Novo texto de João Boavida, na sequência de anteriores sobre a vivência no Ensino Superior.
Uma professora universitária que conheço, experiente, competente, dinâmica, desempoeirada e, além disso, pessoa brilhante e de grande qualidade moral, anda desanimadíssima dizendo que não pode mais com muitos dos alunos que tem agora. Conversam continuamente nas aulas, não ligam nenhuma às advertências, não sabem coisas elementares nem mostram interesse em saber e são até insolentes e grosseiros. De tal modo que já uma vez ou outra abandonou a aula por não poder suportar mais o ambiente. E não são alunos do 1.º ano, mas do mestrado pós-Bolonha, ou seja, são licenciados e com vários anos de Faculdade.
Não sei se o quadro é geral, mas não será único e sei que, neste caso, não é por deficiência da professora. Ora, isto é um alarmante sinal de que a nossa crise é ainda mais profunda do que se diz. Sempre houve alunos desleixados e poucos dados ao estudo - a boémia académica está cheia de estudantes bragantes e de inúmeras histórias de uma certa “jumentude esturdiosa”. Mas eram muito menos que hoje e tinham educação, o que permitia que as coisas funcionassem e os maus não impediam os outros de aprender, como hoje acontece.
Era inevitável, dirão os professores do Básico e do Secundário, já há alguns anos que eles estão a passar por nós, teriam que chegar às universidades. Não era possível que os alunos se tornassem educados e trabalhadores de um dia para o outro e só por terem entrado no ensino superior. Mas como é possível desenvolver um país quando muitos jovens licenciados entram na vida prática sem formação científica, cultural e humana, porque a recusam? Eis a maior de todas as crises.
João Boavida
sábado, 6 de novembro de 2010
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11 comentários:
E, atenção, Professor João Boavida, pelo que se vê nas escolas secundárias, a tendência nos próximos anos será para piorar.
Para ser eufemístico digo que temos semeado ventos...
Oxalá esteja redondamente enganado.
E se assim for, não me poupem nas críticas ao pessimismo...
Hoje já se assiste a alunos serem "convidados" a sair das aulas em universidades públicas. São ainda casos isolados, mas já acontecem. Todavia, não me recordo de, há 10 anos atrás, de alunos a serem expulsos das salas de aulas no ensino superior.
Quanto ao caso acima descrito julgo poder dizer, a partir do conhecimento limitado de várias instituições universitárias com as quais contacto, que o fenómeno é geral e crescentemente preocupante. Naturalmente que não posso generalizar. Gostava de ouvir outros testemunhos.
PJ
Temos que acabar com o Sistema Monetário da face da Terra, nunca haverá República sem um sistema de Crédito, ou seja, o Estado tem que produzir o seu próprio dinheiro e nunca estar a pagar juros para alguém o produzir. Ou criamos um Homem, com espaço para o ser ou só nos restará um animal desumanizado, sem moral nem inteligência.
Isto assim é um orgia sem fim, cada vez mais negra.
Na minha Universidade existe algum ruido nas aulas mas normalmente não chega para prejudicar quer quer ouvir. Quando as conversas sobem de tom, um aviso do professor costuma chegar mas já vi alguns convites para sair (2 ou 3 num ano lectivo).
Uma coisa que se está a tornar frequente nas escolas básicas e secundárias é as boas turmas serem também indisciplinadas. Mesmo quando não existem comportamentos muito graves, há algum burburinho e conversas em voz baixa - o que obviamente prejudica as aulas, principalmente se acontece sistematicamente.
Muitos professores relativizam isso e quando outros professores combatem esses comportamentos ficam isolados - diante do Conselho de Turma, da direcção, dos alunos...
"De tal modo que já uma vez ou outra abandonou a aula por não poder suportar mais o ambiente."
Espero que tenha a respectiva falta marcada com a correspondente diminuição do salário.
Estamos na presença de uma falta de profissionalismo gritante. Esta senhora não se deve comportar como uma criança amuada.
Parte I
Como professora considero que todos os jovens são educáveis e será sempre possível educá-los se assim nos dermos a esse trabalho (embora alguns nos dêem mesmo muito trabalho e o desgaste seja tremendo).
Como costumo dizer aos meus alunos, uma aula não é um concurso a "miss simpatia". Não estamos ali para sermos simpáticos (eu não sou mãe, amiga, tia ou irmã), mas para aprendermos e crescermos como pessoas. Isso não significa que na aula não se desenvolva o prazer (mas, o prazer de aprender, de se ser bom no que se faz, de se ser rigoroso e de se conseguir superar os nossos limites), que não se ria, que não haja, por vezes, lugar ao lúdico, contrabalançado com a seriedade dos objectivos que se pretendem com uma atingir estratégica mais lúdica. Significa apenas que não se deve perder de vista o lugar do aluno e o lugar do professor, que é o papel de instrutor (o professor deve sempre saber mais do que os seus alunos e não tem de impor o que sabe, mas tem que alicerçar a sua autoridade no que sabe) e de educador (o professor tem de ter convicções fortes sobre a sua missão e capacidade de educar os alunos, de lhes apresentar valores e modos de ser desejáveis em sociedades democráticas e de agir para com os seus alunos de modo justo, tolerante com limites, educado, humano; no princípio platónico de que é justo o homem que sofre uma acção justa).
