Houve que esperar mais de trinta anos para haver entre nós, no domínio da divulgação científica escrita, um outro projecto de tão grande envergadura como a “Biblioteca Cosmos”, da editora “Cosmos”: tratou-se – trata-se, porque a colecção continua crescente - da colecção “Ciência Aberta”, da editora Gradiva.
A editora fez 25 anos no ano passado. Com efeito, foi no ano de 1981 que surgiu o primeiro volume da “Ciência Aberta”: “O Jogo dos Possíveis” do biólogo francês François Jacob (Prémio Nobel da Medicina e da Fisiologia de 1965). Seguiu-se como número dois um volume que consolidou a colecção em virtude do enorme êxito que conheceu: “Um Pouco Mais de Azul”, do astrofísico canadiano Hubert Reeves (o título, feliz, foi retirado de um verso de Mário de Sá Carneiro, mostrando que ciência e arte se podem encontrar). E, pouco depois, apareceu o emblemático número cinco: “Cosmos”, do físico norte-americano Carl Sagan, associado a uma série de televisão de grande audiência (foi editada en vídeo e reeditada em DVD, com tradução em português), um livro do qual existe uma edição em grande formato e ilustrada, continua hoje a ser procurado e lido.
A colecção “Ciência Aberta”, que tem sido a colecção de bandeira da Gradiva, deve-se ao editor da Gradiva, o filósofo e estudioso dos problemas da cultura e do diálogo entre culturas Guilherme Valente. Em contraste com o mentor da colecção “Cosmos”, Bento de Jesus Caraça, que era professor e cientista, Valente não é um especialista de uma disciplina científica particular, mas sim um integrador dos vários saberes, que, tanto na sua acção editorial como na sua acção cívica, tem mostrado uma clara consciência do papel insubstituível da ciência, incluindo o ensino da ciência e a cultura científica, para o desenvolvimento das nações, muito em particular a nossa. A escolha cuidada de títulos e os cuidados com a tradução e a revisão científica são uma marca de qualidade que o editor soube imprimir desde o início à editora e à colecção. Sem ele Portugal estaria mais pobre!
Não deixa de ser sintomático que o número cinco da colecção da Gradiva retome o título da colecção percursora de Bento de Jesus Caraça. E que o número 98 da “Ciência Aberta” tenha sido a reedição dos “Conceitos Fundamentais de Matemática” de Caraça (além disso, na colecção “Aprender/ Fazer Ciência”, também da Gradiva, foram reeditadas, embora numa outra tradução, “As Aventuras do Senhor Tompkins” de Gamow, antes saído na “Cosmos”). Mas, ao contrário da “Biblioteca Cosmos”, a “Ciência Aberta” inclui bastantes mais traduções do que originais portugueses. E, também ao contrário da sua antecessora, não incluiu obras do âmbito das artes, letras, filosofia, ciências sociais e humanas, que encontram lugar noutras colecções da Gradiva.
Entre 1980 e Fevereiro de 2007, a colecção “Ciência Aberta” incluiu 156 títulos, um ritmo de publicação assinalável, embora aquém do da “Cosmos”, mesmo que a análise se restrinja aos volumes da primeira secção, a da ciência e técnica. E, embora as tiragens, somadas ao longo de várias reedições, tenham sido por vezes grandes (casos dos já referidos “Um Pouco Mais de Azul”, “Cosmos” e também, em especial, do verdadeiro “best-seller” que foi o número 27, “Breve História do Tempo”, do físico inglês Stephen Hawking), elas não são igualáveis às dos baratos livros de bolso da “Biblioteca Cosmos”.
Até porque não são demasiados (são 15), convém enumerar, por ordem de “entrada em cena”, os autores portugueses da colecção “Ciência Aberta”:
- O físico Jorge Dias de Deus, autor do número 11 “Ciência, Curiosidade e Maldição”, e também dos números 101 “Viagens no Espaço-Tempo”, 130 “Da Crítica de Ciência à Negação de Ciência”, e 142 “Einstein… Albert Einstein” (este em colaboração com Teresa Peña).
- O químico Sebastião Formosinho, autor do número 22 “Nos Bastidores da Ciência”.
