Passada que seja esta pandemia, que a todos assusta e que a muitos de nós calará para sempre, se não mudarmos grande número dos paradigmas que têm sido os nossos, não merecemos os cravos que os militares de Abril nos ofereceram.
Pergunto muitas vezes que infelicidade caiu sobre uma significativa parcela do nosso povo, que rejeita, com o sorriso da ingenuidade ou da iliteracia, tudo o que convide a pensar, a reflectir, com verdadeiro conhecimento de causa, sobre o mundo que o rodeia.
Um mundo, tantas vezes, nas mãos de políticos incompetentes e oportunistas de que a nossa sociedade está cheia, onde, de há muito, impera o vírus do futebol profissional e, agora, o dos admiráveis, tentadores e universalíssimos smartphones. Uma parcela que bebe toda a alienação que lhe é servida de bandeja por uma comunicação social, em grande parte, prisioneira de interesses ligados ao grande capital.
No que respeita o nível e exigência de ensino nas nossas escolas, não aprendemos nada com o ideal da Instrução Pública posto em prática na primeira República. No preâmbulo do Decreto de 29 de Março de 1911, lê-se:
“Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias”.
Cidadãos, diga-se, no verdadeiro sentido da palavra, tal como os gregos antigos a criaram nas suas “polis” (as cidade-estado, como Antenas, Tebas, Esparta e outras) para referir os “polítikoi”, ou seja, os homens livres e iguais, verdadeiros protagonistas da “demokratia” (palavra construída a partir dos elementos “demós”, povo, e “kratós”, poder) que ali se viveu e onde a fomos buscar.
Foi, ainda, na Grécia antiga que, por volta do século VI a.C., nasceu “philosophia”, outra palavra que anda na boca de toda a gente, mas que nem todos sabem que quer dizer “gosto ou amor pelo saber”, e que foi criada com base nos elementos “philo“ (amor, gosto, interesse) e “sophia” (saber, conhecimento).
Não são, pois, “polítikoi”, isto é, cidadãos no verdadeiro sentido da palavra, os mais de 50% de portugueses que de abstêm de exercer o dever cívico de votar, um acto elementar em “demokratia”.
Não aproveitámos nada da verdadeira liberdade, em democracia, que nos foi oferecida, de mão beijada, pelos capitães de Abril. Mais de quatro décadas, em que o “gosto pelo saber” foi institucionalmente substituído pela preocupação das estatísticas, visando o “sucesso escolar”. Recuámos, mesmo, em relação ao tempo de Salazar e Caetano.
Neste quadro decepcionante todos perdemos. Perdem os professores, amarrados que estão a ditames que não controlam, perdem os alunos e, em consequência, perdemos todos e perde Portugal.
A. Galopim de Carvalho
2 comentários:
O mais invasivo é que o "novo" ensino à distância exige computadores, scanners (digitalizadores), impressora e tinteiros, software e hardware, papel de fotocópia, plafonds de internet e tarifários telefónicos dos PROFESSORES (com números privados) para contactos com alunos e encarregados de educação e teletrabalho, assim como trabalho em plataformas de ensino interativo. Tudo às custas do pessoal a quem congelaram 7 anos e uns dias.
A ignorância por si só não suscita a procura do conhecimento. Tudo muito bem preparado e em marcha.
"O espectáculo cria um presente eterno em que a repetição contínua das mesmas pseudonovidades faz desaparecer toda memória histórica a fim de que nenhum acontecimento possa mais ser compreendido." Debord.
Hoje, dificilmente, com esta massa humana, o 25 de Abril não se faria. "Não merecemos os cravos que os militares de Abril nos ofereceram. Digo-o com tristeza.
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