segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O Conselho Nacional das Profissões Liberais e Graus Académicos

“A vida é um pouco mais complexa do que se diz, e também as circunstâncias. Há uma necessidade premente de mostrar essa complexidade” (Marcel Proust, 1871-1922).

Mercê da atabalhoada transformação do então ensino médio em ensino superior politécnico, tem-se assistido à vã tentativa de endireitar a sombra torta de uma vara de sucessivas asneiras, agravando-se, pelo contrário, a situação ao taparem-se buracos por um lado e abrindo-se crateras por outro lado.

Tudo isto feito ao sabor de uma política de ensino superior nada digna de crédito e, muito menos, de aplauso, por a legislação que lhe foi servindo de respaldo ter ido, na escuridão da noite e de baionetas caladas, ao encontro de interesses partidários, da vozearia dos maiores sindicatos docentes e da vontade de professores e alunos do então chamado ensino superior curto, hoje denominado ensino politécnico. Tudo isto aconteceu, em parte, por causa de uma declarada apatia inicial do corpus universitário face aos poderes públicos que, num abrir e fechar de olhos, de um inicial e simples diploma de estudos superiores do ensino politécnico passaram a conceder o bacharelato para daí partirem para a licenciatura e o mestrado. E ainda a procissão vai no adro!

Reporto-me, por ora, aos graus académicos universitários, imediatamente anteriores ao chamado “Processo de Bolonha”: licenciatura (“com o prestígio da Universidade que lhe deu a primeira credencial de título académico nobilitante”, nas palavras de Adriano Moreira), mestrado e doutoramento. Um tanto a latere, deve ser esclarecido que, embora com vida efémera, a seguir a 25 de Abril, assistiu-se à recuperação do grau de bacharel - com tradição secular em Portugal, v.g., o caso de Eça de Queiroz - na Faculdade de Direito de Coimbra e outras faculdades portuguesas do outros ramos do saber.

Petições do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) têm tentado, de certo modo, minorar, as sucessivas asneiras cometidas no que concerne à atribuição, sem rei nem roque, de graus académicos em território nacional. O núcleo duro da proposta por si apresentada reside em “atribuir a equiparação do grau de mestre às antigos licenciaturas universitárias anteriores a Bolonha”.

Pode dizer-se que remonta a 2004 esta preocupação do CNOP pela confusão que se desenhava no horizonte entre os graus académicos propostos em Portugal e aqueloutros existentes em outros países com a louvável intenção “de adopção de um sistema de graus comparável e legível”. Ora o que hoje se passa é haver uma confusão de graus académicos no espaço europeu que quase exige uma tabela de equivalências de graus académicos ministrados em Portugal e grande parte dos países do velho continente.

Com essa intenção e evocando eu de novo palavras de Adriano Moreira, “para estar nas decisões para não vir a ser apenas objecto delas”, realizou, em Coimbra, o CNOP um Seminário, intitulado “Reflexos da Declaração de Bolonha” (12 e 13 de Novembro de 2004), com a participação de nove ordens profissionais em representação, por ordem alfabética, de advogados, arquitectos, biólogos, economistas, engenheiros, farmacêuticos, médicos, médicos dentistas e médicos veterinários. Na altura, todos estas associações profissionais se manifestaram em bloco (passe a redundância) contra a atribuição do grau de licenciado para o ciclo inicial de estudos universitários.

Em face do panorama do presente ano de 2011, este parecer não teve qualquer impacto, ou mera influência sequer, nas decisões da tutela do então Ministério da Ciência e do Ensino Superior (MCES). Desta forma, neste torrão natal, no nosso jeito secular de complicar as coisas simples, a língua de Shakespeare – veículo de entendimento entre parcelas de territórios de cinco continentes – seria abastardada pela adopção do termo licenciado como que a modos da forçada tradução para português da palavra inglesa bachelor. Tudo isto, depois de consultas, “para inglês ver”, promovidas pelo próprio MCES por ter considerado (?) que o assunto “exigia a assumpção repartida de responsabilidades por parte do Governo, da Administração, das Instituições de Ensino Superior e das Associações Profissionais”. E era, outrossim, acrescentado que “nesse sentido estamos a proceder a uma profunda discussão a nível nacional e a nível parlamentar” (p. 22 de uma brochura emanada desse ministério).