- O físico autor destas linhas, autor do número 64 “Universo, Computadores e Tudo o Resto”, do número 120, “A Coisa Mais Preciosa que Temos” e do número 145 “Curiosidade Apaixonada” (tem também “Física Divertida” e “Nova Física Divertida” na colecção “Aprender / Fazer Ciência”).
- O médico João Lobo Antunes, autor do número 80 “Um Modo de Ser” (que, entre outros méritos, lhe valeu o prémio “Pessoa” do jornal “Expresso”).
- O físico João Varela, autor do número 83 “O Século dos Quanta”-
- O físico António Manuel Baptista, autor dos números 85, 97, 116 e 133, intitulados respectivamente “A Primeira Idade da Ciência”, “A Ciência no Grande Teatro do Mundo”, “O Discurso Pós Moderno Contra a Ciência” e “Crítica da Razão Ausente”.
- O já referido Bento de Jesus Caraça.
- O matemático Jorge Buescu, autor do número 113, “O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias” e do número 126 “Da Falsificação dos Euros aos Pequenos Mundos” .
- O biólogo António Amorim, autor do número 122 “A Espécie das Origens”.
- O físico João Magueijo, autor do número 127 “Mais Rápido do que a Luz” (tradução do original inglês; essa tradução, de Paulo Ivo Teixeira, valeu ao seu autor, “ex-aequo”, o prémio União Latina/ Fundação para a Ciência e Tecnologia para a melhor tradução técnico-científica em língua portuguesa no ano de 2004).
- O físico Manuel Paiva, autor do nº 136 “Como Respiram os Astronautas”.
- O físico luso-brasileiro Orfeu Bertolami, autor do nº 146 “O Livro das Escolhas Cósmicas”.
- O médico Luís Bigotte de Almeida, autor do nº 148 “A Idade não Perdoa?”
- O engenheiro Joaquim Marques de Sá, autor do nº 154 “O Acaso”.
Deve ainda destacar-se a publicação nos últimos tempos de várias colectâneas de textos de autores portugueses, nomeadamente (indica-se entre parêntesis o coordenador): “Fronteiras da Ciência” (Rui Fausto, Carlos Fiolhais e João Queiró), “O Código Secreto” (Margarida Telo da Gama”), “Despertar para a Ciência”, “Tempo e ciência” (Rui Fausto e Rita Marnoto) e “Descobrir o Universo” (Teresa Lago).
Ressalta a maior presença das ciências físicas, seguida das ciências biológicas e médicas, ficando em lugar secundário a matemática (que na Gradiva dispõe de uma colecção própria, “O Prazer da Matemática”, as ciências da terra e as tecnologias).
Entre os títulos traduzidos há naturalmente insistência em Hubert Reeves, com seis volumes (além de “Um Pouco Mais de Azul”, “A Hora do Deslumbramento, “Últimas Notícias do Cosmos”, “Poeira de Estrelas”, “O Primeiro Segundo”, “Aves, Maravilhosas Aves” e “A Agonia da Terra”), e em Carl Sagan, o campeão da colecção com oito volumes (depois de “Cosmos” surgiram “Os Dragões do Éden”, “O Cérebro de Broca”, “O Caminho que Nenhum Homem Trilhou”, “Sombras de Antepassados Esquecidos”, “Um Mundo Infestado de Demónios” – um dos melhores manifestos em favor da cultura científica -, “Biliões e Biliões” e “As Ligações Cósmicas”). Outros autores com a honra de terem vários volumes na “Ciência Aberta” são o biólogo norte-americano Stephen Jay Gould (“O Polegar do Panda”, “Quando as Galinhas Tiverem Dentes”, “O Sorriso do Flamingo”, “A Vida é Bela”e “Full House”), o químico belga Ilya Prigogine e Prémio Nobel da Química (“A Nova Aliança”, “Entre o Tempo e a Eternidade” e “O Fim das Certezas”), e o físico norte-americano Richard Feynman e Prémio Nobel da Física (“Está a Brincar Sr. Feynman!”, “O Que é uma Lei Física”, “Nem Sempre a Brincar Sr. Feynman!”, “O Significado de Tudo” e “O Prazer da Descoberta”). Conclui-se da predominância, entre os autores estrangeiros, de temas das ciências físicas, uma tendência que parece por isso ser não só nacional como internacional. Mas há uma recente ênfase nas ciências biológicas…
No ano de 2000 a colecção “Ciência Aberta" celebrou a ultrapassagem da centena de títulos com o volume 109 “Goedel, Escher, Bach. Laços Eternos”, que esteve para ser o número 100, do cientista computatacional norte-americano Douglas Hofstadter. É um volume maior do que os restantes tanto no formato de capa como no número de páginas... Esse livro, prémio Pulitzer, é considerado a melhor obra de não-ficção publicada no século passado. O editor Guilherme Valente aproveitou a oportunidade desta edição a vários títulos extraordinária (nomeadamente, as dificuldades de tradução) para exprimir o seu reconhecimento a uma mão-cheia de colaboradores, entre os quais “muitos amigos ligados à ciência e empenhados na cultura científica” e para publicar, com indisfarçável orgulho, o quadro de pessoal e colaboradores da Gradiva.
