domingo, 12 de outubro de 2014

A ESF ENSANDECEU


A 30 de Junho passado escrevi aqui o post "A FCT ensandeceu", comentando a "avaliação" das unidades de investigação nacionais efectuada pelo tandem FCT/ESF, Fundação para a Ciência e Tecnologia / European Science Foundation. Tudo o que foi anunciado ou descoberto depois veio-me dar razão: a FCT queria acabar com a ciência em Portugal, começando com metade dela, tendo-se para isso servido de um contrato com a ESF, na altura secreto mas hoje público (uma parte apenas, já que faltam revelar adendas), onde transmitia com precisão a ordem de destruição. A ESF prestou-se ao cumprimento das intenções destruidoras da FCT, talvez porque foi bem paga para isso e, estando em má situação financeira, precisava do dinheiro.

Agora foi a ESF que ensandeceu: com o dinheiro dos impostos dos cidadãos portugueses que recebeu para pagar a "avaliação" da ESF/FCT quer pagar a advogados para processar uma cientista espanhola que criticou o processos, apontando-lhe "erros" ("flaws"), tal como o fizeram de resto numerosos cientistas portugueses e estrangeiros. Por que é que a ESF não processa mais gente? A ESF não tem mesmo mais nada que fazer do que perseguir cientistas pela emissão de opiniões? Ou será que a ESF é uma empresa que se julga prejudicada no seu negócio por terem falado de defeitos do seu produto?

Falei do tandem FCT/ESF  e da "avaliação" da "FCT/ESF". Faço notar que a ESF não é independente da FCT, como esta pôs a circular. Na lista do governing council da ESF surge o nome do Prof. Paulo Pereira, que é vice-presidente da FCT. Quer dizer, na negociação do contrato entre a FCT e a ESF havia uma pessoa de um dos lados da mesa e a mesma pessoa do outro. E parece que continua a existir um representante português numa organização que persegue cientistas, à semelhança do que fazia o tribunal da Inquisição.

É preciso dizer a verdade: à FCT e à ESF falta-lhes o conhecimento do essencial do processo científico, que é a admissão do erro. Eles não admitem uma crítica. Eles não sabem que é a crítica que está no cerne do método científico. Eles não sabem que é da discussão que nasce a luz. Eles julgam que ainda estão no tempo em que Galileu foi acusado.

O ministro Nuno Crato, que, a avaliar pelo que dizia e escrevia antes, sabe que a crítica é fundamental na ciência, não terá nada para dizer? O que acha dos métodos de perseguição da ESF? Admito que possa ter sido enganado pela FCT. Mas de que é que ele está agora à espera para denunciar o contrato da FCT com a ESF? O que é que ele está a aguardar para afastar o Presidente da FCT, que, na hipótese mais bondosa para o ministro, terá congeminado o acordo com esta ameaçadora ESF sem a tutela saber?

Na imagem: Galileu diante do santo Ofício,  óleo do século XIX de  Joseph-Nicolas Robert-Fleury. 

8 comentários:

António Pedro Pereira disse...

Quanto à posição de Nuno Crato, há um ditado português que a retrata bem: «Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz não faças o que ele faz»

Anónimo disse...

Convém de resto que o ministro faça alguma coisa. Já não deve ter muito tempo paradeixar alguma obra, por pequena que seja, em prol da ciência em Portugal. E, a ser substituído por este governo, o mais certo é que o seja por alguém do tipo Prof. Paulo Pereira. Ou seja, alguém com experiência dos métodos FCT/ESF e com interesse directo em defendê-los.

Anónimo disse...

Estão fritos. Nestas coisas, a reputação é tudo.

Nuno Henrique Franco disse...

Onde é que eu assino por baixo?

Sandra Alves disse...

O que é a ESF?

Carlos Fiolhais disse...

Cara Sandra Alves
Já acrescentei. o nome completo da organização, European Science Foundation. É uma associação de agência de financiamento da ciência europeia cuja qualidade já conheceu melhores dias. Tem pouca experiência de avaliação de institutos de investigação (aparentemente avaliou uma vez alguns centros da Bulgária). Transferiu recentemente a sua actividade de política científica para outra organização, a Science Europe. Apesar da degradação da instituição e do seu futuro incerto, a Fundação para Ciência e Tecnologia - FCT portuguesa, que é membro da ESF, encomendou-lhe a avaliação de todos os institutos de investigação nacionais. Esse processo tem sido muito criticado aquém e além fronteiras devido à verificação de várias irregularidades. Em particular havia uma clásusula secreta que mandava eliminar metade dos institutos logo numa "primeira fase". A "segunda fase" está a decorrer, não se sabendo se existem outras cláusulas secretas. O processo não tem sido nem é transparente. Há dias a ESF ameaçou com um processo judicial uma investigadora espanhola, a trabalhar nos Estados Unidos, que afirmou o que muita gente tem afirmado: que a avaliação encomendada pela ESF à FCT tem defeitos, não seguindo as melhores práticas internacionais nem sequer as regras que a FCt estipulou. Os investigadores portugueses queriam uma avaliação séria e não a tiveram. Continuam a reclamá-la
Cordialmente
Carlos Fiolhais

Anónimo disse...

Embora concorde a 200% sobre o que tem sido dito neste blog sobre a "avaliação" da FCT/ESF, acho que a FCT/ESF/MEC vão continuar a ignorar as críticas e a assobiar para o lado. Nesse sentido, penso que dever-se-ia começar a pensar em impugnar judicialmente esta "avaliação"... com ou sem CITIUS.

Carlos M. Silva disse...

Não sou da área (investigação, ou cientista) mas estou não só atento à ciência em geral como sou leitor compulsivo de livros de ciência e não só de divulgação. Lembro deste assunto, o da avaliação desses concursos, como assunto de há meses; pelos vistos, voltou à superfície como borbulha que volta a infectar, e a borbulha não é certamente o artigo da cientista espanhola mas a arrogância de uma Fundação que certamente precisa sobreviver. O post anterior tem razão mesmo que não vá salvar nada a tempo e horas. Mas uma coisa causa-me confusão ou então já não lembro dessas leituras de há meses. Sendo secreto o alegado critério de eliminação em fase 0 dos ditos concursos - algo que certamente, e num concursopúblico, não pode estar - como foi ou terá sido feito? Isso é assunto para a tal impugnação. Terá sido por moeda ao ar, numa convencional experiência 'flipping a coin'? (não estou a brincar!). É se que se foi é preciso ter em conta duas coisas, no mínimo:
1) o exercício foi um mero exercício aleatório, com moeda escolhida aleatoriamente?
2) qual a 'prior information' que os membros do júri tinham disponível para os diferentes cenários do output? talvez ..algo menos objectivo?

Com os melhores cumprimentos e bem melhores e isentas organizações,
Carlos M. Silva

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