quarta-feira, 8 de abril de 2020

UM ENSINO NOVO

“Reivindicar direitos sem proclamar obrigações é querer o impossível, é jogar à utopias ou às catástrofes” ( Raymond  Pulin).

Reportando-me ao sistema educativo nacional na actualidade, nele acoita-se muitos dos enganos de uma alvorada que canta hinos de louvor à novidade.

O novo é deixar que o sindicalismo tome em mãos ávidas  o comportamento  ético dos docentes,  em que outras profissões, de idêntica ou menor exigência, ele é tutelado por ordens profissionais.

O novo é haver manuais escolares em que a “bonecada” se sobrepõe em larga escala ao texto escrito.

O novo é mudar os programas de ensino sem sequer  ter experienciado devidamente os anteriores.

O novo novo é deixar passar alunos ignorantes.

O novo  é congelar os vencimentos do professores tomando-os por nababos que podem alugar casas longe da sua residência.

O novo  é os professores adquirirem da sua magra bolsa um monte coisas para tornar o ensino numa girândola de foguetório  festivo para a "malta" se distrair da sua obrigação de estudar a matéria que exige  esforço em ser aprendida.

O novo é fazer dos computadores uma parafernália de coisas a eles ligadas, como sejam a docência à distancia sem a empatia entre professor/aluno e vice-versa, criar amizades inconvenientes ou mesmo perigosas no facebook, sei lá  que mais correndo-se o risco não de os computadores pensarem com nós, mas nós pensarmos como os computadores, como nos adverte  Erich Fromm. 

O novo é mudar de compêndios escolares  todos ou quase todos os anos, quando bastava referenciar as pequenas  mudanças havidas numa simples anotação a lápis nas margens dos livros anteriores para não transformar essa mudança num negócio de livreiros.

O  novo é uma carreira docente em que se sobrevalorizam professores  menos habilitados e se desvalorizam  os mais habilitados como coisa de somenos importância e não como se “a  pior forma de desigualdade não fosse fazer de duas coisas diferentes duas iguais" (Aristóteles).

O novo é “ensinar-se pouco, educar-se menos e exigir-se quase nada”, segundo a Associação Comercial do Porto.

O novo é distribuir diplomas, que não valem um chavo, através  das Novas Oportunidades.

O novo é um ensino superior privado (com raras excepções ) qual padaria que vende pão mal cozido e roubado no peso.

O novo é utilizar, a eito e sem jeito,  o corrector de erros dos computadores responsáveis por uma escrita manuscrita em que em cada três palavras são dados dois erros ortográficos. 

O novo é o professor perguntar algo a um aluno da matéria dada nas aulas  e ter como resposta, um momento vou ver ao Google (  já baptizado  de “doutor  Google”).

O novo, como outros novos  que ficaram no teclado do computador, é assistir-se a tudo isto com a complacência criminosa de que tudo corre bem no ensino de um país  com um longo e meritoso historial  de escritores como Eça (meu autor de mesinha de cabeceira  de noites insones)  e uma poetisa da sensibilidade de Sophia de Mello Breyner e com isenção política: "Não se pode criar em nome do antifascismo um novo fascismo".

Os exemplos aqui apresentados foram enunciados, como diria Eça, ao correr da pena, substituída pelo teclado do computador sem a preocupação de os ordenar em função da sua importância , unicamente com o intuito de chamar a atenção do leitor para a existência de um mundo novo em  que, tomando de empréstimo palavras de Allain Bhates, "há um erótica do novo sendo o antigo sempre suspeito".

Neste mundo novo quando morre um velho é uma experiência de vida que se apaga tenha sido ela um clarão luminoso ou uma simples luz bruxuleante! No  provir quando morrer um velho é um computador que muda de mãos ou é lançado para o lixo.

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”,  em versos do nosso épico maior. Com tantas novidades chego a dar  graças a Deus em poder ser havido como um “velho do Restelo”, ou mesmo um jarreta,  inadaptado a um mundo novo, nem sempre um "Admirável Mundo Novo" na  utópica previsão de  Aldous Huxle!

5 comentários:

Rui Ferreira disse...

Até dói de tanta sobriedade.
Em meu entender, a clarividência do texto é incompatível num sistema infectado de mediocridade. Mais, o texto vai parecer a muitos o Adamastor que é preciso liquidar. Tenho muita pena dos (meus) alunos. É uma irresponsabilidade o que lhes estamos a fazer na escola. Não tenho dúvidas.
Sobre esta temática existe algo que eu nunca irei entender: como é que tanta gente bem-pensante que defende a novidade foi, precisamente, educada e instruída segundo o modelo tradicional que tanto combatem? Este modelo de ensino (que se desenvolve naturalmente também com o novo) está perfeitamente testado e já deu provas do seu valor. A evolução que assistimos hoje nos vários sectores da sociedade foram conseguidos com esse modelo. É por este facto que considero ser uma irresponsabilidade todo este deslumbramento com o novo. Isto já para não falar dos atropelos, principalmente pedagógicos, que este novo "novo" comporta.