A colecção “Ciência Aberta”, passados sete anos desde o número 100, está bem e recomenda-se, caminhando a passos largos para o número 200. O propósito é o de vulgarizar esse grande empreendimento humano que é a ciência. Neste início do século XXI o panorama do cultivo da ciência é, entre nós, bem diferente do que foi nos anos 40, na altura da editora “Cosmos”. Muitos jovens portugueses, espalhados por numerosas escolas, institutos e laboratórios, integram hoje o esforço internacional de compreender melhor o mundo. Por várias razões, que entroncam todas na situação política que então se vivia no nosso país, a colecção “Cosmos” não conseguiu gerar um movimento que elevasse a ciência portuguesa. Mas, num clima de liberdade, a colecção “Ciência Aberta” tem conseguido formar a justamente chamada “geração Gradiva”, uma plêiade de jovens leitores, que leram os livros da Gradiva e escolheram o estudo das ciências e uma carreira científica. Eles são em grande parte responsáveis pelo presente e têm nas suas mãos o futuro da ciência portuguesa. Este facto, se outros não houvesse, bastaria para mostrar que a cultura científica é tão indispensável à ciência como a ciência é indispensável à cultura científica.
6 comentários:
Boa posta! E excelente escolha para ilustrar a posta!
Eu sou da geração gradiva, a geração que cresceu a ler Carl Sagan!
Na minha adolescência gradiva e saganiana fui à Malaposta ver a Ann Druyan e o Mariano Gago. Ajudou a consolidar a decisão por um curso científico :)
A Gradiva não ortganizou uma homenagem a Sagan com a Ann Druyan?
Joana
Sim, organizou, e eu pude dizer à Ann o que queria ter podido dizer ao Carl: "Obrigado, deste-me o universo".
Eu também estive nessa homenagem a Carl Sagan em
Aveiro. Lembro-me que falei cinco minutos e a Ann, viúva do Crl, que não sabe uma palavra de português,
disse-me no fim que percebeu tudo.
É tempo de fazer uma outra homenagem, agora que passaram 10 anos sobre a morte do nosso herói e que a Gradiva está prestes a publicar um novo livro dele... A propósito: se telefonarem
à editora, verão (ou melhor, ouvirão) que a música de espera foi
substituída pela voz do nosso "herói".
Carlos Fiolhais
A homenagem em que eu estive foi na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, na Caparica.
Profs Fiolhais e Desidério:
Muito obrigado pelas informações. Espero que avisem aqui no blog se houver outra homenagem a Sagan.
Não sei se Guilherme Valente ou a Gradiva tiveram já o seu trabalho reconhecido oficialmente, mas com tanta condecoração indevida que por aí vai é lamentável que ninguém se tenha lembrado dos serviços relevantes que a Gradiva, a "Ciência Aberta" e G. Valente já prestaram ao país com a qualidade das suas escolhas. Gostaria um dia de me poder orgulhar de ter a Colecção completa. Do melhor que se publicou em Portugal. Esta homenagem é mais do que merecida.
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