sábado, 3 de abril de 2010

AGREGADOS ATÓMICOS E NANOTECNOLOGIA


Um dos domínios de maior actualidade da Física é a Física de Agregados (em inglês “Cluster Physics”). Trata de estudar tanto do ponto de vista teórico como experimental conjuntos de alguns átomos (de dois até milhares e mesmo milhões). Do ponto de vista do objecto de estudo, assemelha-se portanto à Física Molecular e à Química-Física, mas o seu âmbito ultrapassa bastante o da Física Molecular convencional porque trata de “moléculas” que não são produzidas usando as técnicas usuais e que, ao contrário das moléculas inorgânicas vulgares, podem ser extremamente grandes. De facto, de um metal simples como o sódio podem produzir-se agregados de dois átomos (dímero), três átomos (trímero), quatro átomos, e por aí adiante até, em princípio, ao número de Avogadro de átomos, quando já não se fala em agregados mas sim em matéria sólida. O mesmo se pode dizer de um material semicondutor como o silício. E de muitos isoladores, incluindo os gases raros. Interessa conhecer o modo como surgem as propriedades dos sólidos a partir das propriedades dos átomos. Uma questão a resolver é a seguinte: qual é o número mínimo de átomos de um certo elemento para que se tenha uma amostra com as propriedades dos sólidos. A resposta é que esse número depende da propriedade e depende do elemento...

Os agregados metálicos produzem-se po vaporização de um material, usando raios laser, arrefecendo em seguida o conjunto de fragmentos que foram separados, e conduzindo-os a um sítio onde eles podem ser identificados. Este último processo, que só foi conseguido com eficácia a partir dos anos 80, consegue-se usando um feixe de átomos de gases raros, que não reagem quimicamente com os agregados. A medida das massas dos agregados obtidos neste tipo de experiências permititu concluir que certos agregados eram mais abundantes do que outros e que estes agregados eram mais abundantes precisamente porque eram mais estáveis. Continham certos números de electrões de valência, chamados números "mágicos". Procuraram-se e procuram-se números mágicos muito grandes, números que se poderão chamar super-mágicos.

Do ponto de vista teórico, os agregados metálicos podem ser vistos numa primeira aproximação como um conjunto de electrões independentes movendo-se num fundo de carga positiva que substitui os iões. Este modelo, chamado modelo de geleia, é afinal muito semelhante ao modelo atómico de Thomson - o "modelo do pudim de passas". Apesar de ser extremamente simples, conduziu à explicação de muitas propriedades dos agregados, como por exemplo os números mágicos e super-mágicos e os valores da energia de ionização, isto é, a energia necessária para extrair um electrão do agregado. A resposta a uma excitação provocada pela recepção de luz foi também estudada, concluindo-se que os electrões de condução vibravam para um lado e para outro na superfície do agregado. Só a luz de certos comprimentos de onda é absorvida num processo de ressonância... Uma aplicação deste tipo de estudos, que aliás os precedeu de muitos anos, encontra-se nos vitrais das igrejas: os antigos artistas, sem saber nada de agregados, colocaram grãos metálicos no interior do vidro para absorver certos tipos de luz visível e não outros, conseguindo cores diferentes consoante o metal particular utilizado.

Mas uma segunda aproximação consiste em saber qual é a estrutura pormenorizada do agregado, isto é, em conhecer as posições que os iões ocupam a baixas temperaturas. Estudos baseados em simulações computacionais permitem determinar qual é a energia correspondente a várias estruturas e procurar assim a estrutura de energia mínima. Acontece, porém, que há estruturas (e portanto formas) com energias muito parecidas: são os chamados isómeros. Para distinguir qual é o isómero de energia mais baixa torna-se muitas vezes necessário aumentar o rigor dos cálculos o que, na prática, significa um aumento do tempo de processamento, colocando-se desafios aos novos computadores. As experiências no laboratório dificilmente distinguem agregados de diferente forma. Mas a forma é uma propriedade que pode influenciar o comportamento químico do agregado.

Um dos sonhos dos físicos que estudam agregados consiste em construir agregados com certas propriedades estabelecidas a priori. Trata-se de um processo de engenharia à escala atómica, que é a escala dos nanometros (um milésimo de milionésimo do metro) e que por isso se chama nanoengenharia ou nanotecnologia. Feynman afirmou uma vez que “há muito espaço lá em baixo”, querendo com isso dizer que a nível molecular se podem arranjar os átomos da maneira que se pretender. Tinha razão antes do tempo. Hoje, investigações teóricas e experimentais confirmam dia a dia que técnicas desse tipo, apesar de delicadas, são viáveis. Há, de facto, “muito espaço lá em baixo”, que vai sendo preenchido com a imaginação e a habilidade dos físicos.

Na imagem: simulação computacional do agregado de sódio 9+ (isto é, agregado com nove átomos de sódio e ionizado através da retirada de um electrão, um processo que origina uma estrutura particularmente estável por o agregado ter um número mágico, 8, de electrões de valência) obtida há alguns anos no Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra.

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