quarta-feira, 18 de março de 2020

Viagens canceladas, restituições asseguradas?

Texto que nos foi graciosamente cedido por Mário Frota, especialista em Direito do Consumo, antes publicado no diário "As Beiras" de hoje, dia 18 de Março de 2020.

Viagens canceladas
Por motivos excepcionais
Têm as quantias reembolsadas
Pelos valores originais.


A controvérsia em torno dos direitos dos escolares e famílias que, perante as circunstâncias, se propuseram cancelar as viagens que haviam contratado para as desfrutarem no período das férias da Páscoa, atingiu proporções inauditas.

A desinformação a que se assistiu foi a tónica. Quer em resultado da intransigente posição de quem assumira o patrocínio judiciário das agências de viagens quer da menor fidedignidade das informações veiculadas por partícipes outros chamados a pronunciar-se.

Tratando-se de viagens organizadas (“a combinação de, pelo menos, dois tipos diferentes de serviços de viagem para efeitos da mesma viagem ou férias”), diversas hipóteses são susceptíveis de ocorrer. E, nelas, o consumidor que cancele a viagem pode ser obrigado a pagar à agência de viagens e turismo o que a lei designa, com impropriedade embora, de “taxa de rescisão adequada e justificável”.

Nas hipóteses em que se não preveja no contrato a compensação pelo cancelamento da viagem, diz a lei que “o [seu] montante deve corresponder ao preço da viagem organizada deduzido das economias de custos e das receitas resultantes da reafectação dos serviços de viagem, devendo a agência de viagens e turismo, a pedido do viajante, justificar o montante de tal [compensação]. 

Tratando-se, porém, de situações “em que se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excepcionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afectem consideravelmente a realização da viagem ou o transporte dos passageiros para o destino”, ao viajante, que haja cancelado a viagem, não pode a agência de viagens e turismo exigir qualquer montante, a título de compensação pelos encargos entretanto assumidos com a preparação da viagem.

O cancelamento da viagem, nestas hipóteses, confere ao viajante o direito ao reembolso integral dos pagamentos efectuados. Reembolso integral, reforce-se! Sem direito a indemnização adicional. Ou seja, o consumidor tem direito ao montante (a tudo o) que despendeu e de que está desembolsado. 

A agência de viagens e turismo organizadora é legalmente responsável pelo reembolso.

A agência de viagens e turismo retalhista (“um operador distinto do organizador que venda ou proponha para venda viagens organizadas combinadas por um organizador”, como diz a lei) é solidariamente responsável pelo reembolso.

Sem prejuízo do seu direito de regresso (o de exigir de volta o montante que for condenada a pagar ao viajante, a título de reembolso). 

Ora, o facto de haver surgido uma notícia, logo a seguir, de que a Deco estaria a negociar com a APAVT (Associação das Agências de Viagens e Turismo) a solução do diferendo, na base de uma restituição de 60% do valor da viagem, em “voucher” que seria utilizado em 2020 ou em 2021, sejam lá quais forem as motivações de base, causa, como causou, uma enorme estranheza a qualquer observador. 

A lei parece, nas circunstâncias actuais, não oferecer dúvidas de interpretação e na sua aplicação à factualidade subsistente. Aliás, factos posteriores, anteriores, porém, ao período da realização das viagens, parece terem vindo a confirmar os fundados receios expressos: o destino não era seguro, qualquer que fosse o período considerado. E essa circunstância seria suficiente para que a viagem (as viagens) se não efectuasse(m). 

Pretender escamotear direitos, penalizando substancialmente os consumidores, quando em causa não estão circunstâncias que motivem uma qualquer cedência de parte a parte, parece pouco sério…, com o devido respeito, claro! 

Nem sequer as “delongas do procedimento judicial” (como o diz, em certa passagem, o Código Civil) são susceptíveis de justificar uma tal conduta pelos temores de que as coisas se viriam a eternizar nos meandros dos tribunais judiciais. 

O recurso aos tribunais arbitrais de conflitos de consumo, em momento em que a arbitragem necessária para litígios cujo valor orce montantes até 5.000€ se estabeleceu por via de lei, parece recomendável. 

Com a vantagem, em princípio, de as decisões deverem ser proferidas em 90 dias (não 5, 8, 10 ou 12 anos) contados da propositura das acções. 

E de as decisões arbitrais terem o mesmo valor das sentenças judiciais para efeitos de execução (em caso de incumprimento da agência ou agências), se fosse o caso. 

O efeito da morosidade processual e, por essa via, da denegação de justiça, estariam assim afastados. 

Ou o recurso aos julgados de paz, se os interessados o entendessem e os houver na circunscrição territorial de que se trata. 

Nada como, nestas circunstâncias, recorrer a uma associação de consumidores de proximidade, como no caso, em Coimbra, a ACOP. 

A fidedignidade da informação conta muito. 

Mas é importante que os consumidores não se lembrem só de “Santa Bárbara quando troveja”. 

As associações autênticas, autónomas e genuínas carecem do saudável apoio das populações, já que o Estado manda as suas obrigações, neste particular estatuídas na LDC – Lei de Defesa do Consumidor –, às urtigas. 
Mário Frota apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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