quarta-feira, 10 de junho de 2009

Ordens profissionais, a canção e os cantores

Recebemos a seguinte resposta de Rui Baptista ao recente post de Luís Aguiar-Conraria:

“Tudo seus avessos tem” (Sá de Miranda, 1481-1558).

Como Desidério Murcho discorda da criação de uma Ordem dos Professores transcreve o testemunho “de alguém que sabe mais destas coisas que eu [ele] e que também discorda: Luís Aguiar-Conraria.

Em jeito de explicação para a minha presença aqui, mais por devoção do que por obrigação, começo por agradecer a Desidério Murcho a oportunidade que aproveito para apresentar os meus contra-argumentos numa causa pelo qual me tenho batido, não com entusiasmo juvenil, mas com persistência serôdia. Obviamente, estendo o meu agradecimento ao professor Luís Aguiar-Conraria, autor do referido testemunho, pelo exercício a que me obriga em (re)examinar o meu ponto de vista como autor dos “vários posts convidados que defendem a criação de uma ordem dos professores”.

Naturalmente, esta é a questão que se deve pôr ab initio. Para que serve uma ordem profissional? Muito resumidamente (Curso de Direito Administrativo, Freitas do Amaral): 1. “Exercício de determinadas funções públicas que em princípio pertenceriam ao Estado”. 2. “Controle de acesso à profissão”. 3. “Poder disciplinar sobre os membros”.

Julgo que a adopção destas atribuições no caso da docência evitaria que:

1. O ministério da Educação continuasse a ver nos professores uma espécie de escravos gregos, ao serviço dos senhores de Roma (titulares das cúpulas ministeriais), que não são ouvidos nem achados para se pronunciarem sobre assuntos relativos à docência que não digam respeito a questões meramente laborais.

2. Alguém se intitulasse professor pelo simples facto de ensinar as primeiras letras ao filho de um amigo analfabeto, a exemplo de alguém que, pelo simples facto de aconselhar um desparasitante para o cão da vizinha, se pudesse achar e, ou ainda, intitular médico veterinário.

3. As regras de comportamento regidas por códigos de boa educação fossem suficientes para estabelecer regras de conduta próprias de uma determinada profissão relativamente ao seu múnus: sociedade, escola, colegas, alunos, etc.

Numa coisa estamos ambos de acordo. Na reprovação da proliferação de ordens profissionais que faz com que no âmbito da Saúde coexistam a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Enfermeiros de utilidade evidente para a respectiva tutela que pode encontrar, por vezes, apoio numa dessas ordens e, outras vezes, numa outra. Cumpre-me, por outro lado, esclarecer que a Associação Sindical Pró-Ordem dos Professores, como o nome indica, é uma associação sindical cujo logotipo causa confusões por a designação “Ordem dos Professores” aparecer com um tipo de letra maior e mais destacado que “associação sindical”. No que tange aos psicólogos a respectiva Ordem já tem existência legal. Foi criada através da Lei nº 57/2008, de 4 de Setembro de 2008.

E porque vem a talhe de foice, estabeleço uma analogia entre o que referi acima sobre toda a gente se achar no direito de ensinar e o desconforto causado em George Miller, doutorado em Psicologia por Harvard, quando conta a sua experiência pessoal: “Hesito um pouco antes de dizer que sou psicólogo, não porque tenha vergonha em ser psicólogo, mas porque sei que, provavelmente, me vou meter numa série de equívocos. Há pessoas que me dizem: ‘Ah, é psicólogo?’ Parece-me que a minha mulher me está a chamar – e vão-se embora. Depois há a reacção oposta: ’Então é psicólogo? Bem, eu também sou um bocado psicólogo!’ - e contam como treinaram o cão para que lhes levasse o jornal a casa”.

Mutatis mutandi, o caso não está tanto em a pessoa se intitular professor, mas no exercício da função docente por indivíduos mal preparados, embora com um papelucho com o imprimatur do Estado, responsáveis, em parte, por um país de “analfabetos diplomados” (Francisco de Sousa Tavares). O mesmo sucedia no caso dos arquitectos, antes da criação da respectiva ordem profissional, numa actividade, sem rei nem roque, em que qualquer indivíduo a exercia a seu bel-prazer sem qualquer habilitação específica. Muitas vezes, apenas, por ter um certo jeitinho para o desenho.

