Transcrição da fala de Maria de Sousa na 1.ª reunião do Conselho de Ciência da FFMS, em Lisboa, que, com autorização dos presentes, foi publicada no sítio dessa instituição:
"Chamo-me Maria de Sousa, sou professora emérita na
Universidade do Porto e julgava que ser emérito era não fazer nada... Mas tenho
algumas obrigações e continuo envolvida no programa graduado em áreas da
biologia básica e aplicada conhecido por GABBA. Também sou professora adjunta na
Cornell Medical School em Nova Iorque.
Queria agradecer o seu livro sobre a ciência em
Portugal porque, de facto, é extremamente útil, nós precisamos imenso de livros
como esse. Depois, gostava de falar daquela fantástica curva do crescimento do
número de investigadores - eu acho que é, de facto, uma curva espantosa. Eu só
tenho experiência na área das ciências da saúde e, portanto, conheço mais o que
aconteceu nessa área, e o que aconteceu foi que aquela curva é como é porque o
ministro da altura, o José Mariano Gago, fez um investimento em bolsas contra
tudo e contra todos. As pessoas diziam “Vão
para fora e depois não têm emprego para voltar, e não sei quê e não sei quantos.”
Os avaliadores diziam isso, e nós tínhamos uma série de estrangeiros nos
conselhos, e os estrangeiros também diziam o mesmo, mas ele não quis saber do
que eles diziam, ele viu que Portugal tinha valores baixíssimos de formação e
que tinha de investir na formação. Muito bem e como? É possível que haja alguma
resistência da universidade, vamos fazê-lo com institutos nas vizinhanças dela.
Portanto, temos hoje um grupo fantástico de investigadores. Como é que os
investigadores vão influenciar o desenvolvimento da universidade? Está a
universidade disposta a recebê-los? Este é o ponto mais importante.
Depois, há um segundo ponto, o da inovação, como é que as
empresas estão dispostas a recebê-los? E aplica-se o que acabou de dizer
relativamente aos que estão no estrangeiro e querem vir, e não vêm, ninguém
parece estar interessado em que venham. E isto liga-se com a luta da COTEC para
obter números, porque, de facto, há empresários, como todos sabemos, que não
têm qualificações, como o Carlos mencionou, que têm qualificações inferiores às
dos seus trabalhadores, alguns deles não falam inglês ainda hoje. De facto, há
um problema com a universidade, na sua relação com os novos investigadores e
com as empresas.
Portanto, chegamos à seguinte questão: O que vai influenciar
a universidade e as empresas a considerar que essas pessoas são as mais relevantes
para o seu desenvolvimento? Aí eu não sei, mas é uma coisa que me preocupa. Preocupa-me
sobretudo a universidade, sobre as empresas não tenho tanto conhecimento, só
sei que, naquelas que estão a incorporar doutorados e que encorajam doutorados,
como a Jerónimo Martins que encoraja os seus trabalhadores a melhorarem, creio
que não chegam a fazer doutoramentos, mas encorajam os seus empregados a fazer
mestrados, vemos o que vai acontecendo progressivamente. Bem, isso leva-nos, de
facto, à cultura científica e curiosamente eu acho que, na cultura, acabou por
se fazer mais progressos do que na universidade. E porquê? Porque é fácil mobilizar
crianças, e todos vimos o que foi a Noite dos Investigadores. O Pavilhão do Conhecimento
está sempre cheio de miúdos que querem aprender coisas, e portanto a decisão do
Carlos na área de educação de encorajar a ciência no pré-escolar é positiva. As
crianças levam tempo a crescer, não é?
O tempo é, de facto, uma dimensão muito
importante, e isso leva-me à questão do GPS, e eu acho essa iniciativa
fantástica, mas gostava muito de discutir o que as pessoas têm feito. Dei ao
Carlos Fiolhais um livro sobre os percursos dos nossos estudantes
pós-graduados, porque esse livro (Manoel, 2011, publicado pela Imprensa da Universidade
do Porto) retrata a nossa preocupação de fazermos um seguimento ao nível de um
programa graduado: saber onde é que os nossos alunos estão agora, para onde é que
foram, se querem ou não voltar, está ali tudo naquele livrinho; tais redes são
espaciais – esta pessoa está aqui e aquela está ali - mas eu gostava que a rede
fosse também temporal, e nesse aspecto gostava que a rede fosse para trás no
tempo. Uma das coisas que senti quando vim trabalhar em Portugal é que eu não
tinha história, ou pelo menos eu julgava que não tinha história na ciência, na minha
área das ciências médicas, e na filosofia (o livrinho sobre filosofia do Desidério
Murcho da colecção de Ensaios da Fundação é excelente, todos o deviam ler). De
maneira que eu gostava que o GPS fosse para trás, que as pessoas que estão lá
fora nos dissessem a que instituições é que pertenceram. Andaram, estiveram no
programa Carnegie Mellon, estiveram num projecto recente em Portugal, onde é que
estiveram? E, mesmo muito para trás, quer dizer, podemos incluir nesta rede o
século XVI, que é o meu século favorito, o tempo de Garcia de Orta…E Camões!"
Maria de Sousa
Maria de Sousa
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