Por outro lado, essa louvável intenção era reforçada pela afirmação de estar em análise o “impacto no exercício das Profissões Liberais através de contacto com as Ordens Profissionais (p. 66, id.;ibid). Mas por, como diz o aforisma, “estar o inferno cheio de boas intenções”, assistiu-se ao degradante desprestígio das licenciaturas universitárias então existentes. E este facto é tanto mais insólito se tivermos em conta que a consulta a um qualquer dicionário nos dá a tradução da palavra inglesa bachelor como "bacharel" em português, com a correspondência a um ciclo de estudo inicial com a duração de três anos, em nomenclatura adoptada para além do Reino Unido, por exemplo, na Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca e República Checa.

Voltando à carga, o CNOPO tenta agora, de certo e, quanto a mim, discutível modo, minorar, as asneiras cometidas no que respeita à concessão de graus académicos através de uma petição online, começada a correr em Julho do ano passado, endereçada à Assembleia da República, que, muito resumidamente, pretende que “aos licenciados pré-Bolonha, com formação de 5/6 anos, seja dada equivalência de mestre” (Notícia do Canal UP, 23/07/2010).

Segundo o Público (16/01/2011), esta petição, subscrita por 49.300 assinaturas (quando seriam apenas necessárias 4000), deu entrada esta semana na Assembleia da República, com o objectivo de “acabar de vez com as confusões e as injustiças criadas com a reforma de Bolonha, exigindo a atribuição do grau de mestre aos titulares de licenciaturas pré-reforma”. A propósito, refiro que, em Março de 2009, através também do CNOP, foi levada a Plenário da Assembleia da República uma petição nesse sentido “com resultados reais nulos”, segundo os seus signatários.

Ainda que “considerada insuficiente pelo CNOP”, encontra-se, simultaneamente, em discussão uma recomendação do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, a ser aprovada pelas universidades, sujeita às seguintes condições: "Quem tiver uma licenciatura feita antes da reforma de Bolonha e contar com cinco anos de experiência profissional bastará um semestre de aulas e a defesa pública de um relatório sobre a profissão para conseguir o grau de mestre".

Cotejando a petição do CNOP e a proposta do Conselho de Reitores, verifica-se o seguinte:

1. Ambas não perspectivam a situação dos mestrados antes de Bolonha.

2. O CNOP, numa visão meramente atenta aos interesses de licenciados universitários seus membros, exclui desta petição licenciados (pré-Bolonha) que, por exemplo, iniciaram no ano lectivo de 1987/88, cursos universitários de formação educacional com a duração de 4 anos. Ou seja, separa os licenciados com 4 anos de formação relativamente aos licenciados de 5 anos, havendo, contudo, uma décalage de dois anos de estudo entre estes e os portadores de um mestrado da altura.

3. O Conselho de Reitores, por seu lado, mostra-se restritivo na sua recomendação ao pretender que aos licenciados, ainda com seis anos de formação, como os casos de engenharia e medicina, seja ministrado ”um semestre de aulas e a defesa pública de um relatório sobre a profissão”.

Em simples exercício de cidadania, mas com respaldo em inúmeros artigos de opinião meus sobre esta temática (v.g., “Declaração de Bolonha, ordens e sindicatos”, Diário de Coimbra, 27/10/2004; “O Processo de Bolonha e as Ordens Profissionais, I,II,III”, Diário de Coimbra, respectivamente, 1, 14 e 18/12/ 2004; “Processo de Bolonha e graus académicos”, Público, 13/06/2005), defendo que já chega de aplicar vacinas de que se desconhece o efeito e as doses a aplicar provocando, por vezes, a disseminação letal da própria doença.

Assim, ainda que possa ser tido como atrevimento, não posso deixar de pôr a discussão uma possível solução para este labirinto, de graus académicos pré e pós-Bolonha, necessitado de um fio de Ariadne que nos indique a saída. Uma solução para o caso português seria a atribuição dos graus universitários de bacharelato, mestrado e doutoramento. Às licenciaturas universitárias anteriores a Bolonha seria dada equivalência aos actuais mestrados, com dispensa de qualquer requisito, pela sua exigência não ser nada inferior (bem pelo contrário!) à destes. Os antigos mestrados seriam considerados como uma pós-graduação com prioridade a um acesso mais rápido aos doutoramentos e benefícios reais em concursos públicos.