O caso pessoal apresentado por Luís Aguiar-Conraria pode até configurar uma situação merecedora da razão que assistiu a Sófocles quando escreveu: “Há um ponto em que até a Justiça é injusta”. Mas o facto das ordens profissionais terem defeitos que são do conhecimento público não justifica que a canção seja de todo em todo má. Os maus cantores é que, por vezes, desvirtuam a sua letra quando não cumprem os seus deveres, atendo-se, apenas, aos seus direitos. O facto de um automóvel poder atropelar peões incautos não significa que se diabolize as suas vantagens como meio de transporte.

Bem sei, como certamente saberá o meu contraditor, que a temática sobre corporações profissionais (englobando, como tal, os sindicatos) apresenta os seus abrolhos, tendo a virtude de, finalmente, o assunto ser discutido à luz do dia, civilizadamente e sem o véu pesado do anonimato que desresponsabiliza a opinião dos seus autores, muitas vezes, na condição de “gato escondido com o rabo de fora”

Finalmente, não resisto em trazer à colação a opinião favorável de um professor, também ele universitário: “Houvesse uma Ordem dos Professores e tudo subiria de nível. Uma Ordem não é um mero sindicato, estreitamente atento a questões materiais. Merecem-na os que, na comunidade portuguesa, cumprem, no duro, a grande missão de educar” (Henrique Barrilaro Ruas).

60 comentários:

maria disse...

Também não acho bem. Representa mais uma criação de uma estrutura de poder. E eu não gosto nada de poder.
Era bom que as ordens representassem a excelência , mas não representam. Representam dinheiro. Passo.

joão viegas disse...

Caro Rui Baptista,

Não me vou pronunciar sobre a questão da oportunidade de criar uma ordem dos professores, mas apenas dizer que o post de LAC também me deixou com os cabelos em pé. Não esta em causa a boa fé do autor, ou a sua capacidade de analise, mas sim a forma como raciocina a partir de dogmas que inquinam completamente a sua apreensão da realidade.

As ordens profissionais são, se me lembro bem das minhas aulas de direito administrativo, pessoas privadas investidas de uma missão de interesse publico. Existem, e justificam-se, independentemente da questão de saber se deve ou não haver monopolio, ou mais rigorosamente, actividade regulamentada. Ha advogados que actuam em processos onde o ministério da advocacia não é obrigatorio. Ha advogados que pensam que o ministério de advogado nunca devia ser obrigatorio, e isto não significa que eles sejam contra a existência de uma ordem profissional...

Por outro lado, precisamente porque, e na medida em que, certos profissionais desempenham funções de interesse publico, as ordens profissionais estão investidas de missões de ordem publica, devem cumprir regras definidas pelo poder legislativo e regulamentar, que visa precisamente a obrigar os profissionais organizados a tomar em consideração o interesse publico. Ou seja : na sua forma actual, visam precisamente a impedir que os profissionais se unam e se organizem em associações puramente privadas, que teriam apenas em vista a prosecução dos seus interesses corporativos (como foi o caso durante muito tempo).

Não digo que essas regras não devam ser analisadas para aferir em que medida atingem o seu objectivo (e que eu saiba isto esta constantemente a acontecer).

Agora vir de repente defender, como se se tratasse de uma subita descoberta da polvora, que o melhor seria não haver regras nenhumas, é esquecer que, no sistema actual, as regras protegem acima de tudo os "consumidores". Se não houvesse regras, se não existisse uma ordem dos médicos e se ela, em conjunto com os poderes publicos, não procurasse combater o exercicio ilegal da medicina (ou seja o exercicio da medicina por pessoas que não têm nem experiência, nem ética, nem sequer empenho em tratar de acordo com os requisitos da arte médica), os pacientes é que ficavam a perder.

E isto acontece precisamente porque quando estamos perante uma arte complexa, com requisitos técnicos, deontologicos, etc., não ha mercado, nem universidade que possa suprir o controlo exercido pelos profissionais do ramo...

