domingo, 1 de março de 2020

O novo e fantástico "glocal"

"Há uma manifestação de fé na substituição do Estado educador pelo Município educador.
António Neto-Mendes, 2014, 9.

Atente-se nas duas notas ao lado, de um jornal regional - As Beiras. É interessante ver como a "narrativa global" da "educação do século XXI/do futuro" se infiltra "naturalmente" na linguagem usada nos mais diversos lugares do território nacional, por pessoas que estão ou entram na educação escolar, autarcas, jornalistas...

"Sala do futuro", "Ambientes inovadores de educação"
"Future Classroom Lab." / "European Schoonet"
"Sucesso", 
"O teu sucesso". 
"Promoção do sucesso"
Tudo numa lógica "glocal".

Bastam estas duas inocentes notas para se constatar o apagamento das políticas educativas públicas de cada país, em favor de políticas educativas comuns.
O nível nacional (os sistemas de ensino nacionais) cede lugar aos níveis global (já designado por "sistema de ensino global") e local (os micro-sistemas de ensino que dizem organizar-se em função de interesses e necessidades de proximidade, mas que, afinal, se limitam a operacionalizar o global).

Quais "Cavalos de Tróia", as entidades supranacionais que decidem efectivamente a educação escolar, entram subtil mas assertivamente, nos sistemas de ensino nacionais e trataram de os neutralizar em termos de decisões que possam tomar. Mais: transformam as suas instâncias em plataformas de legitimação e controlo das suas próprias decisões.

Descentralizar, autonomizar, flexibilizar, municipalizar, aproximar... são palavras que no seu "requinte semântico" têm "reconfigurado as funções do Estado" em matéria de educação pública.

Termino esta nota, com palavras do autor que citei, as quais deveriam preocupar-nos seriamente:
"O ditame ideológico «menos Estado, melhor Estado» passa agora a prescrição técnica em nome do rigor das contas públicas, da eficácia e da eficiência, assegurada por zelosos altos funcionários multinacionais em visitas regulares" (página 8).

Mendes-Neto, A. (2014). "Descentralização", "municipalização zar", ou "desregulação" da Educação? Nova Ágora, nº 4, 7-10.

1 comentário:

Rui Ferreira disse...

Disto, vezes mil... eles que tanto apregoam às soluções criativas caem na replicação da própria ignorância. Uma vez mais lembro a frase do professor Gregório Vaz da Lusófona, "os filhos da ignorância são capazes de criar novas formas, mais sedutoras, de ignorância. Tal e qual.
A irresponsabilidade perante o neófito cresce. O melhor aliado deste crescente é sem dúvida alguma o professor. Medo, nepotismo, alheamento, alienação, insegurança, incapacidade, desmotivação, comodidade e desgaste são algumas das características que levam os professores a não participarem ativamente na desconstrução dos acessórios (vistos como substância), impondo e elevando o critério pedagógico na formulação de estratégias de atuação na escola.
E é muito fácil desconstruir o acessório, basta verificar o seu distanciamento relativamente aos princípios pedagógicos que regem o processo ensino e aprendizagem. Situações há onde o acessório é mesmo contraproducente, imagine-se!

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...