trabalho de scholarship que honra a Universidade que hospeda o autor e o publica.

Com efeito, é difícil, mesmo noutra língua, encontrar uma história cultural da luz tão bem documentada e explanada. Mas este longo ensaio em língua portuguesa tem o mérito adicional de reportar a descoberta e aplicação dos conteúdos da óptica que se foram fazendo entre nós. Podemos aqui encontrar alguns dos avanços científicos, para muitos quiçá surpreendentes, e também os atrasos, por vezes também inesperados, que se foram registando entre nós. Entre os avanços, o leitor da obra ficará a saber que um padre português, de seu nome Amadeu de Vasconcelos, foi no primeiro quarto do século XX um pioneiro da divulgação científica, chegando a divulgar a teoria quântica vários anos antes de ela ser ensinada em universidades portuguesas (a história deste desconhecido sacerdote dava um romance!). Em 1925 Vasconcelos, por vezes conhecido por Padre Mariotte, publicava uma revista semanal de divulgação científica Sciência para todos. E mais fica a saber que um cientista estrangeiro escrevia nos anos 30 que “Portugal é dos poucos países que possuem valiosos e modernos aparelhos científicos para investigações solares”, propondo que esses estudos fossem alargados aos territórios ultramarinos. Estava-se a referir ao Observatório Astronómico de Coimbra, equipado com um moderno espectroheliógrafo desde 1925, considerado na época, no quadro da física escolar, um dos quatro ou cinco melhores do mundo. Entre os atrasos, regista-se o da adopção da dioptria como unidade da potência de uma lente, no início do século XX, mais de três décadas depois de um acordo internacional sobre esse assunto, e o início também tardio da televisão em Portugal, no ano de 1956, quando ela já existia nos países mais desenvolvidos. E encontra-se a engraçadíssima história de um tal Prof. Artur d’Albuquerque, autor do livro Bomba radiognética (Bomba Atómica) – 1936-1940, no qual o autor revela segredos que teria feiro chegar aos americanos em 1941. Segundo um autor anónimo de um anúncio do Diário de Notícias aquele professor seria o “verdadeiro autor” da bomba atómica. Mais recentemente, o Coronel de Artilharia Bernardes de Miranda foi autor de uma mão cheia de livros igualmente heterodoxos (para dizer o mínimo), nem todos publicados a suas expensas, apresentando uma “teoria fotónica” completamente ao arrepio da ciência conhecida.

Poder-se-á pensar que, com os grandes avanços realizados ao longo do século XX no que respeita à compreensão da luz, que se revelou ser tanto uma onda estendida no espaço como uma colecção de corpúsculos, o livro estivesse mais expurgado de mitos sobre a luz do que os anteriores. Pois desengane-se quem pensar isso. De facto, foi no século XX que se continuaram a fazer, ou melhor a tentar fazer, fotografias espíritas (em Portugal o espiritismo também chegou atrasado, pois tardavam a chegar fotografias decentes de almas do outro mundo). Foi ainda no século XX, mais precisamente em 1958, que o Papa Pio XII proclamou Santa Clara de Assis padroeira da televisão, por ela, no ano da graça de 1252, no seu convento de Damião, ter assistido, com som e a cores, às celebrações do Natal na basílica de S. Francisco, a 2 km de distância... O autor do presente estudo não resiste a informar os seus leitores servindo-se de duas enfáticas exclamações:

“Após a declaração de Pio XII, passou a afirmar-se que a colocação de uma imagem da santa sobre o televisor garantia uma boa recepção!... É que nem todos os problemas técnicos tinham sido resolvidos – e quando se queria ver em boas condições o programa preferido, uma ajuda do Céu era sempre benvinda!...


A história do laser, uma tecnologia que ocupa cerca de metade do livro pois a história do século XX é dividida em “antes do laser” (pré 1960) e “após o laser”, está bem contada, ou não fosse o autor reputado especialista no assunto. A evolução dessa técnica, que no início dos anos 60 foi considerada uma boa resposta à espera de perguntas, é muito instrutiva sobre os desenvolvimentos imprevisíveis da ciência e da engenharia. Se a invenção do laser pelo físico norte-americano Theodore Maiman em Maio de 1960 era esperada pois o caminho tinha sido aberto com o maser, de certa forma resultado do esforço de guerra (a pesquisa em microondas desenvolveu-se com o radar), já as múltiplas aplicações do laser que hoje pululam não eram simplesmente inimagináveis no início dos anos 60: quem diria que hoje usamos os lasers para ouvir CD e DVD, para imprimir em papel a partir do computador, para ler códigos de supermercado, para apontar uma imagem projectada, para fazer operações cirúrgicas, para fazer cortes industriais, etc.? O autor poderia ter contado, se o livro não estivesse já grande, que a palavra laser (acrónimo de light amplification by stimulated emission of radiation) foi inventada por um estudante de doutoramento norte-americano, que lutou durante quase toda a vida pelo reconhecimento em sede de repartições de patentes da ideia desse raio coerente de luz, num dos casos mais prolongados de disputa de propriedade intelectual. O autor preferiu, contudo, e está no seu direito, elencar os vários tipos de laser e listar as suas utilizações mais correntes. Temas recentes ou muito recentes como a holografia, o aproveitamento da energia solar, a produção e visualização de imagens 3D, os novos telescópios e microscópios e os novos sistemas optoelectrónicos são também tratados. Não sobrou, por isso, espaço para falar da recepção destas novidades no nosso país. Talvez por modéstia, só numa breve nota de fim de capítulo revela a quem não souber que grande parte dos estudos dos lasers em Portugal se realizaram na Universidade do Porto...

Luís Miguel Bernardo não esquece as humanidades. Abre o livro com um poema sobre a cor de Regina Gouveia, poetisa contemporânea e professora aposentada de Físico-Química, inclui um belo texto de Raul Brandão, extraído de Os Pescadores, sobre as cores do pôr do Sol, e mostra uma imagem de um manuscrito original de Gomes Teixeira que ele próprio desencantou num antiquário portuense, onde o grande matemático deixou escrito: “Os crepúsculos – Os crepúsculos são sinfonias de luz compostas pela Atmosfera com cores que o Sol lhe manda”.

Quase a terminar o seu livro, o autor sumaria os progressos da ciência e da tecnologia, que ele tão bem retratou no que diz respeito à óptica, com um optimismo contagiante:

“Em três séculos a ciência transformou radicalmente a vida dos seres humanos. Proporcionando-lhes padrões de qualidade material, ética e moral, nunca antes sonhados. Com as actuais taxas de desenvolvimento científico e tecnológico, os progressos que se de verificarão no bem-estar e na qualidade de vida dos homens do século XX serão ainda maiores. “

Só resta acrescentar, para que a história da luz e das cores continue: cumpra-se essa previsão!

- Luís Miguel Bernardo, “Histórias da Luz e das Cores”, vol. 3, Porto: Editora da Universidade do Porto, 2010.

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