Se seguissemos a argumentação de LAA, deveriamos defender que, afinal, o charlatanismo também faz parte da logica do mercado. Afinal, quem se dirige a um curandeiro que andou uns anos na Universidade e que pôs uma placa a dizer "médico" propondo banha da cobra a um preços imbativeis, não se pode queixar. Pagou menos, sabia que isso era arriscado e afinal morreu. Tudo bem, é o mercado a funcionar...

O que me espanta é a forma como LAA (e muitos outros) se dispensam de analisar minimamente o assunto. Para eles, é obvio que por tras de qualquer regra, esta sempre um abutre escondido a querer enganar o povo. Isto pode até servir como ponto de partida da reflexão, mas não dispensa que se estude um pouco o assunto. E' o que faz toda a diferença entre postura cientifica séria, e coboiada...

Rui Baptista disse...

maria: A sua opinião (aliás, com qualquer outra) representa um direito sagrado nas sociedades (verdadeiramente)democráticas: o direito à liberdade de expressão. Todavia, como defendeu um juiz norte-americano, "o direito à liberdade de expressão não protege o direito de ter razão, mas o direito a não a ter". Cito-a, agora: "Passo".

Fernando Martins disse...

Excelente texto e boa resposta. Há que dar o mérito aos bloggers deste belíssimo espaço por manterem o contraditório, pois é da discussão que nasce a verdade.

Neste caso a verdade está do seu lado...

José Mesquita disse...

"As ordens são pessoas privadas investidas de uma missão de interesse público". Muito bem. o que flha é mesmo a definição de "público". O que se verifica, sim, o que se vê, é que o público para a Ordem dos Médicos são... acertaram, os médicos. o público para a Ordem dos Farmacêuticos são... acertaram, os farmacêuticos. E assim sucessivamente. E com os professores não seria diferente. Se uma Ordem serve para "o exercício de determinadas funções públicas que em princípio pertenceriam ao estado" então permitissa-se ao estado exercê-las. Sempre tem maior legitimidade e, neste caso, podemos dizer "O estado somos Nós" e numa ordem " A ordem somos alguns com entrada reservada".

joão viegas disse...

Caro José Mesquita,

Não discordo da forma como coloca a questão. Mas pode verificar que, na pratica, os poderes publicos assumem perfeitamente o seu papel, e as ordens cumprem. Por exemplo, as regras de acesso às profissões de médico, advogado, etc., são definidas por lei e por regulamento. A ordem é consultada, mas não é quem decide. E ha inumeros outros dominios onde as coisas se passam da mesma forma. As proprias regras deontologicas, são muitas vezes sancionadas também por normas penais, decididas pelos poderes publicos, que velam pela sua aplicação e sancionam, mesmo quando as ordens não o fazem (ex : a violação de segredo profissional).

E' obvio que isto não quer dizer que esteja tudo bem e que as ordens profissionais estejam ao abrigo de criticas. Pelo contrario, ha que ver em que medida o sistema permite de facto proteger o interesse publico. E, obviamente ha que denunciar as perversões que permitem, muitas vezes, que o sistema seja utilisado no interesse dos profissionais em detrimento do publico.

Mas não me parece responsavel afirmar que o sistema apenas visa proteger monopolios e que, se não existissem regras nem ordens, as pessoas teriam acesso a serviços melhores e mais baratos, posição defendida por LAC (e não LAA, desculpem as gralhas).

Rui Baptista disse...

Caro João Viegas:

“Atingir o ideal é compreender o real” – Jean Jaurès.


Quando li a parte final do seu comentário ao “post” da Helena , intitulado “Um cenário irrrealista”, senti uma espécie de formigueiro nos dedos que me incitava a escrever-lhe a pedir a sua opinião sobre as ordens profissionais, dado a maneira como argumentava nesse bem elaborado e eticamente correcto comentário, concordando com o referido “post” no essencial e discordando no particular. E porque se tratava de uma salutar troca de ideias entre pessoas civilizadas e educadas mereceu o comentário uma resposta” bem elaborada e eticamente correcta”, outrossim, por parte da sua autora, académica que merece o maior respeito pela frontalidade delicada (e bem feminina) como defende as suas posições sem agressões gratuitas que nada de novo trazem às temáticas em discussão a não ser um mau funcionamento do fígado que despeja a sua bílis em quem connosco discorda.

