José Vítor Malheiros comenta no Público de hoje a provada incompetência da FCT e da ESF no caso da "avaliação" das unidades de investigação que agora, devido a uma carta do Conselho dos Reitores, está nas mãos do ministro Nuno Crato. Vamos a ver como ele decide, isto é, se, para usar expressão de Malheiros, continua a deixar tudo entregue aos bichos. Para já, sabe-se que a sua porta-voz, Ana Machado, repetiu aquilo aquilo que a FCT tem dito, como um papagaio. Como este blog, citado no artigo, tem acompanhado este escandaloso processo, transcrevemos aqui o artigo de José Vítor Malheiros com a devida vénia:
A avaliação dos centros de investigação portugueses que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) encomendou à European Science Foundation (ESF), e que se poderá traduzir no corte do financiamento e consequente morte para metade destes centros, arrisca-se a ficar na história de ambas as instituições como o momento menos honroso das suas vidas.
pesar das inúmeras falhas detectadas, documentadas e denunciadas no processo, apesar das irregularidades processuais conhecidas e noticiadas, apesar da descarada batota de tentar impor à partida um resultado com 50 por cento de chumbos a essa avaliação e da mais descarada ainda tentativa de negar essa evidência apesar de ela constar de um contrato assinado, tanto a FCT como a ESF continuam a tentar encobrir o sol com uma peneira, tentando dar a entender que quem critica a avaliação o faz apenas porque viu os seus interesses beliscados e não devido ao monte de erros, falhas, irregularidades e batotas do processo.
Na semana passada, ficámos a conhecer mais uma peça do enredo, com a publicação de uma carta do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) dirigida ao ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, cuja acção política neste e noutros domínios se tem resumido a fazer de morto e esperar que o tempo passe.
O CRUP, numa posição consensual assumida pelos seus 15 reitores, escreveu que já não lhe era possível dar o “benefício da dúvida” ao actual processo de avaliação e declarava recusar "a morte anunciada de quase 50% do tecido científico português". Note-se que o CRUP e os reitores têm sido de uma enorme benevolência para com o Governo, apesar dos cortes que têm afectado e vão continuar a afectar a ciência e o ensino superior. É por isso significativo que tenham finalmente perdido a paciência. O documento do CRUP mostra que, mesmo para aqueles que aceitam a retórica da austeridade e estão sempre dispostos a fazer um jeitinho ao poder, a situação se tornou insustentável. “Para que um sistema de avaliação seja capaz de promover a excelência tem de, ele próprio, ser pelo menos excelente, se não excepcional. Não é o caso”, diz a carta. Os reitores afirmam ainda que os painéis de avaliação, mesmo quando confrontados com os "inúmeros erros de avaliação, muitos inteiramente factuais", se "desculparam de diversas formas para não retirar daí consequências, mantendo avaliações inexplicáveis" e concluem que o processo de avaliação se traduziu num "falhanço pleno" e numa "oportunidade perdida". A tomada de posição do CRUP é tardia, mas não podia ser mais clara.
O que irá fazer o ministro? Corrigir ou anular o processo de avaliação? Provavelmente vai fingir que não leu ou leu mas não percebeu ou telefonar a este ou àquele reitor para deitar água na fervura e pedir-lhe ainda mais um jeitinho, mas a verdade é que já não é possível disfarçar a incompetência do processo liderado pela ESF, nem a falta de lisura dos métodos da FCT, nem a agenda de estrangulamento da investigação do ministro Nuno Crato e da secretária de Estado Leonor Parreira.
E o que irá fazer o CRUP? Perceberá que, depois desta carta, não pode simplesmente comer e calar?
2. Na semana passada também se conheceu uma outra carta, enviada pela ESF à revista Nature, na sequência de uma primeira carta que a mesma ESF tinha dirigido a uma investigadora espanhola que aí tinha publicado um artigo de opinião denunciando falhas no processo de avaliação dos centros de investigação portugueses. Na primeira carta, a ESF ameaçava a autora do artigo de um processo judicial se não mudasse de opinião e se não se retractasse, o que suscitou uma avalanche de críticas contra a ESF por toda a Europa. Desta vez, a ESF decidiu enviar uma mensagem revista e corrigida, para tentar fazer esquecer o tom rufia da primeira, mas volta a considerar que as referências a erros no processo de avaliação "não são sustentadas". É aborrecido que o diga porque, quando uma organização quer provar o seu rigor, deve evitar mentir com este descaramento.
De facto, a ESF recebeu inúmeras críticas, correcções e queixas feitas directamente pelos próprios centros, seguindo canais oficiais, no âmbito do processo de contestação e revisão das avaliações. As principais críticas podem ainda ser lidas no blog De Rerum Natura, que inclui mesmo posts em inglês, que a ESF poderia (e deveria) ter consultado caso quisesse honestamente informar-se das críticas feitas ao seu trabalho.
Quando a ESF nega a existência evidente dessa sustentação às críticas de que foi objecto, apenas nos conforta na convicção de que foi a organização errada para este trabalho e de que a sua idoneidade está muito abaixo do nível exigido a uma organização europeia com a sua pretensão. Que os dirigentes da FCT não o vejam é mais uma prova lamentável da sua baixa exigência e de que, no processo de avaliação realizado, apenas interessava chegar a um valor pré-definido, independentemente dos métodos usados.
José Vítor Malheiros
2 comentários:
Relativamente ao comentário final deste post...
Em Estatística (ciência não reconhecida na avaliação da FCT, pela ausência nesta área de perito avaliador no painel) dizemos aos alunos que em Teste de Hipóteses, é um erro crasso ver primeiro a amostra e só depois estabelecer as regras de rejeição da Hipótese nula (H0), o que TEM DE SER SEMPRE estabelecido com algum critério de optimalidade, mas "a priori". Mais grave ainda é "encomendar" um estudo dito "estatístico" que imponha à partida a decisão final de rejeição de H0 (ou não) e só depois se estabeleçam critérios que levem forçosamente a esta acção.
A FCT, face ao que se tem vindo a constatar, incorreu em algo que eu diria que é em tudo análogo a esta atitude: primeiro decide-se pela "rejeição" e só depois se estabelecem "as regras do jogo". Pior ainda é cientistas pactuarem com esta atitute de cumplicidade, e mesmo sem sentirem necessidade de apresentar justificações plausíveis.
Quanto a este assunto, que tem sido largamente abordado neste blog, salvas as devidas proporções, é o mesmo que se passa no processo de avaliação da administração pública (SIADAP). Eles avaliam com MUITO BOM ou EXCELENTE a quem querem, independentemente do desempenho de cada um. A classificação já está decidida à partida. Quem obtém tais níveis de avaliação/classificação são sempre os mesmos.Tal sistema é uma boa forma de alguns que fazem parte do "envoltório" do dirigente avaliador, progedirem em flecha na administração pública, e ao mesmo tempo o avaliador manter o domínio dum grupo subserviente,enquanto outros, por mais que demonstrem o que realizam, têm como resposta esfarrapada que não podem ter mais que SAFISFAZ, porque não há quota para mais EXCELENTE/MUITO BOM. E chamam a isto reforma da administração pública e avaliação do desempenho e enchem a boca com SIADAP...Injustiça clamorosa e corrupção que bradam aos céus...
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