quarta-feira, 15 de abril de 2020

Maria de Sousa no Conselho de ciência da Fundação Francisco Manuel dos Santos em 29/9/2012


Transcrição da fala de Maria de Sousa na 1.ª reunião do Conselho de Ciência da FFMS, em Lisboa, que, com autorização dos presentes, foi publicada no sítio dessa instituição:

"Chamo-me Maria de Sousa, sou professora emérita na Universidade do Porto e julgava que ser emérito era não fazer nada... Mas tenho algumas obrigações e continuo envolvida no programa graduado em áreas da biologia básica e aplicada conhecido por GABBA. Também sou professora adjunta na Cornell Medical School em Nova Iorque.

Queria agradecer o seu livro sobre a ciência em Portugal porque, de facto, é extremamente útil, nós precisamos imenso de livros como esse. Depois, gostava de falar daquela fantástica curva do crescimento do número de investigadores - eu acho que é, de facto, uma curva espantosa. Eu só tenho experiência na área das ciências da saúde e, portanto, conheço mais o que aconteceu nessa área, e o que aconteceu foi que aquela curva é como é porque o ministro da altura, o José Mariano Gago, fez um investimento em bolsas contra tudo e contra todos. As pessoas diziam “Vão para fora e depois não têm emprego para voltar, e não sei quê e não sei quantos.” Os avaliadores diziam isso, e nós tínhamos uma série de estrangeiros nos conselhos, e os estrangeiros também diziam o mesmo, mas ele não quis saber do que eles diziam, ele viu que Portugal tinha valores baixíssimos de formação e que tinha de investir na formação. Muito bem e como? É possível que haja alguma resistência da universidade, vamos fazê-lo com institutos nas vizinhanças dela. Portanto, temos hoje um grupo fantástico de investigadores. Como é que os investigadores vão influenciar o desenvolvimento da universidade? Está a universidade disposta a recebê-los? Este é o ponto mais importante.

Depois, há um segundo ponto, o da inovação, como é que as empresas estão dispostas a recebê-los? E aplica-se o que acabou de dizer relativamente aos que estão no estrangeiro e querem vir, e não vêm, ninguém parece estar interessado em que venham. E isto liga-se com a luta da COTEC para obter números, porque, de facto, há empresários, como todos sabemos, que não têm qualificações, como o Carlos mencionou, que têm qualificações inferiores às dos seus trabalhadores, alguns deles não falam inglês ainda hoje. De facto, há um problema com a universidade, na sua relação com os novos investigadores e com as empresas.

Portanto, chegamos à seguinte questão: O que vai influenciar a universidade e as empresas a considerar que essas pessoas são as mais relevantes para o seu desenvolvimento? Aí eu não sei, mas é uma coisa que me preocupa. Preocupa-me sobretudo a universidade, sobre as empresas não tenho tanto conhecimento, só sei que, naquelas que estão a incorporar doutorados e que encorajam doutorados, como a Jerónimo Martins que encoraja os seus trabalhadores a melhorarem, creio que não chegam a fazer doutoramentos, mas encorajam os seus empregados a fazer mestrados, vemos o que vai acontecendo progressivamente. Bem, isso leva-nos, de facto, à cultura científica e curiosamente eu acho que, na cultura, acabou por se fazer mais progressos do que na universidade. E porquê? Porque é fácil mobilizar crianças, e todos vimos o que foi a Noite dos Investigadores. O Pavilhão do Conhecimento está sempre cheio de miúdos que querem aprender coisas, e portanto a decisão do Carlos na área de educação de encorajar a ciência no pré-escolar é positiva. As crianças levam tempo a crescer, não é? 

O tempo é, de facto, uma dimensão muito importante, e isso leva-me à questão do GPS, e eu acho essa iniciativa fantástica, mas gostava muito de discutir o que as pessoas têm feito. Dei ao Carlos Fiolhais um livro sobre os percursos dos nossos estudantes pós-graduados, porque esse livro (Manoel, 2011, publicado pela Imprensa da Universidade do Porto) retrata a nossa preocupação de fazermos um seguimento ao nível de um programa graduado: saber onde é que os nossos alunos estão agora, para onde é que foram, se querem ou não voltar, está ali tudo naquele livrinho; tais redes são espaciais – esta pessoa está aqui e aquela está ali - mas eu gostava que a rede fosse também temporal, e nesse aspecto gostava que a rede fosse para trás no tempo. Uma das coisas que senti quando vim trabalhar em Portugal é que eu não tinha história, ou pelo menos eu julgava que não tinha história na ciência, na minha área das ciências médicas, e na filosofia (o livrinho sobre filosofia do Desidério Murcho da colecção de Ensaios da Fundação é excelente, todos o deviam ler). De maneira que eu gostava que o GPS fosse para trás, que as pessoas que estão lá fora nos dissessem a que instituições é que pertenceram. Andaram, estiveram no programa Carnegie Mellon, estiveram num projecto recente em Portugal, onde é que estiveram? E, mesmo muito para trás, quer dizer, podemos incluir nesta rede o século XVI, que é o meu século favorito, o tempo de Garcia de Orta…E Camões!"

Maria de Sousa

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