sexta-feira, 6 de março de 2020

OS PESOS E HALTERES (CULTURISMO) EM LOURENÇO MARQUES


Começo por transcrever um comentário do Professor Gustavo Pires, catedrático da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa:

“Segundo julgo saber, do trabalho desenvolvido pelo Professor Rui Baptista no Maputo (Lourenço Marques) fica-se a dever a institucionalização cultural e científica dos designados “Ginásios de Ferro" nos bairros populares. Esses Ginásios de Ferro ainda existem. Da tese de Doutoramento do colega Edmundo Ribeiro defendida em 2014 no ISCTE em Lisboa, com a devida vénia respigo o seguinte texto: 

"Mussá Tembe, uma das nossas fontes orais, relata a existência de salões de ginástica - designados por ginásios -, no início da década de 50, na então Cidade de Lourenço Marques pertencentes à Associação Africana de Moçambique e ao Centro Associativo dos Negros da Província de Moçambique. Nesses locais era praticada a “ginástica de manutenção” para a saúde em paralelo com a Ginástica Geral e mais tarde foi introduzida a Ginástica Artística Desportiva. Ainda na década de 50, regista-se o desenvolvimento da prática da musculação, virada ao fisioculturismo, em “ginásios de ferro” na zona suburbana. Destes destaca-se o “ginásio de ferro” de Caliano da Silva, localizado no bairro da Mafalala. Os “ginásios do ferro” mantém-se até aos nossos dias, podendo ser encontrados, não só nos quintais das zonas urbanas, mas também em garagens e terraços da zona urbana.A maioria destes ginásios apresentam instalações em condições precárias, sem balneários  e estão equipados apenas com pesos livres e bancos (p. 26)”. (fim de citação). 

Julgo de interesse acrescentar a este testemunho oral de Mussá Tembe este meu testemunho escrito: Aliás, durante várias décadas, houve campeões de Culturismo, inclusivamente, com o título de Mr. América, que treinavam em simples garagens com pesos livres (isto é sem qualquer maquinaria das que há hoje sofisticadas). No caso da classe de pesos e halteres (Culturismo) do Clube Ferroviário de Moçambique, sob a minha direcção técnica e pedagógica, o treino era feito no respectivo palco do Salão de Festas em que decorria, simultaneamente, o treino da então chamada Ginástica Aplicada (hoje denominada Ginástica Artística Desportiva) em condições bem melhores e mais acarinhada pele direcção deste clube. 

No início do treino, eu e os meus atletas, dirigíamo-nos a uma arrecadação para transportarmos os pesos para o referido palco a que se tinha acesso por uma escadaria de alguns degraus, que nós da secção de culturismos subíamos com esforço como se fossem as escadas do “Santuário do Monte” (Braga) carregando nos braços muitas centenas de quilos de discos e barras de pesos e halteres. Esta situação não impediu que ganhássemos dois dos únicos campeonatos de “Bench Press” realizados (desenvolvimento supino no banco) ao Ginásio de Lourenço Marques onde o culturismo tinha uma implantação anterior de vários anos de melhores condições (instalações e apoio da direcção). E assim se vai fazendo a história dos pesos e halteres (na modalidade de Culturismo) em Lourenço Marques, numa época em que esta prática era tida como perigosa para o coração que " arrebentava", para além de outras terríficas mazelas. 

Foi nessa altura que publiquei o meu livro 'Os Pesos e Halteres, a função cardiopulmonar e o doutor Cooper' a desmistificar essas crenças. Esse livro mereceria uma crítica elogiosa por parte do Doutor Maria Santarem, “primus inter pares”, a nível mundial, desta matéria, médico fisiatra e reumatologista, professor da Faculdade de Medicina de São Paulo (Brasil) ele próprio praticante dedicado e defensor do efeito terapêutico em várias doenças qua afligem como, por exemplo, os gerontes hipocinéticos.

Em 2002, sendo eu docente da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física (UC) enviei-lhe o meu supracitado livro . Passado pouco tempo, recebi dele o seguinte mail: “Com muita alegria recebi o seu livro e a sua carta. Nossos ideais são comuns e nossas dificuldades históricas também Meu desejo é que um dia nos encontremos e rir bastante com as dificuldades do passado. Um fraterno abraço. Santarem”. Tendo estado ele de visita a Portugal, em Agosto deste ano, fez questão de vir a minha casa, para me dar um abraço, onde me encontro retido provisoriamente em cadeira de rodas, por uma queda que, graças a Deus não me seccionou a espinal medula. Tempos atrás, sem de momento conseguir mencionar a data, em encontro fortuito, deparei-me num supermercado de Coimbra, com o Professor Hélder Araújo, catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia (UC) que dirigindo-se-me me deu conhecimento desta ocorrência de que dou conhecimento público: “Tive, há alguns dias, a oportunidade de conhecer pessoalmente o Prof. Rui Baptista. Em 73/74, eu e alguns amigos, praticávamos de forma “artesanal” pesos e halteres em Quelimane/Moçambique.

Para planearmos os nossos treinos tínhamos acesso a algumas publicações norte-americanas. Muitos dos nossos colegas e alguns amigos criticavam-nos por considerarem que tal exercício físico era prejudicial para saúde. É então que, por acaso, compro numa livraria este pequeno livro, 'Os Pesos e Halteres, a função Cardiopulmonar e o doutor Cooper'.

Este livro foi verdadeiramente fundamental para nós por desmistificar as críticas que eram feitas a este tipo de actividade física. Desde sempre, fiquei grato ao Prof. Rui Baptista pelo trabalho que descreve nesse livro aos jovens atletas.O meu obrigado ao Prof. Rui Baptista”.

Termino este meu texto, evocando Beaumarchais: “É agradável sentir-se a auto-estima”, mormente, vinda ela de pessoas que nos estimam e nós muito respeitamos. De forma aleatória, os professores universitários José Maria Santarem, Helder Araújo e Gustavo Pires, Bem hajam!

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