segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Propõe ao teu professor!?

Num dos novos manuais de História para o 7.º ano de escolaridade (que propositadamente não identifico, afinal, não é caso único, é um exemplo) encontro as seguintes actividades que os alunos devem realizar (os destaques são meus):
Propõe ao teu professor que organize um debate sobre a importância de herança dos Fenícios para a nossa vida quotidiana
Propõe ao teu professor/a que divida a turma em quatro grupo.
Após todos os grupos terem lido e discutido em conjunto os documentos desta página, cada um vai defender, repectivamente, a educação dos rapazes e da raparigas e o papel das mulheres: a) Em Esparta; b) Em Atenas; c) Em Portugal, na actualidade; d) O último grupo defenderá a igualdade de género. 
Propõe ao teu professor que organize a representação de uma cerimónia do contrato de vassalagem. Pede a colaboração dos teus professores de Português e de Educação Visual. 
Propõe ao teu professor que organize um debate sobre a tolerância/intolerância religiosa.
Actividades interessantes, motivadoras, obrigam os alunos a serem activos, envolvem a actualidade e o quotidiano, e apelam para temas de cidadania, como a tolerância e a igualdade de género. Isto é o que alguns pensarão.

Lamento desiludir quem pensa assim: os quatros extractos que acima transcrevi fazem sentido apenas e só no quadro de uma concepção de educação (e de currículo) que está longe de ser consensual entre os académicos. Aqueles que se distanciam de tal concepção percebem nesses extractos diversos e graves problemas pedagógicos. É o meu caso.

1. O problema mais grave que vejo é a transferência do papel do professor para o aluno, Comunica-se ao aluno que pode conduzir o ensino, tomar decisões metodológicas que decorrem de um saber profissional que ele, obviamente, não têm, nem tem de ter. Tal saber é do professor.

2.  Essa transferência é expressa abertamente, de modo que nem o professor nem o aluno deixam de a perceber. Como se sentirá o professor ao ver que uma instrução que o ultrapassa entra na sala de aula: ele - adulto - ser abordado pelo aluno - criança - para fazer algo. E, mais, à sua revelia, o aluno poderá pedir a colaboração de outros professores. Qualquer professor digno desse nome se sentirá ultrapassado, não-professor. E o aluno, de 11 ou 12 anos, não poderá sentir-se confuso, perdido com a mudança de papéis? As crianças não são adultos, precisam de ser orientadas e os professores têm essa função.

3. Se estes argumentos não se afigurarem suficientes, atentemos nas directrizes da tutela: é patente em vários normativos que as metas estabelecem os conhecimentos e as capacidades que os alunos têm de alcançar em cada disciplina. Repito "conhecimentos" e "capacidades" em "cada disciplina", logo as questões de cidadania, nas vertentes que lhe têm sido imputadas - tolerância, igualdade de género, etc - devem ser tratadas em componente curricular própria. O manual diz estar "de acordo com as metas" (com destaque na capa) mas, neste particular, não está.

4. E também não está "de acordo com as metas" quando força o conhecimento histórico, localizado num certo espaço e tempo, a explicar o quotidiano presente, e, ainda mais, o que se passa em Portugal. E, não, definitivamente, conhecer a educação dos rapazes e raparigas em Esparta e em Atenas, o que é fundamental, não deve solicitar a ligação directa e imediata com a defesa da politicamente correcta "igualdade de género".

A terminar deixo uma pergunta a que, por mais que me esforce, não consigo responder, e não é agora, é há muito tempo. Este manual tem 5 autores, todos professores experientes, a sua carreira situa-se entre os 18 e os 31 anos de serviço. O que leva um professor experiente a construir um manual que dando indicações de ensino aos alunos retira importância ao professor? E, mais, a declarar que o aluno pode substituir, ainda que seja "apenas" em alguns momentos o professor? Que o aluno pode tomar a iniciativa de organizar o ensino? A considerar, enfim, que a sua função não é aquela para a qual teve formação e que lhe confere identidade profissional?

