São muitos os idosos em que o cérebro, repleto de informação e de experiência acumuladas ao longo de uma vida, assiste, consciente e impotente, à degradação física do respectivo corpo, o que, convenhamos, não é agradável.
Como resposta, busca e adopta comportamentos e actividades compatíveis com essa realidade incontornável.
Os idosos que, profissionalmente, exerceram intensa actividade intelectual e que o chamado limite de idade arrumou na irremediável condição de pensionistas, continuam, por muitos anos, intelectualmente activos.
É, pois, nesta classe de cidadãos que procuro situar-me, fruindo o dia-a-dia, com alegria de viver, fazendo por esquecer ou minimizando, com recurso à medicina, as artrites, as deficiências coronárias e demais mazelas próprias da chamada terceira idade.
Divulgar a ciência que cultivei, como geólogo e professor de geologia, foi a opção que tomei no sentido de tornar útil o meu tempo de pensionista.
Sem horário de trabalho fixado, o que aconteceu com a minha jubilação em 2001, sou dono de todo o meu próprio tempo, que reparto a meu belo prazer, e dele fazem parte, entre outras ocupações, transmitir, pela palavra escrita e falada, o que a vida em sociedade e a profissão me ensinaram, a par de uma intervenção cívica que entendo dever ter como cidadão atento.
É voz corrente ouvir-se dizer que “sempre que morre um velho, é uma «biblioteca» que se perde”. Importa, pois, que essa «biblioteca», enquanto viva, se abra aos que dela possam beneficiar.
Os textos que, com propósitos científicos e pedagógicos, de há muito venho divulgando, têm como destinatários preferenciais os professores que, nas nossas escolas básicas e secundárias, se debatem com falta de elementos que complementem os tradicionais e repetidamente estereotipados manuais de ensino. Visam, ainda, o cidadão comum, interessado em conhecer o chão que pisa e lhe dá o pão.
Não pretendo, longe disso, ensinar algo de novo aos meus pares, alguns deles bem mais entendidos do que eu nestas matérias. A esses, muitos deles meus ex-alunos, recorro, sempre que necessário, para que me esclareçam dúvidas, me aconselhem ou ensinem algo do muito que já sabem, estimulando-os a que, com o mesmo espírito de missão, a mesma simplicidade e igual humildade no que procuro transmitir, se disponham a divulgar a ciência que cultivaram.
Dei-me da minha condição idoso, há mais de vinte anos, em Drumheller, uma cidadezinha no despovoado território a norte do estado de Alberta, no Canadá, que vive, em parte, do suporte que presta às importantes escavações ali levadas a efeito por paleontólogos de todo o mundo, interessados em dinossáurios, e aos cerca de 250 000 visitantes/ano do mundialmente conhecido “Royal Tyrrel Museum”, detentor de uma das mais numerosas e variadas colecções de fósseis completos destes belos animais do nosso passado geológico.
Foi aqui, numa loja como aquelas que sempre aparecem nos filmes do Far West americano, que vende de tudo, dos alfinetes aos electrodomésticos, que a senhora que me atendeu e, ao fazer a conta, me perguntou a idade. Dada a resposta, abateu 10% no preço a pagar e, simpaticamente, acrescentou: "it‘s an old people privilege".
“Velhos são os trapos” diz muito boa gente, preferindo usar o termo idoso que, assim, se generalizou. Mas pior do que ser velho ou idoso é ser pensionista contra vontade, como no meu caso, estupidamente afastado do serviço activo e colocado na “prateleira” por imposição do “limite de idade”.
A solução foi continuar a escrever muitas horas por dia, indiferente a sábados, domingos, períodos de férias ou dias feriados. Isto porque os reformados estão sempre em férias e porque as férias servem para se fazer aquilo de que se gosta. Pude, assim, por ter mais tempo, produzir mais do que quando estava no activo.
A verdade é que, quando estou frente ao monitor, seguindo as palavras que, letra a letra, os dois indicadores vão dedilhando, num esforço de acompanhar e não deixar perder as ideias que fluem velozes, a verdade é que, dizia eu, não tenho idade, não tenho corpo nem coronárias entupidas e consigo esquecer os problemas que a todos afligem, em particular os que estamos a viver graças a um punhado de espertalhões a quem, ingénua e descuidadamente, fomos entregando a condução do nosso destino.
E, assim, o tempo se foi transformando em palavras sem que o tivesse visto passar.
A. Galopim de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário