terça-feira, 4 de dezembro de 2012

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E CIDADANIA. Recordando Rómulo de Carvalho

Texto do Professor Galopim de Carvalho, com os agradecimentos do De Rerum Natura.


Divulgar, no sentido de espalhar conhecimento entre o vulgo, pressupõe formas de comunicação acessíveis ao comum das gentes e, assim, a linguagem a usar, falada, escrita, audiovisual ou outra, tem de ser simples, sem perda de rigor, apelativa e agradável. Facultar e receber conhecimentos são acções que devem ser entendidas como actos de prazer, mas também de cidadania.

Divulgar conhecimento científico entre os meus concidadãos de todas as idades e das mais variadas condições sócioculturais, prática que cultivei com relativa frequência, foi algo que procurei exercer em paralelo com a minha actividade profissional. Foi esta a melhor forma que encontrei para concretizar a minha maneira de estar, ao mesmo tempo, na ciência e na sociedade. Tudo começou há mais de seis décadas, como adolescente, rapaz da cidade, curioso de saber, mais amante dos campos e de suas gentes do que da instituição escolar que, então, tinha por desinteressante e rígida.

Foi no meio rural que despertei para a divulgação do saber, gosto que me ficou e procurei desenvolver ao longo da vida, a par de uma intensa actividade igualmente gratificante de investigação científica e ensino na Universidade. Com alguns destes conterrâneos troquei os meus ensinamentos escolares com os seus conhecimentos frutos da experiência sentida e vivida na natureza. Eu explicava-lhes as diferenças entre fanerogâmicas e criptogâmicas, angiospérmicas e gimnospérmicas, tal como as aprendera nas aulas e nos meus livros, eles davam nomes a todas as ervas, arbustos e árvores das redondezas, distinguiam os cogumelos comestíveis dos venenosos e conheciam os ritmos fisiológicos de plantas e animais induzidos pelas variações climáticas decorrentes das quatro estações do ano. Eu descrevia-lhes a fermentação e eles abriam-me os sentidos aos odores e ao calor exalados nos montes de estrume. Eu ensinava-lhes a composição do ar e o papel do oxigénio na oxidação e eles levavam-me a ver e a cheirar a combustão lenta dos fornos de carvão.

Foi no contacto com os camponeses que vi, na prática, a transformação da rocha em solo. A terra solta e as raízes que se lhe arrancavam, as folhas mortas e a microfauna desse fantástico ecossistema estavam ali ao dispor de quem quisesse observá-lo, cheirá-lo, esfregá-lo entre os dedos e sentir e ver os grãos de areia e o pó barrento associado. Do pó da terra à lama, ao barro e à argila ia um passo e, com mais outro, falava-se de cerâmica, dos tijolos e das telhas, quer das actuais quer das tégulas que os romanos por cá deixaram e, ainda, da tigela de faiança ou da chávena de porcelana fina. Falar da penicilina, das milagrosas qualidades germicidas deste, à época, novíssimo antibiótico, explicando-lhes, na medida do meu limitado horizonte de saber, o significado deste e de outros termos do jargão dos cientistas, era o começo de uma conversa que nascia a propósito do bolor do pão, de todos conhecido.

Dois anos de serviço militar obrigatório, a meio de uma licenciatura em Biologia, deram continuidade a esta preocupação de trocar conhecimentos e, sobretudo, de despertar o gosto pelo saber. Levar os soldados do meu pelotão de instrução, na maioria iletrados, a partilharem comigo os saberes deles e os meus foi algo que valorizou e deu sentido ao tempo que tive de quartel, como artilheiro, em serviço militar obrigatório.

O saber científico, cujo desenvolvimento nas últimas décadas registou progressos consideráveis, afirma-se, cada vez mais, não só como veículo indispensável à preparação escolar e profissional, mas também como parte importante da formação global do cidadão. Nesta óptica, a divulgação científica interessa-lhe como elemento potenciador da sua capacidade de intervenção consciente, por exemplo, nas políticas de desenvolvimento e de ambiente, quaisquer que sejam as suas funções ou vocações no tecido social em que se insere.

A pouca atenção ainda dada à divulgação da ciência, por muitas sociedades do presente, tem razões culturais, sociais e políticas bem conhecidas. É paradigmático o pensamento que diz «o poder do feiticeiro assenta na ignorância dos seus conviventes tribais».

Neste quadro, cabe aqueles que tiveram o privilégio de estudar e que, por isso, atingiram níveis elevados de conhecimento, uma responsabilidade acrescida na qualidade de vida dos seus concidadãos.

Galopim de Carvalho

2 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Por agência próspera e garrido zêlo o De Rerum Natura tracta: Divulgação Científica e Cidadania com entusiasmo e compromisso.

José Batista disse...

Assim, bonito, simples, claro, objetivo, sentido e sincero.
Até parece fácil.
Quem quer e gosta de aprender agradece.

Muito obrigado, querido Professor.

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