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista;

São os sinais de uma sociedade depravada, dita de gente civilizada que, injustamente, não paga na mesma moeda a utilidade que retira do trabalho das classes pobres.
Por isso, a selecção, é necessariamente injusta, e dá-se em primeiro lugar no Ensino. (E como se faz essa injustiça? Faz-se, parece-me, muito à custa do Ensino Novo que descreveu).
É bem certo que aqueles que são, os menos capazes (aqueles em que as expectativas excedem as suas reais capacidades) têm incutidas as aspirações, que não é o trabalho manual que é mal remunerado, e lutam sob todas as vestes (licitas ou não!) pelos lugares de direcção na sociedade.
Mas o que não se pode, porque é injusto, é distrair irremediavelmente com “bonecada” aqueles que são os mais capazes e competentes ao ponto de eles não desenvolverem as suas altas potencialidades e capacidades.
Será possível existirem pessoas que contestem a utilidade do Ensino exigente e sério que sirva a todos? É evidente que não.

Cumprimentos,

Mestres disse...

Feliz Páscoa!
https://www.youtube.com/watch?v=GvsEqthCTxU

Rui Baptista disse...

Sobre mediocridade tenho sempre presente a opinião de João Lobo Antunes, antigo professor catedrático de Neurocirurgia, falecido há anos, quando escreveu com a sua pena de ouro que me levou a uma espécie de devoção em ser leitor assíduo dos seus livros. Ecreveu ele de uma forma que tenho por lapidar: “Em Portugal, a mediocridade é a lei!”.

Esta sede, que não água que a mitigue da novidade é contrariada por Bachelard: “No reino científico, é à organização das ideias antigas que devemos chamar ideias novas”. De igual modo, este lema deve ser tomado em linha de conta no tropel desatinado de reformas a que se seguem reformas, sem avaliar previamente as virtudes ou os defeitos das antigas. tão-só,com o intuito político de obra nova, ainda que pouco asseada tendo como destino político o ineditismo de mostrar obra de encher o olho dos seus correligionários.

Como escreve, e eu subscrevo por baixo, este estado de coisas leva-me a ter muita pena dos alunos. Aqui a essência delorida deste meu post para que os alunos não sejam balões de ensaio de tanto despautério.

Obrigado pelo seu comentário com os votos de uma boa Páscoa na medida do (im)possível em face da quarentena que nos foi, e bem, imposta ainda que tardiamente,

Rui Baptista disse...

Engenheiro Ildefonso Dias:

Começo por me servir de uma frase do Professor Jesus de Bento Caraças, por si citada, e que muito me marcou a ponto de eu a citar de memória com o risco de a não ter como “ipsis verbis” que a minha provecta idade serve de desculpa mesmo que esfarrapada.

Escreveu esta destacada figura da vida nacional, no seu tempo: “Eu não tenho medo de errar por estar sempre pronto a corrigir os meus erros”! Grande lição de humildade neste mundo de dogmas que não admite contradições.

E este facto é tanto ou mais de admirar em indivíduos de esquerda (ou melhor dito, esquerdóides) que se apressaram a querer fazer crer que na ex-União Soviética o ensino obedecia ao facilitismo pessimamente copiado para o país mais ocidental da Europa, na obliteração de que este país, no extremo oriental europeu, se discutia, taco a taco, a supremacia na conquista do espaço exterior ao planeta terra.

O fim desonroso das escolas industriais, é tanto ou mais estranho num país, que antes de 25 de Abril, tirava dividendos da força produtiva do operariado especializado.

Refiro-me, obviamente, ao facto de uma das primeiras reformas feitas, depois desta data, foi acabar com o ensino técnico profissional que formou tantos e bem preparados técnicos de que sou testemunha presencial por ter leccionado, na antiga Lourenço Marques, durante 18 saudosos e profícuos anos na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, tendo merecido, ao longo de anos para cá, provas de respeito e amizade por parte de antigos alunos com que eu tenho sido honrado, embora correndo eu o risco, como diziam os antigos latinos, de “elogio em boca própria ser havido vitupério”.

Desta forma selectiva, no sentido negativo da expressão, querendo fazer da ocidental praia lusitana um país de “doutores”, ainda que só da mula ruça na linguagem popular, tão ao jeito de determinados políticos de meia tigela do nosso conhecimento com proventos rendosos, habituados a mandar bitaites televisivos ou nos jornais.

Claro que esta temática merece uma reflexão aprofundada e contraditória e séria num pais tradicional em que no princípio do século passado (1908), escrevia Manuel Laranjeiro, in O Norte”: “Num país onde a inteligência é um capital inútil e onde o único capital deveras produtivo é a falta de vergonha e a falta de escrúpulos – o diagnóstico impõe-se de per si”!

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