Desta forma, as antigas licenciaturas perdurariam na memória colectiva sem qualquer desprimor. Nunca com a indignidade de terem a mesma denominação das actuais licenciaturas. Assim como “as árvores morrem de pé”, título de uma peça de teatro magistralmente representada por Palmira Bastos, o antigo grau de licenciado universitário seria extinto com a dignidade que lhe foi concedida por instituições universitárias de reconhecido mérito sem sair beliscado o seu verdadeiro mérito relativamente aos actuais mestrados.

Mas será que há coragem política para vencer um estado mórbido, provocado por detractores do conhecimento científico, mezinhas de simples curandeiros das ciências da educação e agravado por leis frouxas ou simples declarações de boas intenções? Nada há que um vómito para a mixórdia actual dos graus académicos pré e pós-Bolonha não consiga expulsar!

15 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Enfim, uma confusão.
De qualquer modo há licenciados pré-Bolonha que fizeram um mestrado tradicional. E que, sendo professores do ensino secundário, nunca tiveram como prioridade o acesso ao doutoramento, por considerarem isso (relativamente) pouco importante para melhor desempenharem a sua profissão (de alguma forma, um doutoramento corresponde a saber muito de uma área restrita do conhecimento...), em que é preferível uma formação diversíssima constantemente actualizada. Mesmo pedindo para esses casos "benefícios reais em concurso públicos", qual passaria a ser a habilitação académica correspondente?
Ele há cada imbróglio...

Anónimo disse...

(Gargalhada irrepressivel) !

Que confusão ! Nem sabia da petição, embora veja que sou potencialmente interessado, ja que sou licenciado em direito. Por ironia, obtive varios diplomas de pos-licenciatura em direito no estrangeiro, mas nenhum se chama "mestrado".

O unico diploma com esse titulo que obtive, foi em filosofia (em França, apos 4 anos, o que corresponderia em Portugal à antiga licenciatura), que estudei por interesse pessoal sem nunca ter sequer invocado esse titulo para efeitos profissionais.

E agora atentem no seguinte. Sou advogado em França, de maneira que o titulo pelo qual os meus clientes, os magistrados etc. me tratam é... Maître (Mestre) !!!

Ja estive mais longe de considerar que a forma logica de acabar com essa confusão toda ainda seria acabar de vez com os graus universitarios. A universidade passaria a ser aberta a todos (podendo a sua frequentação ser aconselhada por escolas profissionais); com aulas plenarias e seminarios de trabalho.

Assim os alunos passariam a ir assistir às aulas unicamente em razão do interesse pela matéria, e não para obter um diploma ou passar a fazer parte da casta dos doutores.

E no mercado de trabalho, talvez a situação fosse mais sã. Imagino uma entrevista de emprego assim : "Com que então, o senhor frequentou durante x anos a faculdade de y nas modalidades de z. Faça favor de nos explicar o que la aprendeu..."

Estou a gozar claro (não estou ?).

Felicidades

João Viegas

joão boaventura disse...

Quem se der ao trabalho de consultar o “Relatório do estado da administração do país” apresentado pelo Ministro do Reino, Filippe Ferreira de Araújo e Castro, em 30.12.1822, poderá reconhecer o reino em que vivemos – já lá vão 190 anos – e da necessidade de encontrar uma vacina mais actuante, depois dos fracos resultados da Democracia. Eis como estava este Reino em 1822:

”...é forçoso confessar que os meios de instrucção, que por ora temos, não está ainda em harmonia com a illustração do século, nem com as necessidades da nação. A Administração e economia publica ressentem-se da falta de economistas e administradores; ao mesmo tempo que nos sobejam theologos e juristas” (in Historia dosa Estabelecimentos Scuentificos / litterarios e artísticos / de / Portugal / Nos successivos reinados da Monarquia”, (Typographia da Academia Real das Sciencias, Lisboa, 1872, pp 365 e 366).

Poderá dizer-se que agora haverá economistas e administradores a mais, e teólogos e juristas a menos, mas convém não esquecer que tanto o minguado como o excessivo transportam consigo o mesmo mal. Este reino não avança, e a educação sofre as consequências por viver neste meio coloidal de carências e excessos, entre a falta e a abundância, entre o fingido e o sério, entre o profano e o sagrado.

