Em 16 de Agosto de
1971, proferi na Sociedade de Estudos de Moçambique, uma conferência titulada “Educação Física, Ciência ao Serviço
da Saúde Pública”.. Nela abordei oito temas, a título de mero exemplo, sistemas
circulatório e respiratório, gerontologia, metabolismo, em que a Educação
Física desempenha um papel relevante.
Transcrevo o texto da
notícia que dava conta dessa minha conferência:
Temos
hoje oportunidade de passar a divulgar, o texto da notável conferência
proferida pelo Dr. Rui Baptista na sede da Sociedade de Estudos de Moçambique,
em Lourenço Marques.
Nome
sobejamente conhecido nos meios desportivos, com maior incidência na Educação
Física, o seu autor Rui Baptista dispensa qualquer apresentação.
.
O
texto que hoje começamos a publicar [foi ele publicado,
pela sua extensão, 10 dias seguidos] reflecte bem os conhecimentos profundos que
o seu autor tem sobre a problemática da Educação no Estado Português de
Moçambique, assim como no nosso País”.
Abordei o tema da toxicomania da forma de que
aqui dou conta:
“Drogas,
preocupação dominante e obsessiva da sociedade
moderna por a abalar nos seus alicerces. Problema
de pais e educadores. De instituições e países. Estigma gravíssimo que ameaça
quem delas é vítima produzindo acção desastrosa na nossa geração e na geração que
lhe há-de seguir.
Procurando
a génese da avassaladora onda de jovens que se refugiam no mundo artificial das
drogas, temos que possuir a coragem de
arcar com a responsabilidade que nos cabe, como educadores, aos da nossa
geração e aos que nos antecederam, na
criação de um clima de instabilidade, fruto de guerras e revoluções, levando à
desolação, à fome, à destruturação familiar e, em paralelismo, pelo avanço da
uma tecnologia desumanizante, ao conforto, ao luxo, ao entorpecimento da
vontade.
Por
formação pedagógica, sei que a educação e o meio ambiente não fazem totalmente
o indivíduo, tendo em conta o forte condicionalismo da carga genética. Seja
como for, tenho de enorme importância estudar o papel que cabe à Educação
Física neste contexto, pese embora a ameaça que paira sobre o Desporto em se tornar um dos grande focos desta chaga
social: o uso de drogas para aumentar o desempenho desportivo e encobridor de um
estado de alerta: a fadiga que pode levar à morte do atleta.
Refio-me ao “doping”
que, segundo o Dr. Silva Rocha, parece derivar da palavra holandesa “doop”, traduzida para português, baptismo. E prossegue esta autoridade
nacional em Medicina Desportiva: “Esta
palavra é hoje adoptada internacionalmente para exprimir todos os meios que
aumentam o rendimento atlético do indivíduo durante a competição desportiva",
em acrescento meu, com efeitos funestos para a respectiva saúde.
Assim,
para que possa ser reconhecido ao desporto a força moral para actuar como meio
eficaz no combate às drogas, que o pode ser indubitavelmente, há que expurgar o
“doping” do seio desportivo onde causa grande número de vítimas, num perigo
letal evidente. Com essa finalidade, o
desporto terá que enveredar por caminhos que não o conduzam à sua própria decadência ao afastar-se do
meio educativo onde deve ser exigido ao
desportista, mesmo que profissional a
mais estrita ética.
A
Educação Física, no seu aspecto formativo, tem muito a dizer nesta conjuntura.
Disso mesmo se apercebeu quem a esta temática tem dedicado muito do seu saber,
o Dr. Amílcar Moutinho, médico escolar, que numa reunião para estudar os meios de combate às drogas no
meio estudantil, se referiu a esta
parcela de uma educação integral como via eficaz e muito valiosa.
Princípio
defendido, igualmente, pelo Engenheiro Rogério de Carvalho, devoto praticante de culturismo, quando escreve num dos meus
livros: “Não acredito, para mais, que
num grupo social de indivíduos instalado
num corpo saudável e bem oxigenado penda
para as drogas”.
Mas
em que estrato social a Educação Física deve actuar? Julgo que em dois
diametralmente opostos: na camada dos jovens economicamente fracos, que, por
vezes, para obterem a droga dela se fazem traficantes, ou nela se refugiam para sonharem com um mundo de abastança e
felicidade e no meio de uma juventude que
procura nas drogas sensações novas que lhes abrande a monotonia e o
aborrecimento de uma existência demasiado
cómoda e fácil.
Urge,
como tal, levar a Educação Física e o Desporto à mais recôndita carência
económica, transportá-los a meios
esconsos; impô-los à mais deficiente pobreza pela promoção social e económica
da população, trazer à sua prática, os
privilegiados da fortuna.
Só
assim a Educação Física e o Desporto terão verdadeiro impacto no mundo
subterrâneo das drogas, desventrando-o, pondo a descoberto as mazelas. Pela profilaxia que a actividade física aporta, se
evitará (ou pelo menos, se diminuirá) a propagação desta chaga social, se erguerá,
por fim, uma população saudável que a
exemplo de Ling, com o método de ginástica que herdou o seu nome, combateu o
alcoolismo que assolava o seu país natal, a Suécia.
A
fonte que representa a actividade
gimnodesportiva, devidamente orientada, afasta para longe a astenia de uma vontade impotente para se opor
ao fascínio das drogas, corpos sadios não se comprazem com o mundo das drogas que nele não se conseguem acoitar e a eles
não resistem como não resiste o micróbio ao ar”!.
Meses após, foi a
minha conferência completa, publicada num opúsculo de meia centena de páginas, em edição da
Sociedade de Estudos de Moçambique (“Palmas de Ouro” da Academia de Ciências de
Lisboa) que abriria as portas de um notável templo científico/ cultural à Educação Física tendo sido nomeado, tempos depois, vice-presidente da Direcção e, simultaneamente,
presidente de uma das secções: Secção de
Ciências.
Utopia minha em acreditar no papel da Educação
Física e do Desporto na diminuição drástica do consumo de drogas? Seja! Em última análise
fica-me a esperança de que, fazendo fé em Edouard Herriot, “uma utopia é uma realidade em potência”!
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