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"Ó infelizes, que loucura tamanha é esta, cidadãos?
Acreditais que os presentes dos Gregos estão isentos de astúcias?...
Ou os Aqueus se encontram escondidos neste cavalo de madeira ou esta máquina foi fabricada contra as nossas muralhas para inspeccionar as nossas casas e para vir por cima da nossa cidade, ou esconde algum engano... " — Virgílio, Eneida, II, 42-49.
Para conseguirem entrar na cidade há tanto tempo sitiada, os Gregos, seguindo o imaginoso e astuto Ulisses, recorreram ao estratagema do cavalo de madeira que, diziam, deixavam como presente a Minerva, antes da retirada. E foram os próprios Troianos, acreditando que o inimigo tinha desaparecido, que introduziram na sua cidadela esse "presente envenenado" que os levaria à destruição. Não bastou a palavra sensata e avisada de Laocoonte, alertando aqueles que acreditavam na "dádiva" a Minerva e a tentavam introduzir na cidadela. "Timeo Danaos et dona ferentes", dizia o sábio sacerdote, segundo o poeta Virgílio na sua Eneida, isto é, "Temo os Dânaos (os Gregos) mesmo quando trazem presentes".*
Vem isto a propósito da entrevista a Rana Foroohar de que aqui transcrevemos alguns passos em tradução. Pouco tempo antes da pandemia, a colunista e editora associada do ‘Financial Times’, publicou um livro - Don’t be evil - a que o modo de lidar com a pandemia deu redobrada pertinência. O tema central é o poder que as grandes empresas de tecnologias foram acumulando e as consequências sociais e económicas que daí advêm. Numa entrevista, assinada por Esteban Hernández, com o título que se pode ler acima e publicada no passado dia 16 de Abril (aqui), disse (os sublinhados são nossos):
O confinamento converteu as empresas ligadas às tecnologias em partes indispensáveis do nosso quotidiano, e muitas pessoas que não estavam habituadas a utilizá-las estão a adquirir esse costume. É por demais evidente que neste processo essas companhias estão a recolher uma enorme quantidade de dados sobre os nossos comportamentos e formas de pensar, que irão aproveitar e monitorizar de diversas formas. Elas são as grandes triunfadoras económicas deste apagão geral...
Todas as preocupações existentes antes do coronavírus sobre a privacidade e o uso dos nossos dados, a concentração corporativa e as grandes somas de dinheiro que dedicam a fazer lobby político desapareceram, e as pessoas estão viradas para os serviços que oferecem, desde a entrega de alimentos até ao teletrabalho.
As empresas maiores estão a aproveitar ao máximo o momento e utilizam-no para pressionar e conseguir mais poder e tomar o controle de novas áreas ligadas aos dados: um exemplo é a aliança entre a Google e a Apple para criar uma app que permita saber se estivemos expostos ao vírus rastreando os nossos movimentos e os nossos contactos.
Se não há limites nos poderes adicionais e aos dados que se lhes dão como resultado da crise, entraremos num plano inclinado muito escorregadio que terminará num Estado de vigilância estilo chinês nos Estados Unidos e também na Europa.
Isto e muito mais do que isto a que faz alusão pode, sublinha, "converter-se
facilmente numa corrida para o abismo". Acrescentamos perguntas: estamos, realmente, conscientes do que se passa? Poderemos fazer alguma coisa? Estaremos ainda a tempo de fazer alguma coisa?
Laocoonte avisou os Troianos, mas eles não quiseram ouvi-lo, as consequências são conhecidas.
Eis a apresentação do livro, onde não encontramos propriamente respostas, mas encontramos pensamento de que precisamos...
Isaltina Martins e Maria Helena Damião
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