Esperando abrir o apetite para o meu novo livro "A Ciência em Portugal" deixo aqui o início do segundo capítulo, referente à história da ciência (a obra resume também a situação da investigação científica, o ensino das ciências e da cultura científica entre nós):
"Convencionando‑se que a ciência moderna começa no início do século XVII com o físico italiano Galileu Galilei, que não só teorizou como praticou o método experimental, além de ser pioneiro da cultura científica ao divulgar a ciência da forma como o fez, terá de se considerar que o período áureo da história de Portugal, o período dos Descobrimentos marítimos, é um pouco anterior à ciência moderna. Mas ele foi essencial ao florescimento da ciência moderna. Johannes Kepler, o grande astrónomo alemão contemporâneo de Galileu, elogiou os feitos dos portugueses. E um dos amigos de Galileu, o jesuíta Christophoro Clavius, matemático principal do Colégio Romano, a sede dos Jesuítas em Roma, estudou cinco anos no Colégio das Artes, ligado à Universidade de Coimbra. Clavius não terá sido aluno em Coimbra do matemático Pedro Nunes, decerto o maior matemático e talvez o maior cientista português, mas ajudou na divulgação do seu nome por toda a Europa culta, ao efectuar numerosas referências ao trabalho daquele que foi cosmógrafo‑mor do rei D. João III.
Pedro Nunes é um nome incontornável na ciência dos Descobrimentos. Apesar de nunca ter realizado viagens marítimas, criou um novo ramo da matemática aplicada: a matemática da navegação. Desenvolveu também um útil instrumento de medida, o nónio, que foi utilizado pelo dinamarquês Tycho Brahe, mestre de Kepler e o último grande astrónomo antes da invenção do telescópio por Galileu. Ajudado por Clavius e por outros, a sua fama correu mundo, a ponto de um dos livros alemães da sua época colocar o seu rosto na capa ao mesmo nível que os de Euclides e de outros renomados matemáticos. Além de Nunes, outros cientistas‑navegadores portugueses do tempo foram Duarte Pacheco Pereira, que exaltou o valor da experimentação (“A experiência é a madre de todas as coisas”) e D. João de Castro, que efectuou notáveis medidas da declinação magnética, tornando‑se com isso precursor dos estudos do magnetismo terrestre.
Um outro notável cientista na época dos Descobrimentos foi o botânico Garcia de Orta. Viveu na Índia, onde publicou o Colóquio dos Simples, um livro pioneiro sobre plantas tropicais e também sobre doenças cuja cura podia ser obtida com a ajuda dessas plantas. Orta foi amigo de Camões, a ponto de os primeiros versos impressos do nosso maior poeta terem aparecido precisamente na portaria do Colóquio. O facto de a Inquisição ter perseguido postumamente Orta, um cristão ‑novo tal como Nunes, designadamente ao fazer‑lhe um auto‑de‑fé post mortem, exemplifica bem como a ciência enfrentou, em Portugal, desde o seu início, extremas dificuldades advindas de factores de intolerância religiosa, social ou política.
Os Jesuítas tinham criado em Portugal alguns dos primeiros colégios do mundo (em Coimbra, o Colégio de Jesus, além do Colégio das Artes, e, em Lisboa, o Colégio de S. Antão). Alguns jesuítas que conviveram com Galileu realizaram entre nós as primeiras observações com o telescópio. Muitos membros estrangeiros da Companhia de Jesus vinham, nessa época, para Portugal com o intuito de ir missionar no Extremo Oriente. O telescópio foi aliás introduzido na China e no Japão através das viagens marítimas que os portugueses empreenderam. E não foram apenas os telescópios: também os relógios mecânicos chegaram ao Oriente por intermédio dos portugueses ou de estrangeiros que passavam por Portugal. Os conhecimentos de astronomia dos europeus eram tão superiores aos dos chineses que o Tribunal das Matemáticas, o organismo que superintendia na corte imperial de Pequim os assuntos relacionados com o calendário e com as efemérides astronómicas, passou a ser dirigido por jesuítas.
