A primeira explicação convincente da evolução de comportamentos sociais, como o altruísmo, muito comum no reino animal (e não só, como veremos) com os já referidos artigos de Hamilton originou uma verdadeira revolução biológica, centrada no campo da etologia. A sociobiologia, a disciplina que Hamilton «fundou» - e tema central do best-seller de Richard Dawkins «O Gene Egoísta» - afirmou-se com cientistas como Robert Trivers, um biólogo evolucionista que propôs a teoria do altruísmo recíproco, e John Maynard Smith. Os autores referidos tentaram responder à pergunta: se cada indivíduo maximiza os seus benefícios através do comportamento egoísta, por que razão algumas espécies evoluíram através de um mecanismo de trocas altruístas?
O trabalho destes cientistas deu uma base evolucionista à compreensão das actividades sociais dos humanos, nomeadamente questionando o dualismo cartesiano res cogitans e res extensa e propondo uma base biológica para comportamentos altruistas e sentimentos como a compaixão. A psicologia evolutiva assenta no reconhecimento que à medida que pressões selectivas específicas condicionaram a evolução do nosso cérebro, essa evolução traduziu-se numa evolução de comportamentos. E determinados comportamentos, como o altruísmo, representam um trunfo evolutivo para o homem. Isto é, reconhece que tal como as capacidades cognitivas, as capacidades comportamentais, nomeadamente morais, decorrem da nossa evolução biológica.
Trivers deu igualmente um contributo importante para percebermos os mecanismos biológicos subjacentes ao auto-engano que descreve como uma ferramenta para manipulação social. Como Trivers observou, a principal função do auto-engano é enganar mais facilmente os outros. A pessoa que se auto-engana julga falar a verdade, e acreditar na própria história permite-lhe ser ainda mais persuasiva.
A revista Seed oferece-nos este momento ímpar em que Trivers e Chomsky, que dispensa apresentações, discutem o papel do auto-engano e da mentira numa série de comportamentos humanos, desde impressionar os membros do sexo oposto às invasões do Afeganistão pela URSS, do Koweit por Saddam ou do Iraque pela administração Bush. Para quem estiver interessado a transcrição do debate encontra-se aqui.
9 comentários:
Julgo que apagou o meu comentário por se sentir visada na crítica que faço ao entrevistado do seu post. Ora isso é puro auto-engano, já que não é a sua simples convicção de estar no plano dele que vai impressionar os machos aqui presentes.
Em todo o caso, ficam as minhas desculpas por não me ter feito entender.
Seria interessante convidá-los para proceder a uma análise colectiva dos membros do actual Governo Português.
Chomsky iria adorar Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues.
Na minha pobre opinião, Trivers e Chomsky não disseram mais que Juvenal não tenha dito há perto de 20 séculos: "... hoc volo sic jubeo, sit pro ratione voluntas".
Desculpem a "latinada" e a minha intromissão.
Latinista
a quem interessar possa :
A página dO primatólogo Franz de Waal disponibiliza bibliografia de estudos "laboratorias" que documentam que animais preferem ser menos recompensados do que calcular que pelo seu comportamento podem evitar sofrimento de outro .
De algumas religiões se parece poder falar de altruísmo, tal como a budista, a cristã. Mas se falássemos também em termos evolutivos, quantos falsos altruístas beneficiam do altruísmo dos outros ? ( isto é complicado, começo a aprender um pouco, mas não sei muito )
Daqui a poder falar-se em análise evolutiva da religião vai muito...
Palmira:
é cada vez mais evidente a estratégia dos criacionistas na europa. as tuas suspeitas sobre a função dos debates com a comunidade científica vêm-se confirmando, como dei conta nesta notícia sobre o que passa em frança:
Cientistas da França rejeitam criacionismo americano e islâmico
A natureza evolui mais pela cooperação que pela competição
(http://homoclinica.blogspot.com/2007/01/natureza-evolui-mais-pela-cooperao-que.html)
Está matematicamente provado que o princípio da Winner-Less Competition (WLC) é eficaz na natureza.
“Nature's advantage comes from the way neurons interact. In their winnerless competition, no neuron gains an advantage over any other, which keeps the system as a whole coordinated in the face of random signals, or noise […] The system is also robust, meaning it cannot be easily thrown off, because this structure is inherently self-correcting, […] The same winnerless competition principle works to balance animal populations that are competing for a territory or food.”
“Such coding uses ‘winner-less competitive’ (WLC) dynamics, in contrast to the well known winner-take-all competitive (WTA) networks.”
Relacionado com isto, Fábio Chalub falou, em 27.01.2007, sobre "A Matemática do Bem e do Mal" numa palestra organizada pela Sociedade Portuguesa de Matemática em conjunto com o Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva. (http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=17407&op=all): «Em muitas situações puramente competitivas a sobrevivência de um indivíduo está intrinsecamente relacionada à sua capacidade de desenvolver relações sociais. Esta é a ideia inicial do estudo da evolução da cooperação, um tema clássico em Teoria da Evolução, que estuda como comportamentos aparentemente altruístas podem surgir em ambientes puramente competitivos. Comportamentos cooperativos podem ser fruto da Evolução mas um juízo de valor sobre estes comportamentos surge também naturalmente. Assim a evolução não diz apenas «o que se faz», mas também o que se deve fazer».
é pessoal vamos lá falar linguagem acessivel aos cidadãos...
pretenciosos... (e isto não é latim)
Belíssimo artigo e um excelente diálogo... eu o digo!
Além do mais, estas novas noções no campo da etologia vêm reforçar a ligação da ciência com a ética e a religião, já que aqui é absolutamente primordial a questão da compaixão!
Logo, "amar o próximo como a ti mesmo" é uma lei universal assim a esmo!
Quanto à mentira, isso tem muito mais que se lhe diga, já que radica no insuficiente auto-conhecimento ou consciência de si.
Mas fico-me só por aqui...
Rui leprechaun
(...que o gene altruísta ri! :))
Auto-engano: deixa-me rir antes que me esqueça... só se estamos a falar de pessoas com distúrbios mentais na área das «...oses» ou das «...ias».
Abram a pestanha e verão a maneira como se deixam (auto-)enganar (ainda que inconscientemente) por todas estas patranhas pseudo-científicas do pós-modernismo -- que são os sinais dos tempos deste mundo sem referências válidas (ou melhor, esquecidas) para uma sociedade em que cada um saiba refletir de «per si» sobre si mesmo e sobre o mundo que nos rodeia.
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