quarta-feira, 25 de março de 2020

DA PNEUMÓNICA À PANDEMIA DOS NOSSOS DIAS

Como a doença amplia as dimensões internas do homem!”
 Charles Lamb (escritor, 1775-1834) 

Somos personagens fugazes de uma Humanidade, passadas duas décadas do dealbar do início do 21.º século da era Cristã, preocupada com a pandemia do coronavírus e secularmente supersticiosa do seu fim com a explosão do Sol que astrónomos lhe anunciam para daqui a 4.500 milhões de anos! 

É esse um dos calcanhares de Aquiles dos nossos dias: na ânsia de prever um futuro longínquo de quase uma eternidade, a sociedade atrasa-se no conhecimento do que lhe está mais próximo e lhe dá a própria existência - o Homem. 

Mas, porque segundo Peter Medawar (Prémio Nobel, 1960), a Ciência não pode responder às questões últimas sobre o sentido da vida, a Religião que se perde na imensidade de tempos idos, a Filosofia helénica que atravessou a bruma dos séculos, a Biologia hodierna, apenas com dois séculos de vida, porfiam, desesperadamente, em dar resposta, “de per se” ou em conjunto, ao grande enigma do animal racional de Lineu (1707-1778) que geneticistas nos dizem hoje diferenciar-se de um simples rato por ter uns tantos de genes a mais, em contraste com o fervor religioso do literato Chateaubriand quando escreve, em 1802:
‘Se nos é permitido dizer, é, parece-nos, uma grande pena encontrar o Homem mamífero classificado, depois do sistema de Lineu, como os macacos, os morcegos e os pássaros’”.
Como reagiria Chateaubriand  se no seu tempo  fosse confrontado com o jornalista e poeta brasileiro Mário Quintana (1906-1994) e seu temor: 
“O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado; é o pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro”! 
É este o homem que se movimenta, ri e chora, que não pode continuar vitimado pelo  dualismo cartesiano  "res cogitans"/"res extensa". É este o homem, também, que filosofa, se emociona, faz exercício físico que lhe melhora a resposta imunológica a doenças e cujo córtex cerebral  liberta endorfinas com finalidades de euforia para encarar o futuro sem as sombras sombrias de momentos de depressão. É este o homem, finalmente,  que eu perspectivei e defendi na conferência que proferi, a convite do Professor Manuel Viegas Abreu, presidente da Comissão de Gestão o Núcleo de Orientação Escolar e Profissional da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação de Coimbra (15/01/1990), com o título “A unidade do homem através do acto motor”. 

Debate-se a humanidade com a actual pandemia do coronavírus que já fez, de há dois anos para cá (dados de anteontem), mais de 15 mil mortos a nível mundial. Há cerca de um século foi o mundo assolado pela pandemia pneumónica, também chamada gripe espanhola (1918-1919), por ter sido transmitida em Portugal através das nossas fronteiras comuns com a Espanha, que matou 40 milhões (há dados que apontam para 60 milhões) de pessoas, mais do dobro da I Guerra Mundial com a duração de 4 anos, de entre elas  dois dos três pastorinhos de Fátima: Jacinta e Francisco.

A propósito, transcrevo de Álvaro Sequeira (Medicina Interna, vol. 8, n.º 1, 2001): 
“Uma pandemia, cedo diagnosticada como gripe, escapando ao curso habitual desta entidade, aparece com uma forma extremamente maligna, matando em pouco meses, em todo o mundo, mais de quarenta milhões de pessoas, isto é, mais do dobro do que a própria guerra tinha feito em quatro anos, e um terço do que a peste em seis séculos! Os serviços de saúde, habituados na altura, a combater as grandes epidemias, particularmente as bacterianas, com quarentenas, isolamento dos contactos, extermínio dos animais portadores ou vectores, restrição à liberdade de movimento, etc., não tiveram capacidade para limitar a pandemia e só tardiamente tomaram medidas avulso que nada influíram sobre a evolução do processo, como possivelmente aconteceria hoje, se uma gripe com as características de 1918 voltasse a aparecer. Terminada a epidemia nos princípios de 1919, uma cortina de silêncio desceu sobre o acontecimento, e se não fosse o renascer dos novos medos (e dos novos vírus) e o avanço da tecnologia que permitiu estudar algumas das características do vírus da Influenza. A de 1918, provavelmente não se voltaria a falar de semelhante cataclismo.” 
Felizmente, o avanço da moderna tecnologia veio confirmar este vaticínio final de Álvaro Sequeira, mas  com pouco respaldo no tímido avanço científico da Virologia que  pouco adiantou neste seu combate, sem tréguas, epidemiológico! As razões que nos tornam esperançosos que a actual pandemia não atinja as proporções  dantescas da pneumónica residem nos ventiladores, nas máscaras, em medidas profiláticas de um melhor saneamento público e, julgo que essencialmente,   nos conselhos profiláticos transmitidos às populações, de segundo a segundo,  nos media áudio-visuais que espalham a sua mensagem, numa fracção de segundos, aos mais recônditos cantos dos países. Finalmente,"last but not least", para que a memória dos homens não se esvazie na ampulheta do tempo desta verdadeira catástrofe planetária, com origem na China, que nos sirva de lição este princípio milenar de Confúncio (551 a.C. - 479 a. C.) : “O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente!”

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