Por isso, quando uma mãe, membro da Associação de Pais me diz, a propósito do tal burburinho de aula, daquilo a que chamo de indisciplina leve, mas que considero intolerável em sala de aula, que no ensino secundário já não podemos educar os alunos, respondi-lhe que não podia estar mais enganada. O que acontece é que com um adolescente eu não me limito a impor regras de boa conduta social e humana, eu tenho também a obrigação de desenvolver nos alunos uma reflexão crítica sobre os fundamentos morais e éticos da sua acção e, com isso, levá-los a interiorizar a necessidade de regrarem o seu comportamento. Isso resulta com todos os alunos? Não. Se para alguns temos mesmo de lhe dizer clara e directamente: está calado, guarda o telemóvel, pega na caneta e escreve, onde está o caderno diário? E se amuar, amua e se faz queixa de mim aos pais e à Direcção, que o faça. Como disse, não estou num concurso de "miss simpatia" e eu não tenho qualquer problema com a qualidade científica, pedagógica e humana das minhas aulas.
IB
Parte II
Como refere o participante Carlos Pires, educar os alunos e impor regras de comportamento social e humano é cada vez mais difícil porque, para além dos alunos, temos de lutar também com os nossos colegas de profissão, mas, sobretudo, com os pais. Os pais desta geração são também filhos de uma sociedade cada vez mais permissiva, que infantiliza os filhos e os protege de uma forma extraordinária. Assim, a imposição de regras e a exigência de um trabalho rigoroso é, muitas vezes, feita em luta também com os pais.
Enfim, penso que é um assunto que exige reflexão da nossa parte, mas também acção. Não basta apenas identificar os problemas é necessário também termos a coragem de impor a acção. E, não se pense que o problema é de agora. Há 20 /30 anos também havia alunos mal educados, turmas barulhentas, turmas com 30 alunos e assim sucessivamente. Tal como na altura, o que é necessário é ter uma convicção forte do papel educador do professor. Como professora, há 20 anos tive turmas e alunos extremamente insubordinados, mal educados, preguiçosos, etc. (só que, a maior parte deles não chegou à Universidade) e, como aluna, há 30 anos estive numa turma absolutamente indisciplinada, cujo comportamento era execrável com os professores que não sabiam impor a sua autoridade científica (em primeiro lugar) e humana (em segundo lugar). Mas, desta turma, chegámos 3 à Universidade. Porém, éramos os mesmos nas outras aulas e nem se ouvia uma mosca.
Indagados sobre as questões da indisciplina há dois anos atrás, muitos alunos da minha escola não tiveram qualquer problema em dizer-nos face a face: a responsabilidade da indisciplina leve, mas permanente em sala de aula, é dos professores. E acrescentaram: em determinadas aulas nem uma mosca se ouve quando se está em trabalho individual ou o professor expõe; na aula seguinte, a mesma turma está numa algazarra tremenda.
No primeiro ano da escola onde estou, há 9 anos, um dia uma turma, habitualmente bem comportada e com um bom ambiente de aula para a aprendizagem, entrou na sala de aula de forma completamente indisciplinada e não havia meio de se calarem. Perguntei o que se passava. Responderam: vamos ter teste e sempre que isso acontece a aula imediatamente antes não existe. Respondi-lhes: nem pensar. Na minha aula isso não acontece. E não aconteceu mais ao longo do ano. Assim como não acontece na minha aula os alunos estarem a estudar para o teste da aula seguinte ou a fazerem o trabalho de casa de outra disciplina. Tal coisa nem lhes passa pela cabeça. Mas, alguns colegas queixam-se que os alunos lhes pedem para fazerem nas aulas deles os trabalhos da minha disciplina (!!!?????).
Portanto, a minha questão é: o que se pode fazer na Universidade quando a indisciplina chega à sala de aula? O que se pode fazer quando a indisciplina que o senhor João Boavida refere acontece em qualquer reunião de trabalho, onde as pessoas atendem telemóveis, falam em surdina umas com as outras, se interrompem sem ouvirem até ao fim? O que fazer quando o professor atende o telemóvel na sala de aula, masca pastilha na aula, sai da aula para fumar... O que quero dizer com esta última provocação é que este é também, infelizmente, o comportamento de muitos professores.
IB
Saúdo o inteligente, culto e sensato comentário da IB. A descrição que faz e respectivas interpretações coincidem com a minha percepção sobre este assunto.
PJ
No bom espírito científico, convém perguntarmo-nos se:
a) Isto não terá sido sempre assim?
b) Haverá forma de estudar objectivamente se a indisciplina tem aumentado, para lá das impressões de cada um de nós? (Haverá estudos?)
c) Se sim, quais as soluções?
d) Não haverá sempre um núcleo de alunos interessados, que se tem mantido ao longo dos tempos, para lá das enchentes e democratização do ensino, democratização essa que, apesar de tudo, pode ter contribuído para aumentar, em termos absolutos, esse núcleo? (Pois há alunos interessados mesmo em meios e famílias que, há uns 40 anos, não tinham acesso ou não queriam ter acesso ao ensino superio.)
São perguntas, num espírito de contra-argumento científico, para testar e questionar a hipótese: "a indisciplina no Ensino Superior tem aumentado".
E que tal as universidades começarem a fazer o que lhes compete: seleccionar os alunos que as frequentam?
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