Transcrevo a parte final do seu comentário:” Estava mesmo a precisar de criticar um post do De Rerum. A escolha era entre este e um do Conraria mais acima, acerca de ordens profissionais, que é um perfeito exemplo do absurdo a que chegamos quando raciocinamos com os dogmas liberais na cabeça, mas isto ter-me-ia dado mais trabalho”.

O meu comentário não passou ao teclado do computador pelo receio de poddr parecer estar eu a” meter a foice em seara alheia”. Tinha ele a seguinte redacção: “Vai-me perdoar a ousadia, mas muito útil seria ouvir a sua opinião em defesa das ordens profissionais numa altura em que elas estão a servir de bombo de festa de certos comentários como quem lança para o ar simples bitaites em que os portugueses se mostram eméritos em reuniões de mesa de café no desejo de brilharem junto de uma assembleia de compinchas enquanto tomam a bica e bebem uns conhaques".

A propósito, ocorre-me aquela história de um indivíduo que chegado ao café, para dar uma ar de pessoa culta, uma cultura de almanaque ou de uma consulta descuidada na Net, diz para os amigos: “Eu sou como o Sócrates (não o político, por via das dúvidas!). ‘Só sei que nada sei’”! Logo os amigos lhe respondem como que a uma só voz: “Nós também somos como o Sócrates. Todos sabemos que tu nada sabes”!

Não fosse o seu comentário, agora dirigido, a um” post” meu, e tudo isto teria ficado no tinteiro. E ainda bem que não ficou por, uma vez mais, demonstrar o seu comentário que não discute pessoas, mas sim as ideias de que discorda (disse isso mesmo, de forma lapidar, Fialho de Almeida: “A luta é legítima. Eu não respeito as suas ideias, respeito-o a si”), quando escreve sobre o “post” , “Estado Corporativo”: “Não está em causa a boa fé do autor, nem a sua capacidade de análise”!

Julgo (e dir-me-á se estou errado na parte que lhe diz respeito) que podemos encontrar arrimo em Proust quando defende a medicina: “Crer na medicina é suprema loucura, se não crer nela não fosse loucura ainda maior”. De igual modo, acreditar que as ordens profissionais resolvem todos os problemas relacionais entre ela e a sociedade é uma utopia (como li algures, a utopia é o sonho do homem acordado), mas utopia maior me parece ser deixar que as profissões se anarquizem a ponto de “valer tudo menos tirar olhos”!

Nisso os sindicatos têm sido de uma habilidade de lhes tirar o chapéu quando, em nome dos seus corifeus e, acessoriamente, dos interesses dos respectivos associados, promovem a mediocridade igualando desiguais ou mesmo superiorizando os interesses dos medíocres aos interesses da própria sociedade.

Obrigado pelo seu comentário, portanto, pelo aporte trazido a uma discussão que como, todas as outras, terá os seus defensores e os seu detractores . Não discutir os assuntos é mantê-los na obscuridade cautelosa, ou mesmo intencional e criminosa, do “laissez faire, laissez passer”! Os outros que se chamusquem que nós cá estaremos para colher os benefícios se os houver da sua luta!

Anónimo disse...

É muito maior o mal que pode fazer um médico ignorante, do que o bem que pode fazer um médico sabedor. A Ordem faz o levantamento daquilo que os distingue. No ensino e no que aos professores diz respeito, aquela diferença "...é uma coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma". Só uma Ordem de Professores poderá ajudar a dissipar a "bruma" que teima em promover e até em titular a mediocridade.

Fartinho da Silva disse...

Julgo que esta resistência à criação de uma Ordem de Professores ou a qualquer outra se deve a uma cultura em que se julga que o Estado deve ter o poder absoluto sobre a sociedade. Esta forma de pensar em Portugal tem raízes históricas que vão para além desta falida república e teimam em resistir.

