sexta-feira, 19 de junho de 2009

O actual "clima" de escola

Um dos pressupostos que subjaz ao modelo de avaliação do desempenho docente em vigor é que as relações entre professores são obviamente paritárias, lineares, imunes a hierarquias e a conturbações relacionais.

Por razões diversas - como a diferença de estatuto, de formação, de orientação pedagógica, etc. - não é assim. Atendendo a que o ensino é tradicionalmente uma profissão solitária - o professor com os seus alunos na sala de aula -, a convivência que nas últimas décadas se tem exigido aos seus profissionais é feita de acordos tácitos, de diplomacias subtis e de equilíbrios frágeis. Vários estudos indicam isso.

Assim, no caso de se considerar importante que os professores colaborem entre si, no sentido de uns direccionarem um olhar avaliativo para o trabalho dos outros e de outros consentirem que isso aconteça - não esqueçamos que com impacto na classificação e na progressão na carreira -, mandaria a prudência que se tomassem cuidados prévios (no De Rerum Natura publiquei dois extractos dum trabalho de C. Day que nos orienta nesse sentido: aqui e aqui).

Porém, isso não aconteceu quando se decretou que os professores de uma escola deveriam participar na estruturação da avaliação da própria escola e na avaliação de colegas da mesma escola.

Os problemas agora identificados no relatório de acompanhamento e monitorização apresentado pelo Conselho Científico para a Avaliação dos Professores não destoam, pois, daqueles que estão, há muito, descritos na literatura pedagógica e de entre os quais destaco os seguintes: um clima de perturbação e tensão; um clima geral de medo, provocado pela tutela ou colegas, conflitos internos, nomeadamente a deterioração da relação entre colegas ou a divisão entre avaliadores e avaliados, o que provocou situações de animosidade.

Adverte, pois, esse Conselho para que "as medidas que se venham a tomar no quadro da avaliação de desempenho docente, quer ao nível do sistema educativo quer ao nível de cada escola, sejam testadas e avaliadas antes da sua generalização de modo a garantir a sua qualidade, compreensão e apropriação".

Esta advertência está certa, mas a questão que se põe neste momento é a seguinte: como repor o clima de convivência entre professores a níveis aceitáveis de modo que a avaliação do seu desempenho prossiga sem "efeitos colaterais"?

14 comentários:

Carlos Pires disse...

Resposta:

Avaliação externa (dos professores e da escola), feita:

1. Com base nos resultados obtidos pelos alunos nos exames nacionais (o implicaria que existissem mais exames do que actualmente e que estes fossem feitos com rigor e exigência, o que também não sucede).
2. Pelo menos em parte, por entidades exteriores à escola avaliada: o ministério - mas nunca apenas o ministério (que acaba por ser parte interessada)-, universidades...

Essa avaliação externa, se fosse feita de modo planeado, sem improvisos permanentes, e com critérios claros e conhecidos a priori, não colocaria uns professores contra os outros - como sucede actualmente, por culpa deste governo.

Uma avaliação desse género diminuiria também a arbitrariedade, amiguismo e caciquismo associados (nas actuais circunstâncias) ao novo modelo de gestão (o director).

Anónimo disse...

Faça-se uma avaliação por avaliadores externos às escolas e dir-se-á logo que é inaceitável porque não conhecem a realidade da escola, porque não são isentos, porque são representantes da entidade patronal, porque é despesismo, ...
Abram os olhos: não querem avaliação nenhuma, querem chegar ao topo da carreira como até aqui.
M. Helena Cabral

António Daniel disse...

