quarta-feira, 8 de julho de 2009

A Ministra da Educação e o facilitismo

A propósito da publicação dos primeiros resultados dos exames nacionais do Ensino Secundário li hoje coisas extraordinárias que, a esta hora, já devem ser do conhecimento dos leitores.

Uma delas foi o facto de, quando confrontada com a descida importante das classificações num dos exames, a Senhora Ministra da Educação ter percebido o que muita gente minimamente atenta ao estado da educação, com destaque para os professores, tem vindo a sugerir: os alunos demonstram progressivamente “menos investimento, menos trabalho e menos estudo”.

É evidente que tal afirmação e tal conjectura são impossíveis de provar de modo inequívoco, pois os exames não têm mantido grande estabilidade de ano para ano, tanto em termos de estrutura como de grau de dificuldade. Porém, ao levantarem uma forte suspeita de existência de um problema, seria razoável que a responsável máxima pela educação nacional dissesse ou pensasse algo do género: “é preciso percebermos o significado deste abaixamento do rendimento escolar. De onde é que ele decorre? Quais são as suas consequências? O que poderemos fazer para o superar?”.

Provavelmente ficaríamos um pouco admirados, pois já nos habituámos a que a Senhora Ministra nos diga estar tudo a correr na perfeição, mas creio que aceitaríamos que, por fim, partilhasse um sentimento aparentemente transversal na nossa sociedade.

Não foi isso, no entanto, que sucedeu. O que sucedeu foi ainda mais extraordinário: a Senhora Ministra afirmou que a responsabilidade pelo abaixamento de resultados académicos dos alunos é da… comunicação social. E porquê? Porque tem dado a ideia de que os exames são fáceis!

É claro que não se esperava que a Senhora Ministra imputasse esta responsabilidade ao seu próprio Ministério, e bem podia tê-lo feito, pois os currículos e os programas têm a sua chancela, os exames e as respectivas grelhas de correcção são construídos lá, isto para não falar das sinuosidades da formação de professores, da impraticabilidade do modelo de avaliação do desempenho docente, do muito polémico estatuto do aluno, da caixa de Pandora que é as "Novas Oportunidades".

Mas sempre podia ter imputado a responsabilidade aos professores (já é comum, ninguém estranharia, a menos que neste momento não seja conveniente); aos pais e encarregados de educação (por eventualmente não cuidarem que seus educandos estudem, mas talvez isso quebrasse a paz instalada); ou aos próprios alunos (pois são eles, afinal, que, como se diz, "constroem a sua própria aprendizagem")…

Não: a Senhora Ministra responsabilizou quem menos se esperava: os jornalistas, que vão dando conta do que acontece, daquilo que as pessoas fazem e dizem. Para mim é impensável a medida que, adoptando uma lógica básica, ela pode querer tomar para que os alunos voltem a ter sucesso...

Ainda mais extraordinário foi o eco ampliado que as palavras da Senhora Ministra tiveram nas de um Secretário de Estado da Educação, que, além desses responsáveis, encontrou outros, a saber: comentadores, partidos, pessoas com encargos políticos e, pasme-se, a Sociedade Portuguesa de Matemática, que tem efectuado um trabalho muito meritório de observação sistemática e atempada dos exames e das condições em que eles decorrem.

Nas palavras da Senhora Ministra e do Senhor Secretário de Estado são estes e não outros os grandes culpados das classificações que os nossos estudantes obtêm. Pois estão, certamente, todos concertados, numa "campanha de facilitismo", "preconceituosa", reveladora de "ignorância", induzindo os alunos e as suas famílias em erro quanto à facilidade dos exames. São estes, e não outros, que promovem “um desincentivo ao estudo e ao trabalho”...

12 comentários:

Anónimo disse...

A ministra não terá um pouco de razão nesta matéria? Não foi enorme o alarido sobre a facilidade crescente dos testes?

Pode ter acontecido, até a um nível menos consciente, os estudantes se terem convencido que seriam favas contadas. Em ano de eleições e tudo...

José Batista da Ascenção disse...

Hoje, numa reunião de professores, manifestou-se tristeza e revolta, que não surpresa, face aos resultados do exame de biologia e geologia, consequência do tipo de programa, da concepção do exame e dos critérios de avaliação, especialmente no que concerne à incongruência das perguntas com o conteúdo das matérias leccionadas. E lembrou-se, a propósito, que antes destes programas entrarem em vigor nunca os professores de biologia nem os alunos sentiram os exames como um problema, donde, sendo os professores os mesmos e não sendo de admitir que os alunos percam qualidade entre o término das aulas e a data da realização das provas, fica por explicar, mediante esses dois factores, a queda acentuada entre os resultados das classificações internas e os obtidos em exame, que outrora eram conformes. E defenderam que esta posição devia ser dada a conhecer a quem de direito.

Luis Neves disse...

É uma vergonha esta equipe que está no Ministério da Educação. Fazem política e inventam pretextos para tudo com o objectivo de desviar a atenção dos maus resultados nos exames.
Estas acusações aos comentadores, às associações de professores, estas acusações de campanhas de facilitismo nos jornais, Não tem pés nem Cabeça, é absurda e é ridicula.
Esta gente do ME está a brincar com a educação, não sabem o que andam a fazer.
A acusação que o SE Educação faz ao prof. Nuno Crato é de muito baixo nível.
Gostava que o nosso Presidente da República Cavaco que à pouco tempo fez um "Roteiro para a Matemática" em conjunto com a SPM e com o Prof. Nuno Crato, pedisse explicações ao sr. Primeiro Ministro. Que lhe fossem dadas explicações das razões para um Secretário de Estado que ninguém sabe o que fez na vida, sem nenhuma qualificação conhecida, um bronco, pode estar a atacar um Professor universitário com o prestigio do Prof. Nuno Crato.
Este SE da Educação devia era inscrever-se no programa Novas Oportunidades e mudar de profissão, por exemplo, que experimente o curso de Relator de jogos da bola ou de combates de boxe.

