domingo, 26 de outubro de 2014

Quando os meios são elevados à condição de fins

"Podia muito bem acontecer que cada palavra, 
literalmente cada uma das palavras dos livros de História
fosse pura fantasia, incluindo as coisas 
que as pessoas acreditavam sem hesitar."

George Orwell, 1984.

Dois textos que escrevi recentemente para este blogue (aqui e aqui) e outros que escrevei antes podem dar a entender que sou contra a entrada de novas tecnologias na escola. Não é o caso.

As novas tecnologias (os computadores, por exemplo), são como as antigas tecnologias (um livro, por exemplo): meios para ensinar e para aprender.

Mas, como é por demais sabido, os meios não se podem confundir com os fins.

E são os fins, não os meios, o cerne da discussão educativa. Nesta medida, as tecnologias, sejam elas novas ou antigas, decorrem dos fins, servem a sua concretização, são da ordem do instrumental.

Efectivamente, a grande questão que tem ocupado a mente dos filósofos da educação, e que não pode, em circunstância alguma, ser alienada é a seguinte: que tipo de pessoas queremos deixar para o futuro.

Como o leitor pensará, as respostas não foram sempre as que mais beneficiam as próprias pessoas, a sociedade a que pertencem e a humanidade como um todo; muitas respostas tiveram o sentido contrário, ainda que fossem apresentadas como imaculadas.

Assim, até ao presente, as tecnologias postas ao serviço da educação serviram ambas as respostas. E, portanto, as que agora temos por "novas", não constituem excepção. Podem ser "boas" ou "más" em função dos propósitos que lhe estão subjacentes.

O que afirmo é fácil de perceber se tomarmos por referência os manuais escolares. Múltiplos estudos que têm incidido sobre eles, sobretudo depois dos anos sessenta do passado século, denunciam o doutrinamento político, religioso e outros que absorvem, a ideologia de classe, de género, de cultura, etc. que veiculam; a escolha nada inocente de textos, de imagens, de perguntas que fazem...

Tudo nos (antigos) manuais parece condenável. Em contrapartida, tudo nos computadores, nos programas e acessos que permitem, é apresentado como perfeito.

Esta leitura enviesada dá a entender que desde que se disponha de novas tecnologias, a educação (que educação?) está garantida. E põe-se, dogmaticamente, um ponto final no assunto.

É preciso ter a coragem de tirar esse ponto final e dizer, desassombradamente, que as novas tecnologias não constituam um bem em si. É preciso perceber que fins últimos as justificam.

Porém, aqui deparamo-nos com um enorme problema: grande parte dos textos de instâncias internacionais e nacionais com responsabilidades educativas que incidem sobre as novas tecnologias omitem esses fins, ou apresentam objectivos triviais como se de fins se tratasse, ou misturam os fins com os meios numa trama ininteligível.

Desta maneira, é impossível discutir o que quer que seja. Vence não quem tem razão com base em conhecimento, mas quem tem mais força.


5 comentários:

Anónimo disse...

Mas afinal quem disse que a Saúde tem de ser assim tão tecnológica e assim tão cara? Esta condicionante é a primeira fraude. Tudo isto é uma arquitectura erguida para levar ao racionamento, à falência e à morte inútil e à redução populacional. Nunca haverá saúde se se investir mais dinheiro na promoção da doença e do mal-estar. O que precisamos não é de escolher bem e racionar melhor, o que precisamos é de coragem para inventar uma nova realidade, ESTA NÃO SERVE A 99,99% DA HUMANIDADE!!!

Podemos pagar os custos da saúde que não tem preço?
http://observador.pt/2014/10/27/podemos-pagar-os-custos-da-saude-que-nao-tem-preco/


Cláudia da Silva Tomazi disse...

Excelente texto professora Helena Damião e, tão somente neste sentido que avança; no fluxo (educacional) a tecnologia enquanto ferramenta e aprendizado.

Vasco Gama disse...

Não é verdade que "as tecnologias, sejam elas novas ou antigas, decorrem dos fins, servem a sua concretização, são da ordem do instrumental". Nunca foi e agora não é na mesma, mas de uma cientista da educação, como quase todas que se pronunciam sobre as tecnologias, não se poderia esperar outra perspetiva. A ciência contemporânea fica sempre de lado, só o etéreo "conhecimento" importa! As novas tecnologias são como as bicicletas, não interessam em si, só o treino dos músculos é importante, pim.

Helena Damião disse...

Prezado leitor Vasco da Gama
Permita-me dizer-lhe que está enganado: de uma "cientista da educação" esperar-se-ia o elogio das tecnologias por si mesmas. E, na verdade, os "cientistas da educação" são sistematicamente acusados de desprezarem o "etéreo conhecimento".
Só mais uma nota: a ciência contemporânea é conhecimento (etéreo, se quiser). Mas a ciência não pode, como sabe, confundir-se com tecnologia.
Cordialmente,
Maria Helena Damião

Isaltina Martins disse...

O mal de tudo isto é o excesso. Já os antigos romanos diziam "in medio virtus" (quer dizer, "no meio está a virtude"), sem esquecer o pensamento grego que se baseava no "medên agan" ( quer dizer "nada em excesso"). E, dir-me-ão, "sempre a citar os antigos"... pois, mas é essa sabedoria dos antigos que nos deve ensinar que a técnica anda sempre ao serviço da ciência, que o excesso, seja do que for, é sempre prejudicial. E, na educação, quando se quer confundir informação com conhecimento, não estamos a educar bem. As tecnologias servirão para obter mais informação, para tratar essa informação, mas o conhecimento é mais do que isso. E quando se quer que as crianças, logo que entram no sistema de ensino, estejam constantemente agarradas aos computadores ou outras "máquinas" no género estamos a prejudicá-las, quer no desenvolvimento motor (mexer no teclado não é a mesma coisa que escrever, desenhar as letras), quer no raciocínio, na reflexão, no pensar sobre as coisas (que não é a mesma coisa que olhar para um "écran" ou carregar com o dedinho numa tecla

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