Dou aqui apenas um pequeno exemplo deste caldo de cultura e não vou falar de quem nos "governa" neste momento, porque aí teria que me desviar para a Venezuela. Julgo que toda a gente se recorda do Orçamento de Estado que ficou conhecido como o Orçamento do Queijo. Ficou assim conhecido, porque um deputado do CDS teve a ousadia de se lembrar de representar quem o elegeu...! Neste país em que a sociedade se habituou a ver os deputados a obedecerem cegamente ao chefe de ocasião do partido, este acontecimento revestiu-se de um enorme escândalo. Aliás, este deputado por ter representado quem o elegeu foi duramente repreendido pela generalidade da Comunicação Social, pela grande maioria dos comentadores e até pelo próprio partido.

Agora imagine-se o que era retirar poder ao todo poderoso Ministério da Educação através da criação de uma Ordem de Professores.... era só o que faltava!

Rui Baptista disse...

Prezado Fernando Martins (11 de Junho,11:06):

Escreveu Santo Inácio de Loyola (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus: “Para os que crêem nenhuma explicação é necessária; para os que não crêem nenhuma explicação é possível”.
Trata-se, neste particular, de uma questão de fé religiosa que certos comentadores deste meu “post” pretendem transformar em matéria de reprovação à criação de uma Ordem dos Professores. Receio que esta posição seja havida como muro intransponível, embora na esperança de que “água mole tanto dá até que fura”. Não é verdade, que os mais sólidos diques, por vezes, não muitas felizmente, cedem à força das águas?

Seja como for, nunca por nunca ser, pretendeu ser minha intenção transformar esta questão numa simples teimosia da minha parte e, muito menos, como uma questão de fé, como comprovam os meus vários “posts”, e os inúmeros comentários, bons, maus ou assim-assim, que vou debitando com matéria factual em defesa de uma Ordem dos Professores.

O apoio que deu à criação da referida ordem colocam-no no número daqueles para quem “nenhuma explicação é necessária”. Daí a não urgência em responder ao seu comentário em que reconhece ser o “De rerum natura”, em transcrição de palavras suas, um belíssimo espaço por manter o contraditório. Contraditório, aliás, que nos dá uma retroacção daquilo que escrevemos e da sua aceitação ou não por parte de quem nos lê.

Esta matéria tem levantado uma grande celeuma. Por isso, todos os comentários feitos, ou que venham a ser feitos, a favor e em seu desfavor, serão bem-vindos porque, julgo que foi Ortega y Gasset que o escreveu, “cultura é, frente ao dogma, discussão permanente” . Ou, em versos de António Gedeão, respeitável mestre da ciência e da arte de ensinar:”Onde Sancho vê moinhos/D.Quixote vê gigantes/Vê moinhos? São moinhos/Vê gigantes? São gigantes.”

Mas no caso da criação da Ordem dos Professores há que saber distinguir os moinhos dos gigantes, ou vice-versa. Só assim esta discussão não se eternizará com uma solução para as calendas gregas, com reais benefícios para os sindicatos docentes (que ao contrário de outras profissões com ordens e sindicatos) se querem perpetuados num cómodo ocupar de todo um terreno profissional com a cumplicidade de uma tutela ministerial a quem esta situação convém para manter o jugo sobre os professores sem audição sobre matérias bem importantes que transcendam questões de natureza salarial ou de horários de trabalho. Quer se queira ou não, em inspiração shakesperiana: “Thar his the question”!

J.M.P.O. disse...

Caro João Viegas

"A ordem é consultada, mas não é quem decide". Estabeleçam como requisitos legais para entrada a execução de um exame e dêem liberdade avaliativa (discricionariedade) na correcção desse exame. Acham mesmo que não há discricionariedade na aferição de quem entra só porque os requisitos de entrada estão plasmados na lei? Isso é ingenuidade! A liberdade de avaliação dos exames (feita não raramente por INCOMPETENTES e com recurso a rácios), faz com que sejam defraudadas todas as garantias conferidas pela lei.

“Há advogados que actuam em processos onde o ministério da advocacia não é obrigatório”. E que processos são esses? Um bom Jurista que não seja professor universitário vê a vida limitadíssima se não for advogado. Basicamente pode aconselhar uma empresa mas não a pode representar e tem de ter um vínculo com essa empresa ou então está a praticar consultadoria jurídica ilícita.

