Na sua acepção mais abrangente, a ética (ou filosofia moral) é o estudo do que faz a vida boa — a "arte de viver". Era esta a acepção de ética dos filósofos gregos. Mais tarde, tornou-se comum uma perspectiva mais restritiva da ética, segundo a qual esta estuda a questão de saber como temos o dever de viver. Hoje em dia, a ética é quase sempre entendida neste segundo sentido.
A ética divide-se em três subdisciplinas: metaética, ética normativa e ética aplicada.
Chama-se metaética à subdisciplina que estuda a natureza da própria ética. Eis dois exemplos de problemas estudados nesta subdisciplina:
1) Serão os juízos éticos relativos à cultura? Quando dizemos que o assassínio de crianças inocentes é incorrecto, essa é uma verdade objectiva, ou meramente um costume social que varia de cultura para cultura? Serão os princípios éticos preconceitos culturais?
1) Por que razão havemos de ser morais? Haverá boas razões para obedecer aos princípios éticos? Se sim, quais são? Será que todas as razões para agir têm de ser razões de carácter egoísta? Ou poderá haver razões altruístas para agir?
A ética normativa é o estudo dos princípios e fundamentos da vida ética. Eis dois exemplos de problemas estudados nesta subdisciplina:
1) Qual é o bem último? Muitas coisas são bens em virtude de serem meios ou instrumentos para outras coisas boas. O dinheiro, por exemplo, não é bom em si — mas é bom como meio para podermos ter uma vida boa. Mas será que há algo que seja o bem último, ou seja, algo em função do qual todos os outros bens sejam bens? Será o prazer? Ou a virtude? Ou a vontade boa?
2) O que faz uma acção ser correcta? Será que o Pedro fez uma coisa incorrecta quando teve a intenção de ajudar a Paula, mas acabou por magoá-la? Será que só conta a intenção, ou conta também as consequências das nossas acções para saber se essas acções são correctas ou não?
A ética aplicada é o estudo dos problemas práticos da ética. Eis dois exemplos de problemas desta subdisciplina:
1) Será incorrecto fazer um aborto em qualquer circunstância? Será correcto uma mulher fazer um aborto exclusivamente porque não deseja ter a criança? Ou terá de ter razões mais fortes, como razões de saúde?
2) Será que temos o dever de ajudar os mais pobres? O dinheiro que nos países mais desenvolvidos as pessoas da classe média gastam em pequenas coisas sem importância — como um telemóvel dos mais caros, quando podiam comprar um mais económico — seria suficiente para salvar uma pessoa de morrer à fome nos países mais pobres. Teremos então o dever de a ajudar, dando-lhe alguma da nossa riqueza?
As palavras «ética» e «moral» são geralmente usadas como sinónimas, dado que originalmente o termo latino “moralis” foi criado por Cícero a partir do termo “mores” para traduzir o termo grego “ethos”; e tanto “mores” como “ethos” significam «costumes».
Para dar os primeiros passos na ética normativa e na metaética, aconselho o livro Elementos de Filosofia Moral, de James Rachels (Gradiva), pela sua clareza, simplicidade e precisão. Para dar os primeiros passos na ética aplicada, aconselho o livro Ética Prática, de Peter Singer (Gradiva), o livro que reactivou esta área da ética e que é também muitíssimo claro, simples e preciso. Finalmente, quem estiver interessado no problema mais específico do aborto, a leitura obrigatória é A Ética do Aborto, org. de Pedro Galvão (Dinalivro), que reúne seis ensaios filosóficos seminais desta área (três que defendem a permissibilidade do aborto e três que a contestam), sendo ainda servido por uma informativa introdução do organizador.
domingo, 3 de junho de 2007
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9 comentários:
Dério,
Por sua causa ando a bombear filosofia como gente grande, e ia perguntar-lhe de que me serve a mim a ética dos outros, mas vejo-me encaminhado para bibliografia. Isso é batota...
Se a filosofia resulta de uma estruturação sofisticada, e se a ética é um produto filosófico, seria útil explicar de que modo poderia não ser para mim uma vacuidade disfuncional(1). Ou estaremos a arranjar nomes pomposos para o simples exercício da individualidade?
Sem mais me retiro discretamente.
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(1) e eu não compro os telemóveis mais caros, sou vegetariano, faço voluntariado, enfim, sou um otário tão completo que até poderia reivindicar alguma força de princípios.
Olá, Bruce
Obrigado pelo seu comentário. A ética não seria necessária se não nos relacionássemos com outros seres dignos de consideração moral. Logo, a ética é sempre, num certo sentido, "dos outros". Agir eticamente não é cada qual escolher agir de certa maneira para se sentir bem consigo próprio. Isso é apenas prudência emocional.
Dério,
Compreendo perfeitamente. Acho é que (e julgo não estar sozinho) que a prudência emocional é a força motriz do comportamento mais eficaz para aquilo a que, a jusante, poderemos oferecer à filosofia para decompor, sistematizar, nomear e racionalizar.
De qualquer forma parece-me que não respondeu exactamente à minha questão. Poderá alguma vez alguém "aprender" uma ética fabricada pela prudência emocional do seu próximo sem se transformar, necessariamente, num bivalve?
Obrigado.
Caro Bruce
Não entendo a pergunta. Mas parece-me estar a pressupor que todo o comportamento humano é motivado por interesses egoístas. Se isso é assim ou não é um debate filosófico que pode acompanhar no livro de James Rachels que indiquei.
Caro Desidério,
(cedo à formalidade)
Não fui eu que inventei o utilitarismo nem o existencialismo, nem me ocorreria esgrimir estes conceitos consigo apesar de há muitos anos ser viciado em russos do sec. XIX. O que para mim é uma evidência é que a ética (como sinónimo de moral) é o balanço de uma existência e percepção individuais, é o melhor que o indivíduo tem para oferecer a si próprio como o "somatório de si e das suas circunstâncias". No fundo, o que tento dizer-lhe é que nunca me interessaria a ética de um filósofo sobre o aborto, pela simples razão de que estamos ambos sujeitos ao modus operandi da percepção, falta-nos a consciência exacta da natureza do embrião, e ainda por cima nenhum de nós tem útero.
Respeitosamente, acho que não é um território da filosofia.
(Mas isto sou eu a falar. Amanhã dou comigo a comprar o livro)
Desidério,
"é o estudo dos princípios que permitem a vida boa"
Acha que para Aristóteles a ética pode ser entendida através de "princípios"?
Toda a tradição Aristotélica e neo-Aristotélica tende a rejeitar que a ética seja uma questão de princípios. A própria noção de virtude, razão prática e juízo opõe-se à noção de que possamos entender a ética como algo que decorre da aplicação de princípios.
A procura de principios morais orientadores da acção, onde cabe o utilitarismo e suas variantes ou a deontologia de inspiração kantiana, é uma interpretação da ética; não é A Ética.
Cumprimentos,
Joao Galamba
Olá, João!
Obrigado pela correcção, tens toda a razão. Na verdade, sendo eu bastante simpático ao particularismo moral, este deslize é particularmente bizarro. Vou corrigir o texto.
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