Concordo com o post da Helena Damião (se me permite tratá-la deste modo. Aliás, se acontecesse a outras profissões o mesmo que aconteceu aos professores, certamente que as reacções seriam a mesma. A estrutura cognitiva e racional dos professores não são diferentes dos restantes seres humanos. Por isso, da mesma forma que os outros acham incompreensíveis as posições dos professores, também me é legítimo achar incompreensíveis as posições das pessoas que estão fora do sistema face À situação da avaliação dos professores. Ninguém, na posse das suas capacidades mentais aceitaria uma imposição que gerou injustiças e incongruências. Verdade seja dita que, se não houvesse as manifestações críticas e as resistências por parte dos professores, a situação seria um absurdo tal que o ensino teria andado para trás uns bons anos. Aliás, esse foi a «calcanhar de Aquiles» das políticas deste ministério.Como Helena Damião escreveu, a profissão do professor é estar perante a turma, trabalhar com ela. Conhecê-la, percorrendo os meandros das relações tendo como finalidade o enriquecimento cultural dos alunos. Por este motivo, a avaliação de um professor deve ser diferente da avaliação de quem lida com exófagos, com caixas ou com objectos cuja objectividade em muito ultrapassa as idiossincrasias de 120 alunos. Até aqui, julgo não haver discordâncias. Como se podia ultrapassar isto? Bom, parte da resposta foi dada pelo Carlos Pires (apesar de actualmente os exames serem praticamente residuais). Uma outra parte poderia ser encontrada na apresentação do trabalho produzido pelo professor durante o ano lectivo a uma comissão externa, constituída, porque não, por pessoas ligadas à universidade ou por professores do secundário que tivessem provas dadas no meio. Lembro-me que foi uma medida tomada por Manuela Ferreira Leite (por quem não tenho alguma afinidade política) por volta de 1990: a passagem do 7º para o 8º escalão consistia numa prova pública defendida por uma comissão exterior à escola, à qual muitos colegas, agora em fim de carreira, se sujeitaram. Portanto, não aceito e repugna-me as ideias que são difundidas e que sugerem que os professores não querem ser avaliados. Sempre fui avaliado por provas públicas na minha tarefa de auto-formação (paga por mim). Assim acontece a um grande número de colegas. Agora, não pretendam que aceitemos coisas absurdas, impostas sem critério, tratando-nos como se estivéssemos sujeitos às deambulações maturbacionais de um conjunto de pessoas que simplesmente mostraram ódio aos professores. Torno a dizer que nenhuma pessoa que estivesse na mesma posição não deixaria de tomar as posições que a generalidade dos professores tomou. Foi um exemplo de cidadania e não um antipatriotismo como já chegaram a apelidar a luta dos professores. Foi totalmente desastroso o modo como estes senhores, no alto do seu poder, manipularam os dados. Só quem está dentro do sistema é que entende. (haveria muito mais a dizer)

Fartinho da Silva disse...

Aqui estão duas respostas interessantes e que representam a realidade portuguesa:

1. Carlos Pires com um proposta concreta, realista e evidente;

2. M. Helena Cabral com uma resposta que não resolve coisa nenhuma e que considera que os professores devem obedecer cegamente à tutela, porque... sim.

Somos o povo mais atrasado da Europa por alguma razão. Uma parte muito substancial do povo continua a considerar que o Estado deve mandar e o povo cegamente obedecer, porque no Estado estão os iluminados.

Enquanto o populismo representado aqui pela resposta da M. Helena Cabral continuar a dominar a sociedade portuguesa, não há maneira nenhuma de Portugal poder competir com os restantes países da União Europeia e continuará a empobrecer alegremente...

Será possível que tanta gente inteligente ainda não percebeu que Portugal precisa que a sociedade civil se liberte do Estado? Será que a ainda não perceberam que esta conversa da solução única não resolve nada?

Quando se quiser resolver os verdadeiros problemas do ensino, perguntei a quem se encontra no terreno. Façam como qualquer empresa bem gerida. Ouçam as pessoas...

Como se pode avaliar o trabalho de um professor se o mesmo está quase impedido de avaliar os seus alunos?

Como se quer ser exigente com o trabalho do professor quando se obriga o mesmo a não ser exigente com os seus alunos?

Como se quer avaliar o professor quando neste sistema de "avaliação" as actividades lúdicas têm uma componente muito maior que as capacidades cietnficias e pedagógicas do professor?

Como se quer avaliar o trabalho do professor quando se protege o aluno até ao limite?

Como se quer avaliar o trabalho do professor quando praticamente não há exames nacionais aos alunos?

Será que ainda não percebemos todos que este sistema de "avaliação" tem apenas dois objectivos em mente?
1. Cimentar o "eduquês" na "escola" pública;
2. Obrigar todos os professores a obedecerem cegamente às orientações do "eduquês".

Esta Ministra da Educação representa o passado, não representa o futuro.

António Daniel disse...

FArtinho, concordo consigo em absoluto.

José Mesquita disse...

