Texto de Daniel Oliveira, publicado no Expresso diário:
Muito se escreveu sobre a redução drástica de bolsas. Agora, foi a primeira fase de avaliação dos centros de investigação. Um terço teve menos do que "bom" e deixará de ter financiamento. Mas provavelmente será metade a fechar as portas, porque muitos dos que tiveram "bom" receberão tão pouco que mais valia não terem recebido nada. E não terão grandes hipóteses de ter algum candidato aprovado em concursos de bolsas ou para contratados de investigador-FCT. Mas o problema não são apenas mais estes cortes, que deixarão várias áreas sem qualquer investigação e serão mais um contributo para o subdesenvolvimento cultural, técnico e económico do País. É também a grotesca incompetência da avaliação contratada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
No pequeno mundo da ciência, o consenso não é muito habitual. Muito menos quando há pouco dinheiro para dividir. Mas, nos últimos dias, é praticamente impossível ouvir-se no meio científico alguém que não esteja em estado de choque com o aborto produzido na primeira fase de avaliação dos centros de investigação. Não apenas pela quantidade absurda de centros que vão ter de fechar as portas - há áreas inteiras que podem desaparecer do mapa científico português -, não apenas pela relevância de muitos destes centros, mas pela dificuldade em compreender dos critérios que levaram a isto.
Entre os que ficam pelo caminho está o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), do ISCTE. É seguramente um dos melhores do País. Tem dos cursos de doutoramento mais prestigiados, além de ser responsável pela revista "Sociologia, Problemas e Práticas" (que com a "Revista Crítica", do CES, a "Análise Social", do ICS, e mais uma ou outra, é uma referência nas ciências sociais) e pela editora "Mundos Sociais". Se o CIES, onde trabalham alguns dos melhores sociólogos portugueses, não está em condições de fazer investigação e deve fechar as portas proponho que se dedique Crato a ela, porque definitivamente vivemos num país de incompetentes onde apenas o ministro sabe o que anda fazer. É por ser uma raridade que aos olhos dos restantes mortais parece só fazer disparates.
A avaliação que leva à condenação de centros com a qualidade do CIES está baseada em critérios incongruentes, pouco fundamentados, contraditórios entre si e contraditórios com diretivas anteriores da FCT. Ela revela uma profunda ignorância de alguns avaliadores sobre as áreas de estudo e o trabalho desenvolvido pelos centros de investigação. E, em alguns casos, parece dominada por preconceitos ideológicos. Esta avaliação negligente está mesmo recheada de episódios caricatos. Uma das razões para o chumbo do CIES, por exemplo, é o facto de se interessar por temas como as migrações e as desigualdades. Os avaliadores pedem assuntos "mais inovadores". E assim, com base em opiniões de cariz mais ideológico do que científico, de achismos e de modas, se avalia o trabalho científico de dezenas pessoas. Felizmente a Academia está obrigada a mais rigor e objetividade do que as pessoas que supostamente a avaliam.
Mas também temos humores de sinal contrário. O Centro de Culturas e Literaturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa, responsável, entre muitas outras coisas, pela publicação da obra completa de Padre António Vieira (30 volumes que estão a ser traduzidos para 12 línguas), foi "chumbado". O avaliador critica a existência de um grupo de estudos africanos a que atribui uma "carga colonial". Este centro, marcado pelo espírito seguramente colonial do seu fundador (Jacinto Prado Coelho) é acusado de "lustropicalismo". Ao contrário dos investigadores que têm de suportar este insulto, a alma que produziu estas inanidades vive no anonimato. Ninguém sabe quem escreveu tamanho disparate. É que já lá vai o tempo em que European Science Foundation (ESF) era uma referência. Hoje contrata a peso os seus colaboradores anónimos que, pela amostra, dedicam-se à opinião genéricas sobre centros de investigação. Não os avaliam, porque pura e simplesmente parecem desconhecer o que eles fazem.
Dirão: as opiniões podem ser disparatadas, mas a base há de ter sido quantitativa. Nem isso. Nem a contagem de artigos publicados e citações, que são tão ao gosto da moda da investigação a metro, foi respeitada, como demonstra a comparação da avaliação com os indíces bibliométricos. E mesmo quanto este critério pesou, temos situações estranhas. É o caso da história denunciada por Carlos Fiolhais. A Unidade de Investigação em Complexidade e Economia foi bafejada pela sorte por se terem contabilizados os trabalhos de um prolixo investigador (sem o qual os números seriam muitíssimo mais baixos) que foi acusado internacionalmente de plágio, com o reconhecimento público da própria escola. Para quem anda a avaliar em defesa do rigor e da exigência, estamos bem.
Não se trata de perseguição ou favorecimento. Isso queria dizer que havia alguma racionalidade nisto. Basta ver o caso do Centro de Matetmática Aplicada à Previsão e Decisão Económica (CEMAPRE), de onde vem Nuno Carto. Foi, entre os centros da área económica, o 6º com mais artigos por investigador e o 2º com mais citações e foi preterido em relação a centros com piores qualificações. Ou seja, nem nesta básica forma de avaliar o trabalho foi feito com pés e cabeça.
Nuno Crato é um homem de convicções fortes. Associa isso a uma extraordinária incompetência. Uma mistura perigosa com efeitos devastadores. E é basicamente este o espírito das pessoas que o rodeiam: arrogantes na asneira e teimosas demais para a corrigir. Na ciência, mas também nas escolas, vamos pagar bem caro estes três anos de Crato. Os resultados imediatos serão fáceis de verificar: mais umas centenas de pessoas qualificadas a ir embora daqui. Mas os efeitos mais profundos só perceberemos daqui a uns anos. Mas não faz mal: basta ensinar a malta a contar na primária. Afinal de contas, para servir turistas à mesa basta saber fazer trocos.
2 comentários:
No Portugal que repete o slogan "não há dinheiro" como se fosse um mantra, nem os cortes em ciência são avaliados com base em critérios rigorosos (científicos seria pedir demais). Há uns "gestores" que acham que a ciência precisa de ter retorno imediato e outros que acham que é preciso cortar em todas as "despesas" imediatamente. Eu pensava que o dinheiro gasto em investigação era um investimento, mas obviamente estava enganado, como sempre.
Talvez ainda ficasse melhor trocando
«E é basicamente este o espírito das pessoas que o rodeiam: arrogantes na asneira e teimosas demais para a corrigir.»
por
«E é basicamente este o espírito das pessoas QUE ELE ESCOLHEU PARA O RODEAR: arrogantes na asneira e teimosas demais para a corrigir.»
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