quinta-feira, 10 de setembro de 2009

PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS

Texto do classicista Delfim Leão, da Universidade de Coimbra, apropriado a esta época pré-eleitoral.

É ambivalente a expressão escolhida para servir de título a esta crónica. De facto, o termo ‘princípio’ tanto pode ser entendido na acepção de ‘início’, como ainda enquanto ‘norma’. Em boa verdade, a nossa intenção é que o leitor tenha presentes ambos os sentidos. Antes de mais, porque o contexto do assunto que evocaremos nos remete para o período áureo dos inícios da democracia ateniense, o século V a.C., também conhecido por “século de Péricles” (em homenagem a um dos maiores estadistas que a cidade produziu), se bem que o verdadeiro criador do regime democrático em Atenas (em finais do século VI a.C.) seja uma outra pessoa, bem menos conhecida: Clístenes. Mas será sobretudo ao longo do século V que a democracia se aperfeiçoará, estabelecendo as bases daquilo que irá caracterizar também as democracias modernas: as tais ‘normas’ e ‘princípios’ que regem esta forma de organização política.

Entre os princípios fundadores, há três que resumem a essência do sistema democrático: isonomia, isocracia e isegoria. São todos eles palavras compostas, que têm em comum o primeiro elemento isos que comporta a noção de ‘igualdade’, pelo que se torna evidente, desde logo, que a busca da igualdade entre os cidadãos é a característica mais distintiva da soberania popular.

Isonomia é o conceito mais importante, na medida em que acaba por englobar os restantes e, por isso, ocorre nas fontes antigas como sinónimo do tipo de constituição que coloca o poder no demos ou ‘povo’ (i.e. a democracia). Isonomia significa, à letra, ‘igualdade perante a lei’ (nomos). Em consequência, todas as pessoas que detêm o estatuto de cidadão devem poder gozar dos mesmos direitos previstos na lei, entendida como expressão da vida em comunidade (pólis) e que representa, por isso, a garantia de estabilidade no interior dessa mesma comunidade.

Isocracia significa ‘igualdade no acesso ao poder’ (kratos) e implica que todos os cidadãos tenham não apenas o direito e obrigação de eleger os seus chefes, mas também que eles próprios possam vir a ser eleitos para desempenhar funções nos diferentes órgãos existentes na pólis.

Este direito ao voto activo e passivo era grandemente impulsionado, na democracia ateniense, pela aplicação da tiragem à sorte como forma natural de aceder à maioria dos cargos. As democracias modernas, pelo contrário, tendem a evitar este mecanismo, por associarem ao sorteio uma ideia de incompetência. Um tal risco fora já ponderado também pelos antigos, que não desistiram de aplicar o método de tiragem à sorte, cientes de que era preferível manter abertas as potencialidades da isocracia, embora procurassem controlar os seus eventuais efeitos nefastos com duas medidas complementares: apostar na experiência cívica dos cidadãos (muito mais intensa do que a nossa) e na colegialidade (de onde decorria que os cargos seriam ocupados por um colégio ou grupo de pessoas, de modo a limitar o alcance de imprudências individuais).

A estes dois princípios se juntava, finalmente, a isegoria, que poderemos traduzir por ‘igualdade no acesso à palavra’ ou, para usarmos a expressão consagrada, ‘liberdade de expressão’. Tratava-se de uma prerrogativa fundamental para o exercício activo da cidadania na assembleia, no conselho e nos tribunais ou então, numa equivalência mais directa do termo, naquele que era o espaço por excelência da intervenção pública: a ágora.

E os Gregos anunciavam esse direito através do recurso a uma fórmula breve, cuja sonora simplicidade ainda hoje continua válida e eficaz: «Quem deseja usar a palavra?».
Delfim F. Leão

3 comentários:

Anónimo disse...

Sobre isonomia e democracia : uniformizar não porá em causa a nossa liberdade?!

Ora vejamos:
As políticas virtuais parecem ter subjacentes a noção do mundo livre, da liberdade, do grande despertar da humanidade, do espírito rebelde da liberdade da cultura electrónica, da liberdade como fenómeno político inerente às cidades – estado gregas, que desde Heródoto, foi compreendida como forma de organização política na qual os cidadãos viviam juntos em condições de ausência de normas, sem divisão entre legisladores e legislados (Arendt, 1962:34). Sabemos também que a democracia, foi originalmente forjada pelos que se oponham à isonomia (Arendt, 1962:34) e que as democracias são as” ditaduras da maioria” e que a igualdade neste sistema só existe no campo político. Deste modo, a própria liberdade necessita de um lugar onde o povo se pudesse reunir, ou seja, uma ágora virtual, uma ciberpraça pública ou uma ciber polís, ou um espaço público electrónico em rede.

Cumpts,
Madalena Madeira

Unknown disse...

E vou usar a palavra exprimindo o enorme prazer que me deu a leitura deste post. Mesmo sem razões nenhumas para ter esperança, acalento a esperança dum "despertar da humanidade" para um sentido do humano que se encontra moribundo. E penso que a cultura clássica é uma riquíssima possibilidade para consubstanciar experiências cívicas que nos devolvam o verdadeiro sentido de viver: o sentido do humano.

Espero vivamente que o professor Delfim Leão continue a aproveitar as situações políticas e sociais para nos presentear com mais "posts".

Anónimo disse...

TIVE NEGA NO TRABALHO POR CAUSA DESTA INFORMAÇÃO!!!!

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