O retrato desta figuração encontra-se bem delineado por Foucault que apontou a culpa aos totalitarismos do século XX, não aos governantes, mas aos governados, tese abordada por La Boétie, no século XVI, no seu “Discours de la servitude volontaire”, onde retratava, não o abuso do poder, mas o abuso da obediência. Dizia La Boétie:

“ São sempre quatro ou cinco que mantém o tirano; quatro ou cinco que lhe conservam o país inteiro em servidão. Sempre foi assim: cinco ou seis obtiveram o ouvido do tirano e, por si mesmos, deles se aproximaram; ou então por ele foram chamados para serem os cúmplices de suas crueldades, os companheiros de seus prazeres. Esses seis têm seiscentos que crescem debaixo deles e fazem de seu seiscentos o que os seis fazem do tirano. Esses seiscentos conservam debaixo deles seis mil e esses têm milhões” (“Discurso da Servidão Voluntária” , Ed Brasiliense, SP , 1982: 31-32).

Esta definição-descrição boeciana encaixa-se em dois âmbitos: Governo e Partido. Sem o aglomerado de milhões, atrás deles, que se consegue com a isca “votar é um direito cívico”, não há governo nem partido que sobreviva.

Portanto, quando votamos voluntariamente na servidão, não temos de que nos queixarmos, porque demos carta branca a programas de governo e a programas de partidos que são meras intenções e, como intenções, falíveis.

Por isso assistimos incomodados, contra nós mesmos. Porque quando despejamos aqui toda a nossa frustração contra o estado das coisas, no íntimo, estamos a despejá-la contra nós mesmos. É o custo da servidão, de difícil saída porque há uma relação de cumplicidade muito grande entre o governo e seus cúmplices fieis (boys), e entre o chefe do partido e seus cúmplices fieis (boys).

Na mitologia grega, o arquitecto Dédalo - o Estado - inventou o Labirinto, sem saída, para aprisionar o Minotauro - o mundo escolar e universitário.
O mundo escolar e universitário, como o Minotauro, é um monstro que o Estado dificilmente suporta, por isso Dédalo – o Estado – criou o Labirinto Psicológico.

Rui Baptista disse...

Em devido tempo,aliás como é meu hábito, responderei a todos os comentários dirigidos a este meu "post". Todavia, abro uma excepção para o comentário do Colega José Batista da Ascenção por me ter sido formulada uma pergunta directa sobre o imbróglio de graus académicos universitários pré e pós-Bolonha e possíveis corespondências. É ela:"Mesmo pedindo para esses casos [mestrados antes deBolonha]'benefícios reais em termos de concursos públicos', qual seria a habilitação académica correspondente?"

Procurando analogia com os pós-doutoramentos actuais (por se entender que os doutoramentos não devem continuar a ser uma espécie de fim de linha), seria atribuído a esses casos um pós-mestrado.

E este "imbróglio" (palavra por si utilizada com toda a propriedade) mais complicado se torna com a exemplificação do que se passa em França (v.g., comentário de hoje, às 12:07) a merecer uma atenção posterior bem cuidada.

Cordiais cumprimentos,

Fartinho da Silva disse...

Enfim, é o que dá fazer tudo à portuguesa ou seja, fazer tudo em cima do joelho! Eu tenho um mestrado pré-bolonha e uma pós-graduação pós-bolonha. Como ficaria a minha situação no que a títulos académicos diz respeito? Sinceramente, quando algo nasce torto muito dificilmente se consegue endireitar e como tal estou em crer que as faculdades querem apenas aumentar o mercado alvo para poderem receber as propinas que vão faltando.

Anónimo disse...

Tem razão, Dr. José Baptista da Ascensão: vamos à deriva! De, resto, que é que presentemente em Porugal não se rege pela "confusão"? Teremos de voltar à Rotunda, de fisga em punho?... JCN

Rui Baptista disse...

Meu Caro João Viegas: Eis-me a cumprir a promessa de responder aos comentários pelo interesse que trouxeram ao tema em discussão.