Com a monarquia dual em Espanha e Portugal, Portugal entrou num período de declínio, que também foi visível na ciência. Só no Século das Luzes, primeiro com o rei D. João V (que criou bibliotecas em Coimbra e em Mafra e promoveu a vinda para Portugal de um astrónomo italiano, o padre João Baptista Carbone, que havia de publicar os registos das suas observações nas Philosophical Transactions da Royal Society de Londres) e depois com D. José (que haveria de patrocinar a importante Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra) se observou um ressurgimento da ciência entre nós. No tempo de D. João V a ordem religiosa mais proeminente na astronomia e na física experimental já não foram os Jesuítas, mas sim os Oratorianos, que tinham um Colégio no Palácio das Necessidades em Lisboa, onde é hoje a sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Pontificaram aí dois “estrangeirados”, isto é, portugueses que tiveram de emigrar devido a perseguições na sua terra natal: o padre Teodoro de Almeida, fundador da física experimental em Portugal e também o primeiro divulgador de ciência entre nós, com a sua notável Recreação Filosófica, em dez volumes, e o Padre João Chevalier, um astrónomo que chegou a presidir à Real Academia Belga de Ciências, em Bruxelas. Na segunda metade do século XVIII, o marquês de Pombal, a figura política dominante, perseguiu tanto os Jesuítas (acabando por expulsar essa congregação do país, num movimento que levaria à sua extinção em todo o mundo) como os Oratorianos e, para suprir em parte a sua falta, convidou alguns cientistas italianos a vir leccionar em Portugal (os mais notáveis foram Giovanni dalla Bella e Domenico Vandelli, ambos vindos da Universidade de Pádua, na Itália).
Ficou lendária a rápida e eficaz acção do marquês após o grande terramoto de Lisboa de 1755, tendo mandado efectuar um inquérito que é considerado precursor dos estudos sísmicos a nível mundial. A reforma que efectuou em 1772 da Universidade de Coimbra constituiu um momento de rotura contra o ensino ministrado pelos Jesuítas, que tinha estiolado (apesar de haver algum exagero no retrato que a “máquina de propaganda” do marquês fez dos seguidores de Santo Inácio de Loiola). A reforma ficou assinalada pela construção do Laboratório Chimico num antigo refeitório jesuítico (que hoje alberga a sede do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra) numa época em que a ciência química estava a desabrochar pela mão do francês Antoine Lavoisier, e pela criação do Gabinete de Física Experimental (um dos mais notáveis do mundo, cujas colecções de instrumentos integram hoje aquele Museu), do Gabinete de História Natural, do Jardim Botânico de Coimbra (antes tinha sido criado outro na Ajuda, em Lisboa, mas mais vocacionado para recreio e educação da Casa Real), etc. O ensino experimental foi instalado na que era então, desde o fecho da escola jesuítica eborense, a única universidade portuguesa.
Não se pode, contudo, dizer que a reforma das ciências ordenada e dirigida pessoalmente pelo marquês tenha beneficiado largas camadas da população, uma vez que o número de alunos que frequentavam nessa época estudos superiores de ciências era extremamente diminuto. As faculdades de Matemática e de Filosofia que então foram criadas serviam essencialmente à preparação para estudos posteriores de Medicina.
Influentes no processo de reforma empreendido pelo marquês foram outros “estrangeirados”, como os médicos judeus António Nunes Ribeiro Sanches, que esteve na Holanda, na França e na Rússia, Jacob de Castro Sarmento, que esteve exilado em Inglaterra, e o físico João Jacinto Magalhães, também foragido em Inglaterra, que conviveu com alguns dos mais importantes cientistas da época (como James Watt e Alessandro Volta) e hoje é lembrado por um prémio, instituído em sua honra e com uma dotação inicial doada por si, da American Philosophical Society. (...)"
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1 comentário:
A auto-promoção é uma re tão bela. Em especial quando é feita através de um texto ligeiro, ligeiro. Quase parece um Wiki-texto sobre a história da ciência em Portugal.
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