“O Estado é um ogre filantrópico” (Octávio Paz,
1914-1973).
Publicou o “Expresso” (27/09/2014):” Nunca pagámos tanto IRS e nunca este imposto pesou tanto nas
receitas fiscais. O IRS rivaliza já com o grande motor de sempre da receita, o
IVA. E o ano ainda não terminou. As perspetivas apontam para que a receita
continue a bater recordes até ao final do ano. Um lampejo fugaz de lucidez, que seja, nunca
mais ilumina algumas cabeças- de-
alho-chocho dos nossos governantes. Numa espécie de aviso à navegação, já no meu artigo de opinião, intitulado ”As reformas da Caixa Geral de Aposentações
e da Segurança Social” ( “Público”, 09/09/2014),
referindo-me aos reformados, escrevi:
“Reformados que pela sua grande expressão numérica são potencialmente capazes de
alterar drasticamente os resultados eleitorais”.
Ora aqui está um governo que, apenas, no ano anterior às eleições legislativas
promete aumentar as reformas que andou a cortar como quem corta as unhas até ao sabugo ou mesmo até fazer sangue. A
razão para esta “generosa” medida podemo-la
encontrar em Nikita Kruschev: “Os políticos em qualquer parte são sempre os mesmos, prometem
construir pontes, mesmo quando não há
rios”.
Mas
como é possível? Quero pensar que não tenha sido por pura maldade ou mesmo
estupidez por não saber quanto isso pesaria em termos eleitorais dado o grande
número de eleitores reformados a quem governos sucessivos têm cortado nas reformas sob a alegação de falta de fundos dos cofres do Estado.
Será por haver, agora, em vésperas de
eleições, um mecenas que nos deu
dinheiro a rodos? Será que houve um novo
plano Plano Marshall (declinado
na altura por Portugal, talvez porque, como se diz hoje, não há almoços grátis)?
Será que choveu um maná do céu? Ou será
que, finalmente, se tomaram medidas preconizadas durante a ditadura do Estado
Novo, para combater duramente a
corrupção em obediência ao cumprimento da lei (dura lex, sed lex): “Há que
regular a máquina do Estado com tal precisão que os ministros estejam impossibilitados,
pela própria natureza das leis, de fazer favores aos seus conhecidos e amigos?”
Para minorar a fuga aos impostos, que grassa epidemicamente na sociedade dos
nossos dias deste recanto mais ocidental do continente europeu , devem ser apertadas as malhas que taxem o cidadão
com sinais exteriores de riqueza, aquele que, como nos avisa a sabedoria
popular, vende cabritos sem ter cabras. Por outras palavras, lançando impostos
sobre os reais rendimentos dos
cidadãos e não sobre aqueles que dolosamente
possam declarar (ou esquecer-se de declarar) sobre os seu verdadeiros teres e
haveres.
Por norma, os
médicos (mais do que qualquer
outra profissão liberal) costumam ser o cepo das marradas dos que se queixam
desse verdadeiro cancro social que é a fuga aos impostos. Mas nem sempre em
acusação justificada por pertencerem a uma
profissão liberal que mais recibos passa por eles serem descontados para efeitos de IRS ou reembolso de despesas efectuadas no âmbito da saúde.
Ainda mesmo sem complicados e complexos cálculos
matemáticos ou estatísticos que para tanto bastavam simples contas de merceeiro
que numa gaveta depositava o dinheiro que entrava e noutra o que saía, ponho em
causa, relativamente à antiga inexistência de qualquer tecto, um actual tecto máximo de 838,44 euros de desconto para efeitos de IRS. E se como se isso não bastasse, a passagem de
30% para 10% a percentagem de dedução.
No Orçamento de Estado, recentemente
aprovado, em esse tecto passou de 838,44 para mil euros (grosso modo, + 162
euros) e a percentagem de dedução de 10 para 15%. Mas serão estas pequenas
migalhas bastante para os velhos e doentes embandeirarem em arco? Penso que
não! Até porque, como já vai sendo uso, o Estado dá com uma mão e tira com a outra.
Atente-se, por exemplo, neste título do “Expresso”(20/09/2014): ”A
ADSE paga menos para lucrar mais”. No parágrafo inicial da notícia são especificadas
as medidas a tomar: “O Estado vai pagar menos às clínicas e aos hospitais privados
onde os seus funcionários são tratados, mas manterá os 3,5 % que todos os meses
lhes desconta do salário e tem planos para diminuir os tectos das facturas
remetidas aos serviços para reembolso”. Aliás, já se encontra em vigor uma diminuição do
valor de comparticipações em medicamentos, ou mesmo a respectiva retirada, o que faz
com que doentes graves e de menos posses deixem, muitas vezes, de poder comprar todos os medicamentos que lhe
são receitados.
De tudo isto, resulta que paguem os justos pelo pecadores, aqueles que têm burlado
o Estado com esquemas “comparticipados”
por médicos, farmacêuticos e delegados de informação médica, conforme tem sido
noticiado pelos media.
E quando o mar bate na rocha quem paga a factura são os velhos e/ou doentes como se a velhice
fosse um crime e a doença o seu móbil. Para além de imorais e injustas, estas
medidas carecem de bom senso, de princípios humanitários e, principalmente, de
massa cinzenta dos seus responsáveis por levar a que se poupe no farelo hoje
para gastar na farinha amanhã. Ou seja, o Estado poupa no reembolso do IRS e nas despesas com “a praga grisalha”( expressão,
inqualificável, de Carlos Peixoto, deputado do PSD!) da classe média
e gasta rios de dinheiro quando a doença atinge proporções de grande
gravidade numa percentagem elevada da população.
Mas ainda haverá classe média neste país de escandalosamente
ricos, ricos, remediados, pobres e pedintes que moram na rua e comem a sopa dos pobres ou mesmo revolvem os caixotes de lixo em busca
de restos de comida? Ou seja, um Estado
que, em contrapartida, é perdulário nos
impostos deixados de pagar por uns tantos prestadores de saúde por os utentes (depois de atingido o tecto anual
de mil euros em despesas de saúde) , sem qualquer contrapartida para si, se desmotivarem do papel pro bono de ficais das finanças ! Até comove ter quem zele, com
tanto desvelo, pelos velhos e doentes para diminuir a despesa pública em que o dinheiro
circula em benefício dos detentores das
grandes fortunas e prejuízo dos que
trabalharam uma vida inteira.
Que diacho!, senhores governantes, será pedir muito
a Vossas Excelências que zelem pelos velhos e doentes deste país? Cá por mim, dadas
as circunstâncias em que vive parte substancial
dos reformados portugueses, acho que não!
1 comentário:
Seria estultícia da minha parte, pensar que este meu texto influenciou Passos Coelho que passou das promessas eleitorais irrealistas para apresentar aos eleitores os sacrifícios que o esperam em 2015. Embora tardia, pode ser que esta mudança de atitude possa cair bem junto dos eleitores que estejam fartos de políticos que, em vésperas eleitorais, "prometem construir pontes mesmo quando não há rios" (Kuschev). Seja como for, caro leitor, é esperar para ver...
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