Um pouco de ironia fica sempre bem, mesmo para tratar de assuntos bem sérios. Efeito bem diferente tem o riso! Disse-o o nosso imortal Eça: "Há uma receita vulgar para produzir o riso: toma-se, por exemplo, um personagem augusto; puxa-se-lhe a língua até ao umbigo; estiram-se-lhes as orelhas numa extensão asinina; rasga-se-lhe a boca até à nuca; põe-se-lhe um chapéu de bicos de papel; bate-se o tambor e chama-se o público. Mau método, meu caro! Apenas a multidão ri o seu riso, e sai - o personagem recolhe a língua, contrai a orelha, franze a boca, esconde o chapéu de bicos - e continua a ser augusto!"

Quantas augustas personagens, umas mais, outras menos, não são responsáveis pelo estado actual da Educação portuguesa e das suas “Novas Oportunidades”? Mas vejamos, porque disso me fala, o honroso tratamento de mestre (“maître”) atribuído aos advogados em França. Tempos houve, e não tão distantes como isso, em que os mestres das oficinas das antigas escolas técnicas eram tratados por mestres. Com a democracia, uma democracia que teima em igualar desiguais (razão reconheço a W.S.Gilbert: "Quando toda a gente é alguém, ninguém é alguém"), logo se movimentarem para arredarem bem para longe tal classificação por a terem desprestigiante.

Mal advinhavam eles que, passados alguns anos, mestre (grau inexistente no Portugal da altura)passaria a ser um grau académico acima de licenciado. Escreveu um dia, Camilo, que pode-se asnear nos tratamentos, mas na gramática gira mais fino. Hoje pode-se asnear à vontade na Gramática…e nos tratamentos!

A sua proposta de dar à pessoa o seu valor realsem a dependência de graus académicos cuja banalização faz com que não valham, muitas vezes, uma moeda furada, esbarra com uma tradição secular, muito nossa, criticada por Eça (ele próprio bacharel em Leis) que, referindo-se a Ramalho , sua alma gémea no combate à Tolice Humana tida, por eles, como tendo cabeça de Touro (daí o título dado à sua obra comum, “As Farpas”), escreveu: “(…) possui duas qualidades eminentes, de grande resultado moral, rara nos seus contemporâneos: - não é bacharel e tem saúde”.

Mas o fascínio pelos títulos, sejam eles quais forem, não tem apenas o cunho dos nossos tempos. Transcrevo, julgo que a propósito, o que escrevi e que mantém toda a sua actualidade(hoje com o ensino obrigatório até ao 12.º ano, pouco me espantará que, num futuro mais ou menos próximo, essa obrigatoriedade se não estenda, no mínimo, às licenciaturas actuais, para nos mantermos na vanguarda deste velho continente em que países mais avançados são mais parcos nessa obrigatoriedade): “No estertor da monarquia o fascínio pelos títulos de nobreza concedidos a granel (a que o festejado Camilo não foi capaz de se subtrair, só descansando quando o fizeram visconde, logo ele que tanto criticara esses títulos) deu azo ao dito jocoso: ‘Foge cão, que te fazem barão! / Para onde, se me fazem visconde?’ Em nossos dias, com idêntica razão, desajustado me não parece parafrasear: ‘Foge gato, que te dão o bacharelato! / Para que lado, se me fazem licenciado?’ Mas, em tempo algum, as licenciaturas tiveram como destino trágico servirem o ego da legião de desempregados…ou a exercerem profissões para que a seriedade do diploma da antiga 4:ª classe capacitava. E bem!” (Diário de Coimbra, 26/07/2001).

Mas esta conversa, motivada pelo seu comentário, levar-nos-ia bastante mais longe. Mas eu quero que fique, desde já, bem claro que esta tragicomédia não tem como intérpretes aqueles que abjuraram uma ignorância “encartada” por estudo muito esforçado e bastante suado!

Com os melhores cumprimentos,

Rui Baptista disse...

Caro João:
Do seu comentário (pela razão de incindir, essencialmente, na temática do meu post), retenho a sua citação:”...é forçoso confessar que os meios de instrucção, que por ora temos, não está ainda em harmonia com a illustração do século, nem com as necessidades da nação”.

