Publicado pelo Expresso:
"Esta ausência não foi por nós
pedida,
este silêncio não é da nossa lavra,
já nem Pessoa conversa com Pessoa,
com o feitiço sempre imenso da
palavra
Este tempo só é o nosso tempo
porque é nossa a dor que nos sufoca
e faz de cada dia a ferida
entreaberta
do assombro que esquivando-se nos
toca
Esta ausência é dos netos, dos
filhos, dos avós,
é a casa alquebrada pelo medo,
é a febre a arder na nossa voz
por saber que o mal a magoa em
segredo
Este silêncio é um sussurro tão
antigo
que mata como a peste já matava;
vem de longe sem nada ter de amigo
com a mesma angústia que nos
castigava
Esta ausência é uma pátria
revoltada
que se fecha em casa sempre à
espera
que a febre não a vença nem lhe
roube
a luz mansa que lhe traz a
Primavera
Esta casa somos nós de sentinela,
à espera que a rua de novo nos
console
e que festeje debruçada à janela
a alegria que só nasce com o sol
Esta ausência mais tarde há-de ter
fim,
por nada lhe faltar nem inocência;
que se escute o desejo de saúde
anunciando que vai pôr fim à
inclemência
Que se abram as portas e as
janelas,
que o medo, derrotado, parta sem
destino
por ser esse o sonho colorido
que ilumina o riso de um
menino."
Sem comentários:
Enviar um comentário