domingo, 26 de outubro de 2014

Afinal, o que mudou?

Voltei ao relatório The NMC Horizon Report Europe: 2014 Schools Edition (União Europeia), a que já dediquei um texto neste blogue (aqui), pois, como suspeitava, a sua implantação no terreno é uma realidade. Não se trata de mais um documento proveniente de instâncias internacionais para académicos analisarem e citarem; trata-se de uma cartilha que está a ser posta em prática.

Essa cartilha avança, de facto, impondo novas tecnologias de informação e da comunicação na escola e na sala de aula. E isto no pressuposto de que as tecnologias valem por si. São a solução para a aprendizagem. Em sequência, corroboram-se princípios pedagógicos mais que muito duvidosos e justificam-se metodologias que não se coadunam com o "modo como se aprende".

A estratégia é paulatina e discreta: com a autonomia das escolas reforçada, envolve um processo de conversação caso-a-caso; o seu acolhimento depende substancialmente dos directores. É, pois, diferente do "Programa e.escola", que, na década passada, foi assumido como bandeira nacional por um governo, um primeiro ministro e pelo menos uma ministra da educação.

A ideia propagandeada é, no entanto, a mesma: (todos) os problemas da educação escolar serão resolvidos quando cada aluno tiver um computador ou um aparelho electrónico. As entidades (ou pelo menos algumas delas) mantêm-se, bem como as pessoas (ou pelo menos algumas delas). Mantêm-se também as (nublosas) ligações entre os sectores público e privado.

Mas, talvez mais grave do que tudo isto: desprezava-se antes e despreza-se agora a essência da escola e que é adquirir conhecimentos que não se podem adquirir noutro lado (pelo menos na profundidade e extensão que esta instituição pode proporcionar) e, com base no conhecimento, desenvolver a inteligência (tal como Isaltina Martins, a partir da etimologia, aqui a descreveu). Basta analisar os discursos anteriores e os actuais (constantes, por exemplo, no documento acima identificado) para perceber que é assim.

Vejo esse desprezo também como desprezo pelo professor. Sabemos que nada o pode substituir na duríssima e interminável tarefa que é ensinar, sabemos que a sua tarefa não pode deixar de ser "artesanal", concretizada em pequenos passos, por vezes demorados e falíveis, mas insistimos em passos de mágica, que, levianamente, dão a ilusão de sucesso total e imediato. E quando estes passos são ditados por instâncias internacionais, alcançam um toque sagrado, ficam acima de qualquer suspeita e crítica.

O leitor compreenderá melhor este texto se se detiver em duas entrevistas ao único representante de Portugal (apresentado como especialista entre cinquenta e três de diversos países) no relatório The NMC Horizon Report Europe: 2014 Schools Edition:

- uma realizada pela jornalista Rosa Pedroso Lima, publicada em 2009, no jornal Expresso e pode ser lida aqui;

- outra, de 2014, disponível no Youtube, podendo ser vista a partir da ligação ao lado.


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