Tal como à época, em nossos dias, os meios de instrução/educação nacionais não estão à altura dos países europeus mais cultos e, por isso, não satisfazem minimamente (com excepções que apenas confirmam a regra) as necessidades de um Portugal em princípio de um novo milénio.

E cá volto eu às citações de livros de mezinha de cabeceira, desta feita, de um outro autor de “As Farpas”, Ramalho Ortigão, tendo como destinatário o Ministro do Reino: “O estado em que se encontra em Portugal a instrução secundária leva-me a dirigir a Vossa Excelência o seguinte aviso: Se a instrução secundária não for imediatamente reformada, este ramo do ensino público acabará dentro de poucos anos”.

Com se vê, meu caro João, o tempo secular não tem resolvido os problemas da educação nacional que vai sobrevivendo à espera de melhores dias em esperança sebastiânica!

Um abraço amigo,

joão boaventura disse...

Caro Rui

Relendo novamente a obra de José Gil, “Em busca da identidade. O desnorte”, e na trilha o teu post, não resisti à trancrição deste excerto, depois do autor ter explicado o efeito devastador, dos discursos metralhados de Sócrates, nos cérebros lusitanos:

“Há chico-espertismo em todos os campos. Desde o automobilista que aproveitou um espaço vago na bicha à sua frente e se precipita ultrapassando os outros para ganhar um ou dois lugares até às decisões ministeriais que fazem os «ricos» (que ganham mais de 5000 € mensais) pagar mais IRS para compensar a «classe média» sacrificada – medida que é, nos seus efeitos, praticamente nula -, toda a vida social, política e privada dos portugueses é um constante rodopio de golpes de Chico-espertismo.

No plano político, poder-se-ia dizer, mesmo, que boa parte da política do executivo se caracteriza pelo Chico-espertismo (taxa moderadora na Saúde, certas cláusulas do Estatuto do Aluno e muitas outras medidas na Educação [quadro da lei institucionalizando a obtenção de diplomas oficiais permitindo ao aluno não estudar, se não quiser], como certas iniciativas da reforma fiscal que retiram certos privilégios aos contribuintes, cêntimo a cêntimo) com que o governo aparentemente facilita a vida dos portugueses sem lhes dar a substâncias correspondente, tornando-os oficial e legalmente verdadeiros chicos-espertos.

Assim, a governação Sócrates institucionalizou práticas e um espírito geral que se caracteriza pelo desvio à lei, pelo «desenrasque» mais ou menos clandestino. Mais: toda a máquina de propaganda do Governo, vital para o regime, se funda no Chico-espertismo. Apresentam-se estatísticas que nada dizem sobre a substância a que se referem, ou modificando as suas fontes (por exemplo, um relatório sobre o Ensino Básico em Portugal feito por uma agência privada, ‘segundo as regras’ da OCDE, como se tivesse sido realizado pela OCDE), manipulam-se os números não os contextualizando, etc. Neste sentido, não é exagerado afirmar que o chico-espertismo está genuinamente a ‘infectar’ a execução das reformas, retirando-lhes visão, alcance e coragem. Mudança que, a manter-se, terá sem dúvida consequências profundas na relação das subjectividades com o poder.”

Fim do excerto das pp 31-32.
Convém voltar a ler a referência, ed. Relógio de Água, Lisboa, 2009

Rui Baptista disse...

Meu Prezado Fartinho da Silva: Cá estamos nós a tentar, uma vez mais, dar o norte a situações que surgem pela força das circunstâncias. Péssimas circunstâncias!

Coloca-me o seu problema, qual é o de ter um mestrado universitário pré Bolonha e uma especialização posterior pós-Bolonha. Esta mais uma acha para uma fogueira que tem queimado em suas labaredas aqueles que mais apostaram na sua formação.

O imbróglio dos graus académicos universitários é já por si muito complicado, e muito mais complicado quando confrontado com graus do politécnico. Como sabe, a intenção nuclear do meu post foi chamar a atenção para o facto de quer o CNOP quer os reitores universitários terem descurado o problema dos mestrados universitários como sendo coisa de somenos importância.

A solução encontrada pelas universidades, que se transformaram em verdadeiros elefantes brancos em que conta mais a conta bancária dos alunos ou dos seus progenitores e menos a massa cinzenta daqueles, desvirtuando o papel que lhe deve caber na defesa dos diplomas/cartas de curso por si outorgadas propõe (como quem dá um bodo aos pobres), para uma equivalência das licenciaturas antigas aos novos mestrados, um cursozinho de seis meses.

