quinta-feira, 19 de março de 2020

Uma nova biblioteca para Coimbra



Meu artigo saído na última revista Rua Larga (lembro que já há um plano para entregar boa parte do espaço da Penitenciária da Lisboa à Universidade Nova de Lisboa):

A Biblioteca Joanina foi concluída em 1728, após 11 anos de obras. O anexo ao antigo Paço Real, ao serviço da Universidade de Coimbra, foi erguido sobre uma prisão medieval, então em ruínas. O piso inferior foi adaptado para Prisão Académica. Pensando que a construção de uma biblioteca sobre uma cadeia poderia ser reeditada, propus em 2005, como Director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC), a transformação da velhíssima Penitenciária de Coimbra (abriu em 1901, após 25 anos de obras, tendo hoje condições indignas), numa nova biblioteca da Universidade, da cidade e do país, a que chamei «Casa do Conhecimento». A proposta foi acarinhada pelo Reitor Fernando Seabra Santos (que logo pensou em juntar a Biblioteca e Arquivo universitários na nova «Casa»), e pelo Presidente da Câmara Carlos Encarnação, que não só afirmou aos jornais que a ideia era «excelente», como fez um acordo com o Ministério da Justiça para a cedência de terrenos no Botão, de forma a construir uma nova penitenciária, dispondo-se a ajudar no financiamento. Os serviços da Câmara fizeram um desenho do lote da antiga penitenciária, que incluía um sector destinado a urbanização, preservando, obviamente no centro, a memória histórica do lugar.

A ideia não teve, até hoje, seguimento. Os reitores e edis mudaram e os seguintes deixaram de ter a mesma sensibilidade para as questões da cultura em geral e das bibliotecas em particular. No entanto, havia — e há! — razões de monta para dar a Coimbra um novo equipamento cultural. A BGUC estava — e está — a rebentar pelas costuras, graças a doações e às contínuas incorporações de depósito legal. O edifício da BGUC foi inaugurado em 1956, após um processo de planeamento e construção que durou 20 anos. O número de monografias e periódicos em Portugal sofreu, desde então, um aumento brutal, embora  ligeiramente mitigado nos últimos anos no suporte de papel. O número de utentes também cresceu extraordinariamente, assim como as respectivas necessidades. Muitos serviços das bibliotecas modernas não têm qualquer viabilidade no edifício actual. A transferência da BGUC para um sítio mesmo ao lado do Pólo I (na prática, o alargamento deste Pólo) resolveria o problema, podendo o antigo espaço servir para Biblioteca da Faculdade de Letras. Por outro lado, a Biblioteca Municipal de Coimbra, com um espólio muito rico, está desde há décadas na hoje muito degradada Casa da Cultura. Não teria de «andar» muito para brilhar com uma nova funcionalidade. Em muitas cidades estrangeiras, há bons exemplos de bibliotecas da Universidade e da cidade. A BGUC e a Biblioteca Municipal, bem articuladas, poderiam formar uma segunda Biblioteca Nacional, tal como em Itália (Florença) e em França (Lyon).

Um concurso arquitectónico internacional permitiria criar em Coimbra um novo equipamento que fosse uma grande âncora cultural e urbana para o século XXI (muito além de 2027), com uso das mais recentes tecnologias. Faria «univers(c)idade» e criaria uma faixa verde de Santa Cruz até ao rio. O Porto tem Serralves e a Casa da Música. Não quererá Coimbra ter alguma ambição?

Carlos Fiolhais
Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra

Este texto foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico, por vontade do autor.

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