O problema é que os demagogos e populistas são sempre os outros. Nunca somos nós. Não é?
O que está em causa são carreiras e salários. Não é o sistema de avaliação. Este é um meio para aquele.
Antes uma decisão errada que nenhuma. Tem de haver avaliação. O modelo é mau? Seja. É preferível a nenhum. Ele melhorará com o tempo. Ao menos, por más que sejam, existem regras. Imagine-se os milhões de trabalhadores deste país, avaliados de forma casuística e sem modelo de referência. Esses sim, podem e devem protestar por serem avaliados sem jeito algum. Mas, ó mundo injusto, quem menos direitos tem também é quem menos força tem para protestar. Por isso, compreendam os críticos do modelo de avaliação dos professores: a maioria indigna-se com a vossa indignação pois não tem sequer acesso ao que para vós já é garantido.

António Daniel disse...

Lamento que esteja nessa situação de não poder reivindicar por aquilo que se acha melhor, José Mesquita. Se existem milhões de portugueses avaliados de forma casuística, então que reivindiquem. Força, mostrem a vossa vontade! O argumento dos outros se sujeitarem às injustiças devido ao facto de todos os outros também se sujeitarem é um argumento de senso comum que não tem razão de ser. Se assim fosse, deveríamos morrer à fome porque há outros que, infelizmente, morrem. Por favor, não caiam em tentações fáceis. Não se guiem por instintos.

António Daniel disse...

Essa de ser preferível uma decisão errada a não ter alguma, é um discurso que valeu mas que, felizmente, já não vale. Esse é um argumento falacioso. Por vezes é preferível estar quieto a fazer estragos irreversíveis.

Fartinho da Silva disse...

António Daniel, também concordo inteiramente consigo.

O José Mesquista defense certamente que TODOS os portugueses morram à fome, porque outros há que morrem à fome. Que falta de argumentação. Tanto populismo venezuelano.

Como disse alguém: "Portugal estar na Europa deve ter sido um erro geológico, porque o lugar de Portugal é na América Lantina!"

Anónimo disse...

fartinho,

ou você é burro ou desonesto. Helena Cabral não afirmou que os professores devem obedecer cegamente à tutela, apenas aflorou a convicção de que os professores não querem avaliação nenhuma.

Então responda:

Você acha que deve haver avaliação? Se não, estamos conversados. Se sim, desenvolva qual o tipo de avaliação que você acha conveniente.

Você acha que deve haver progressão automática na carreira? Se sim, estamos conversados. Se não, explique-se.

Agradecido!

António Daniel disse...

Sinceramente não percebo a falta de educação de pessoas que comentam. É revelador de muita coisa: personalidade fraca, recalcamentos, ou outra coisa qualquer que Freud explicou. São situações que me fazem desconfiar da condição humana. Seria conveniente que remetessem para outras esferas as frustrações. Sob a condição do anonimato, sentem-se em condições de vestirem a pele de lobo. Haja decência! Aliás, se calhar estou a gastar do meu precioso tempo a comentar o que não merece qualquer tipo de comentário. É de facto primário.

Unknown disse...

José Mesquita só por irracionalidade ou por preguiça em se informar é que pode continuar a fazer afirmações amplamente reconhecidas como falsas.

É sabido universalmente (excepto pelos preguiçosos) que já havia avaliação de professores antes de este governo ter descoberto "a pólvora". Como em muitos assuntos, o governo veio mexer para pior.

Se a anterior era má, melhorava-se. Não faz sentido é piorá-la.

José Mesquita disse...

Querem ver gigantes? Vejam gigantes. Mas são apenas moinhos. Condenem-se todos os insultos. Sem olhar a quem! Argumentem apenas e desconstruam os argumentos contrários. Não é preciso rotular argumentos com palavras insultuosas.
O que está em causa são carreiras e salários. Nada mais.

Anónimo disse...

A questão não está em acalmar os “ânimos” mas em pôr em marcha um modelo que efectivamente funcione. O actual carece de alguns retoques como: melhor selecção/preparação dos avaliadores (que devem ser externos à escola, tipo inspecção); não considero fundamental a observação de aula (ainda por cima previamente acertada com o avaliado…); os resultados dos alunos são importantes mas não devem ser exclusivos, devem ser relacionados com a capacidade de envolvimento e participação do professor na equipa docente, no departamento curricular e nas actividades de recuperação dos alunos. Também não considero relevante a participação dos encarregados de educação.
Considero importante uma atitude mais activa e actuante da parte do Director e dum eventual Departamento de Recursos Humanos a criar com professores cujas qualidades profissionais os destaquem no contexto de cada escola (sejam titulares ou não).
Quanto aos avaliados só terão de cumprir, mais efectiva e cabalmente, com o preconizado no respectivo conteúdo funcional, o que ainda está muito aquém.
zé do mundo

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...