Volto a repetir aquilo que disse, as Ordens são uma das melhores formas de lidar com alguns problemas mas há que ter muita cautela com elas porque servem cada vez mais para manter nichos de mercado.

Depois há uma coisa que ainda não foi tratada aqui e que penso que seria de grande utilidade porque apesar de ser uma questão lateral influi e muito com o problema que está em debate. Não sou neo-liberal nem estou lá perto mas há uma coisa em que acho que se deveria atentar. A oferta de trabalho, no caso dos professores é, maioritariamente, feita pelo Estado. Isto faz com que na escolha da universidade para onde ir se coloque a questão de saber não qual é a universidade que prepara melhor mas a que dá melhores notas que facilitem a entrada na função pública.

Quando estava a concorrer ao ensino superior houve uma professora que me disse qualquer coisa deste tipo: “Se queres ser um bom Jurista concorre a Coimbra, à Clássica de Lisboa ou à Católica eu aconselho-te isto mas aviso-te que será um problema se quiseres concorrer a um cargo na Administração porque nestas faculdades (principalmente nas duas primeiras) as boas notas vão até 15/16 raramente acima disso, o que é uma chatice nos concursos públicos onde poderás ser ultrapassado por alguém com menos bagagem que tu mas com melhor nota.”

Isso é verdade, mesmo no caso dos juristas, não é preciso a inscrição na ordem para responder a um concurso público, um bom aluno de uma universidade como as citadas terá problemas se quiser ir para certos cargos de jurista na Administração porque tem notas mais baixas. A forma como são feitos os concursos públicos é um atentado à própria boa administração porque não se tem em conta o conhecimento mas as notas independentemente do sítio onde elas foram tiradas. Toda a gente sabe que há pessoas que vão para universidades menos exigentes em termos técnicos e científicos para ficarem com boa nota que facilite o concurso a cargos públicos.

Com “Bolonha” esta situação agrava-se porque não se faz uma distinção entre licenciaturas e mestrados antes e depois de Bolonha (acho que este tema já foi tratado aqui no De rerum natura). As próprias faculdades (as de direito pelo menos que são as que conheço melhor) distinguem entre mestrado científico e mestrado de Bolonha ou profissionalizante sendo o primeiro um mestrado que visa “reforçar as competências de investigação…” e o segundo um “complemento da licenciatura”.

J.M.P.O.

Anónimo disse...

Os deputados representam o país e não uma região. Há uma diferença e às vezes um conflito entre o interesse público nacional e o interesse público regional e os deputados são eleitos (segundo a CRP) para defender o interesse nacional!

Anónimo disse...

concordo com a criação de uma ordem de professores, uma ordem permite uma checks and balances mais próximo e eficaz do trabalho dos professores, até pelos pares... a questão é que se os professores se vêm tão aflitinhos por terem de avaliar os seus pares serão eles capazes de assimilar um conselho deontológico?
a existir defendo que o acesso a essa ordem por parte dos licenciados se faça nos mesmos moldes em que o fazem os que ingresssam na ordem dos advogados... não por mera inscrição....

joão viegas disse...

Caro J.M.P.O.,

Tem razão em muito do que diz e devo rectificar algumas afirmações que fiz de forma um pouco aproximativa (eu bem sabia que isto ia dar trabalho...).

1. Quando disse que é o legislador (e o poder regulamentar) quem fixa as regras, estava a pensar nas condições de acesso à profissão (para os advogados : ter uma licenciatura em direito, ou experiência equivalente, não ter sido condenado, submeter-se a um exame de conhecimentos nas disciplinas x, y, etc.). Estas regras não são definidas pelas ordens. E' um facto que as regras em questão conferem muitas vezes às ordens o poder de efectuar o controlo das condições, e que isto implica uma margem de discrição. So que isto acontece porque o legislador (você e eu) entende que as ordens estão em boa posição para desempenhar esse papel. Alias, tanto quanto sei, é sempre possivel recorrer das decisões das ordens, que estão submetidas ao controlo dos tribunais do Estado. E se amanhã o legislador decidir (por exemplo porque entende que as ordens não cumprem o seu papel devidamente) que o ingresso na profissão deve ser feito mediante concurso publico, pode sempre mudar as regras. Mais uma vez, trata-se de regras legais, ou regulamentares, não de regras ordinais...