3 comentários:

Unknown disse...

Acho este post completamente ridículo.

Se bem me lembro, estas actividades, aqui tão criticadas, encontravam-se nos rodapés dos manuais escolares, ou então de forma discreta por entre os exercícios que finalizavam cada unidade de estudo. Nunca (e isto é o relato de um aluno experiente, com doze anos no ensino regular, acabados recentemente) aconteceu que alguém propusesse alguma das actividades deste tipo. Aliás, posso-lhe garantir que a esmagadora maioria dos alunos nem sequer desconfia que têm actividades dessas nos livros que estudam. Portanto, pode ficar descansada quanto a isto, nenhum aluno vai desenvolver qualquer tipo de défice cognitivo por causa disto, quase que lhe garanto.

De acordo com os argumentos que redigiu, parece que o aluno, ao ler estes enunciados, percebe, subitamente, o valor do poder e, dando ares de ditador, impõe a realização da actividade na sala de aula, não tardando muito até que apresente a sua proposta para a reforma do sistema de ensino ao próprio ministro. Mas há mais: o professor, ao que tudo indica, tem fortes probabilidades de entrar numa depressão profunda, tal foi o grau da crise existencial provocada pela proposta do aluno de 12 anos. Por amor de Deus. "Propõe" é, neste enunciado, um modo formal de exprimir "pede" e garanto-lhe que não passa pela cabeça de nenhum miúdo entender isso doutra forma. "À sua revelia, o aluno poderá pedir a colaboração de outros professores.". Como?? Isto, simplesmente, não acontece...

Quanto a mim (e isto é a modesta opinião de um ex-aluno) estas actividades são maneiras inocentes de promover o interesse dos alunos pela nova disciplina, o que me parece especialmente importante dado que estão numa transição do ensino básico para o secundário. Ficava tão bem se tivesse parado no segundo parágrafo... Você aponta quatro argumentos, a mim chega-me este. Dizem que a explicação mais simples é, geralmente, a mais acertada.

Enfim, muita pedagogia e pouco bom-senso.

André Guerreiro disse...

Os argumentos apresentados pela autora têm a sua validade, acabando ainda assim por pecar na solidez. Se o ensino secundário ainda está desajustado à transmissão de competências requeridas aos alunos pelo Processo de Bolonha, o básico está num plano similar no que concerne ao ensino secundário. Pedir aos alunos para problematizarem e criarem eles próprios debates e argumentos sobre temas é precisamente a abordagem que todo o processo que reformulou o ensino superior requer dos estudantes. E o terceiro ciclo do básico é precisamente o apropriado para a introdução destes hábitos de estudo participado. O professor tutor das sebentas está morto. Hoje pede-se pedagogia e meiêutica (aludindo ao Sócrates).

Se isto é errado? Perhaps. Mas se é o que se exige no ensino superior a nível comunitário, fará mais sentido negarem-se tais competências até à entrada nas universidades?

Helena Damião disse...

Prezado Jorge André Guerreiro
Estamos a falar do ensino básico, mais precisamente do 3.º ciclo, como, aliás refere. Não se ensina da mesma maneira nos diversos ciclos do ensino básico, no ensino secundário e no ensino superior. Logo o básico não está num plano similar ao do secundário. Os objectivos destes dois patamares de ensino são distintos.
Por outro lado, as competências (noção que tem adquirido as mais diversas significações, pelo que quando se usa podemos estar a falar de coisas muito diferente) não se "transmitem": através do trabalho didáctico, os alunos vão adquirindo competências disto ou daquilo.
Por outro lado, ainda, as metodologias devem ser decididas pelo professor, não pelo ministério da educação nem pelos autores de manuais escolares.
A terminar, e sublinhando o constante no meu texto, é o professor, não o aluno, que saberá propõe, mesmo que se seja propor ao aluno que proponha. Um é profissional e adulto, outro é aluno e criança.
Cumprimentos,
Maria Helena Damião

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