Anónimo disse...

Caro Luís Neves:
Parece que você já frequentou a escola dominada pelo eduquês senão teria estudado o verbo haver.
A culpa não é sua, é do Secretário de Estado e etc.

hcbr disse...

Desde que me recordo que os exames são a dor de cabeça dos alunos. Infelizmente tive de passar por eles para entrar numa universidade, na altura passavam metade dos alunos que os faziam, agora apenas 15% dos alunos reprovaram e a ministra vem dizer que não houve facilitismo?
E que tal terminar com os exames, que não servem para mais nada do que dar trabalho a alunos e professores, e criar um sistema de avaliação em que as próprias faculdades escolham os alunos que entram?

Teresa Diniz disse...

Infelizmente, sempre que se fala de educação, saltam demagogias e frases feitas, propagandas e demasiado eduquês. Sou professora e garanto: um ano passado numa escola básica, a lutar para conseguir incutir alguns conhecimentos e hábitos de trabalho aos alunos, apesar das orientações, desorientações, decretos, portarias, esclarecimentos, circulares e outros que tais provenientes do Ministério, e talvez fosse possível começar a perceber verdadeiramente os problemas do ensino. O problema é que as pessoas falam muito sem "meter a mão na massa", sem saber de quê.

Fartinho da Silva disse...

Há longos anos que para os funcionários que trabalham nesse ministério a culpa é sempre dos outros, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre, sempre.

Nunca colocam em causa o seu trabalho, passam a vida a dizer que os professores têm que reflectir chegando ao ridículo de obrigarem os professores a apresentar evidências dessa reflexão, mas essas criaturas que vivem às custas do trabalho dos professores nunca reflectem.

Para essas criaturas, o absurdo modelo soviético imposto nas escolas públicas é perfeito, o problema é que existem... alunos, professores, encarregados de educação, comunicação social, cientistas, empresas, mercado, etc.

Para essas criaturas o ideal seria esvaziar o mundo de todas as pessoas que não acreditam no modelo que tem transformado os alunos em analfabetos funcionais.

Mas, não nos enganemos, essa gente sabe que a única forma de garantir o seu emprego é a continuação do modelo por eles inventado e com base neste pressuposto foram criados tantos organismos e tantas escolas superiores de eduquês que poucos políticos terão vontade de mexer neste sistema, porque sabem que as consequências para o governo que ouse mexer no mesmo poderão ser demasiado grandes... e alguns políticos já tiveram essa experiência e... foram corridos.

Anónimo disse...

Este ano observou-se um aumento da dificuldade do exame nacional de matemática, o que traduz logo uma diminuição da média dessa disciplina. Quando a Física e Química A, na minha opinião o exame era extremamente fácil, e os alunos baixaram ainda mais a média nacional. Acho que mais importante do que colocar a culpa na comunicação social é reflectir sobre isto. Estamos a caminhar para um caminho sem volta, e os alunos começando a aperceber-se das facilidades dos exames começam a estudar menos. Só assim consigo explicar os resultados de Física e Química A perante um exame daqueles. Em relação a Matemática, acho que o aumento da dificuldade demonstrou a razão pela qual os resultados aumentaram drasticamente face aos anos de 2006 e anteriores.

É preciso reflectir e voltar a colocar ordem no sistema de ensino. É preciso motivar os alunos a estudarem e não lhes deixar a ideia de facilitismo. A comunicação social pode ter "culpa" nisso, mas não estão a inventar nada.

Anónimo disse...

A Helena Damião escreve
"É claro que não se esperava que a Senhora Ministra imputasse esta responsabilidade ao seu próprio Ministério, e bem podia tê-lo feito, pois os currículos e os programas têm a sua chancela, os exames e as respectivas grelhas de correcção são construídos lá"
E não será por professores que "lá" são feitos? Pelos vistos é a Ministra que os faz.

Anónimo disse...

Mas o ministério da educação não são também as centenas de professores que pululam pelos seus gabinetes, que até lá fazem os ditos exames, os quase duzentos mil que estão nas escolas públicas – e os que estão nas privadas, serão ou não ministério? – os que se encontram nas associações de professores de disciplinas, nos sindicatos, nas escolas de formação e centros de formação de professores… afinal?!...
Parece-me que há aqui muito boa gente que todos os dias de manhã, ao ver-se ao espelho, começa logo a dizer até mal de si próprio – tipicamente português.
Receio bem que caso a Direita ou Centro Direita vier a ganhar nas próximas eleições, a conversa irá continuar ao mesmo estilo porque… “quem sabe faz, quem não sabe…” – o que é que faz?

António Santos

Nan disse...

Ó Sô anónimo:
Os exames são feitos no GAVE. Como demoram o ano todo a ser feitos, espera-se, pelo menos, que venham sem erros e que, de um ano para o outro, uma vez que não tem havido alteração dos programas, o grau de dificuldade seja equivalente e que os critérios de correcção não abandalhem por completo o teste - obrigando a considerar erradas coisas que estão certas e vice-versa...
E já chega de bater nos professores - se sabem ler a eles o devem.

Anónimo disse...

E o que é o GAVE se não composto por "teachers" especializados na matéria?!...

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação e...