2. Ja quanto ao paragrafo sobre monopolio e actividade regulamentada, fui um pouco confuso, porque estamos de facto, na grande maioria dos casos, a falar de profissões regulamentadas. Mas isto não equivale necessariamente a um monopolio. Po exemplo, você pergunta quais são os casos em que não existe ministério obrigatorio de advogado. Olhe, eu sou advogado em França (embora formado em Portugal, a Europa permite estas coisas, e ainda bem) e pratico contencioso principalmente em areas onde não existe ministério de advogado obrigatorio : direito do trabalho, direito da segurança social, direito administrativo. Em França, nos pleitos laborais, os trabalhadores podem ser assistidos, e mesmo representados, por delegados sindicais, ou ainda por outros trabalhadores da empresa ou do sector. Eu vejo alguns méritos nesse sistema e não me queixo nada (antes pelo contrario) da "concorrência" dos delegados sindicais. Isto não obsta a que eu pertença a uma ordem profissional, e que eu ofereça aos meus clientes, entre outras coisas, a garantia que eu cumpro uma determinada deontologia. Portanto embora eu exerça em dominios onde não é obrigatorio recorrer ao advogado, e mesmo em dominios onde as funções tradicionais do advogado são frequentemente exercidas por outros intervenientes, não deixo de ver méritos na existência de uma ordem profissional.

Tanto quanto me lembro, em Portugal, as coisas são um pouco diferentes nesse aspecto, na medida em que na maior parte dos casos so o advogado esta habilitado a exercer o mandato judicial. Portanto percebo o seu comentario. Mas repare que podemos conceber um sistema diferente. Ainda que o mandato judicial pudesse ser exercido por outros profissionais (contabilistas, solicitadores, associações de consumidores, etc), a existência da ordem dos advogados continuaria a fazer sentido...

J.M.P.O. disse...

Concordo consigo mas há algumas coisas que me deixam preocupado. É verdade que cabe recurso judicial das decisões das Ordens profissionais enquanto actos administrativos que são.

Mas isto não acontece sempre. Os actos discricionários não são, como sabe (pelo menos por cá), susceptíveis de recurso.

Imagine que eu faço um dos exames de ingresso à ordem dos advogados e o corrector ou porque não concorda comigo, não me percebe ou porque ainda não chumbou muita gente (isto acontece, é verdade), me chumba apesar de eu ter um exame excelente que daria um 15 ou mais numa universidade como a Clássica ou a UC. Na ausência de uma grelha de correcção (e mesmo com ela) a avaliação é discricionária, tem o recurso interno (muitas vezes feito pelo mesmo corrector) mas é difícil que seja admitido outro tipo de recurso, nomeadamente o Judicial. Há Autores como (v.g.) Marcelo Rebelo de Sousa que acham que não há recurso dos actos praticados com liberdade avaliativa por que esta é discricionária (acho que Freitas do Amaral não concorda).

Eu acho frustrante (e agora vou partir para o bitaite) para alguém que é avaliado e tem boas notas dadas pelos melhores professores, pelas pessoas que mais e melhor publicam, que não dão mais do que uma determinada nota e se gabam de ter dado dois 18 na vida ser avaliado depois por fulanos que cometem erros crassos (como já tive oportunidade de assistir).

Com isto não estou a dizer que as ordens não são úteis mas digo que devia haver um maior controlo das decisões que limitam a entrada numa profissão.

Rui Baptista disse...

Caro J.M.P.O (11 de Junho 19:48):

Não é meu costume intrometer-me em comentários que digam respeito directo a terceiros.Todavia abro uma excepção que entendo como válida por se tratar de um simples esclarecimento.

Na sua resposta a João Viegas, J.M.P.O escreve, a páginas tantas: “Com ´Bolonha' esta situação agrava-se porque não se faz uma distinção entre licenciaturas e mestrados antes de Bolonha (acho que este tema já foi tratado aqui no De rerum natura)”. Assim sucede.