Por entender que as antigas licenciaturas universitárias valem menos que os actuais mestrados? Ou seja, uma vez mais, o vil metal ecoa na planície de uma Universidade que sofre a erosão de cursos universitários privados, alguns deles, com diplomas de três ao pataco e do facto da população escolar que a frequenta estar em decréscimo perante a baixa de natalidade.

Chamam a isto o que quiseram, mas não lhe chamem democratização do ensino confundindo-a com mediocratização. Aliás, isto mesmo é dito por si no seu comentário: “(…) como tal estou em crer que as faculdades querem apenas aumentar o mercado alvo para poderem receber as propinas que vão faltando”.

Mesmo sem entrar nos caminhos ínvios de certa política “dos profissionais da política”, devem ser assacadas culpas a todos aqueles que contribuíram e persistem em contribuir para o desencanto de um ensino (dito) democrático que dá razão a Alexandre Herculano: “O sonho de liberdade, o sonho da minha juventude, esta fonte de poesia e acções generosas, converteu-se para mim num pesadelo cansado”.

Rui Baptista disse...

No 5.º §, 1.ª linha, deverá ser feita a separação de "realsem" para real sem.

Anónimo disse...

Caro Rui Baptista,

Obrigado pela resposta. De facto gosto de associar o "maître" pelo qual me tratam ao "mester" e não a um grau académico. Do ponto de vista historico, creio no entanto que a origem do titulo não se prende com nenhuma dessas razões.

Mas não vou investigar.

Gosto da ideia de que o sentido dos titulos jaz no que permanece vivo nos vocabulos que os designam. Não lembraria a ninguém, hoje em dia, seguir cegamente um Duque, ou um Conde, numa expedição guerreira. Em contrapartida, parece-me que continua valida a maxima : "lembra-te que um doutoramento consiste numa demontração rigorosa que tende a provar que o candidato ao titulo é douto".

Assim sendo, e percebendo embora a legitima preocupação dos autores da petição, confesso que gosto particularmùente do meu titulo de licenciado, e reconheço que ele me confere uma certa liberdade.

Tirando isso, penso que a questão bicuda das equivalências, num mundo cada vez mais inter-nacional, acaba por se parecer muito com uma questão "cambiaria". E' bom importar divisas, mas é prudente informar-se sobre o seu valor, a breve, médio e longo prazo. Ora esse tera necessariamente a ver com o que se consegue obter em troca. Logo, venham mestres, licenciados, bachareis e doutores, quantos queiram, mas que nos ofereçam a garantia, minima, de não terem passado incolumes pelas mãos dos seus mestres...

E' sempre um prazer lê-lo.

Felicidades.

joão viegas

Rui Baptista disse...

Meu Caro João: Para lutar contra o chico-espertismo só conheço uma forma, mas que obriga a abrir cordões à bolsa:

"Um indivíduo com um automóvel topo de gama, está prestes a arrumar a viatura entre outros dois carros. Eis senão quando, um chico-esperto, ao volante de um carrito, toma a dianteira arrumando-o nesse espaço.

O dono do carrão, não se contendo, pede satisfações. Logo o outro responde: 'O mundo é dos espertos!". De imediato, aquele automobolista dá uma guinada ao volante espatifando o carro do chico-esperto, dizendo: 'O mundo é dos ricos!'"

Rui Baptista disse...

Prezado João Viegas: Foi com grande prazer que mantive este diálogo com um advogado português a exercer o seu múnus em França. Nos dia de hoje, num mercado cambial(ainda que de títulos académicos) é sempre conveniente saber o que se passa na Comunidade Europeia ou mesmo na aldeia global em que se trasnsformou o mundo actual.

Bem haja!

Rui Baptista disse...

Por último, não quero deixar de agradecer a transcrição deste meu post no blogue "Geopedrados", por parte do Colega Fernando Martins, que, uma vez mais, honra a classe docente com o interesse demonstrado por temáticas sobre o ensino.

Por vezes, sou assaltado pelo desconforto de pensar que uns tantos docentes, só se preocupam com questões meramente laborais. Um abraço grato,

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...