Por ser eu o autor de três “posts" que tratam, neste blogue, deste tema, aqui os referencio e dato, para consulta de possíveis interessados: “Bolonha à portuguesa”, “Graus académicos no Portugal de hoje” e “Carta aberta ao Ministro Mariano Gago”, respectivamente, em 27 de Março e 6 de Abril, ambos no ano de 2008, e,mais recentemente, o último, em 25 de Maio deste ano

Anónimo disse...

AS RAZÕES DA SEM-RAZÃO DA ORDEM DOS PROFESSORES

Tradicionalmente, as ordens profissionais foram um meio de que o Estado se valeu para regular e disciplinar o exercício de algumas profissões ditas livres ou liberais, relativamente às quais havia a necessidade de acautelar o interesse público. Foi assim com os médicos, os advogados, os engenheiros. Para tanto, o Estado delegou a tais associações uma parte dos seus poderes. É, aliás, por motivo dessa delegação de poderes, que essas associações podem em alguma medida ser consideradas como associações públicas.

É importante aqui levar em conta estes dois fatores: 1) necessidade de tutela pública de uma determinada profissão liberal; 2) conveniência de delegar parte dessa tutela em associações representativas de profissionais livres.

Ora, OS PROFESSORES NÃO SÃO PROFISSIONAIS LIBERAIS (se excetuarmos os casos em que dão explícações a título privado, o que é irrelevante para este assunto). Falta, por conseguinte, um dos pressupostos essenciais que justificaram a criação de ordens profissionais em Portugal e noutros países de cultura semelhante (mesmo quando aí existem associações de tipo correspondente ao das ordens portuguesas, não se chegou ao absurdo, que eu saiba, de se criar uma ordem dos professores).

Excluindo o ensino superior, o qual, creio, merece tratamento separado, o que se passa é que os professores são agentes contratados para assegurar a execução dos programas escolares. E, como qualquer outro empregado, fica sujeito à inspeção das suas atividades correntes e ao poder regulador da tutela (reitores, direções, ministério).

A título contrastivo, ninguém pode inspecionar uma consulta médica ou uma consulta a um advogado. O professor, porém, não se pode furtar a uma inspeção da maneira como dá as aulas e como se relaciona com os seus alunos, na medida precisa em que não é um profissional livre ou liberal, antes estritamente sujeito ao cumprimento dos programas e à adoção de uma didática adequada, em conformidade com os critérios a cada momento adotados e em vigor.

Daqui resulta que OS PROFESSORES SÃO PROFISSIONAIS COMO OUTROS QUAISQUER, com as suas especificidades, claro, mas qual a profissão que as não têm?

Alguns gostam de arrolar frases empoladas, tipo "a nobre missão dos professores". Não ignoro que a transmissão de conhecimentos às novas gerações é essencial à sobrevivência das sociedades. Mas os professores não são seguramente os únicos ou algumas vezes sequer os mais importantes agentes dessa transmissão, nem tampouco são mais essenciais para a sociedade que os agentes de recolha e tratamento de lixos, por exemplo (ao arrepio do que possa afirmar qualquer intelectual de meia tijela). Intolerável, do ponto de vista de uma democracia real, é certos cultores de determinadas profissões arrogarem-se um estaturo social privilegiado sem respaldo no bem comum.

O que é um professor, o que o deve caracterizar, não é uma ideia platonicamente imutável. Como simples agente executor dos programas escolares, o professor terá de variar em consonância com os requisitos e qualidades exigíveis a cada momento.

Cabe ao Estado formular os objetivos do ensino, enformar os programas escolares e traçar os perfis dos agentes de ensino, entre eles, os professores. Cabe a quemn se acha apto a cumprir esses perfis concorrer aos lugares e, quando admitido, cumprir com os regulamentos em vigor. Bastante simples de entender esta lógica. Apesar de todas as queixas, é curioso observar como a procura nesta área de longe excede a oferta.

A sociedade portuguesa atual tem aspirações de escola inclusiva que não se compadecem com ordens de professores ou com ideias serôdias à la Baptista. No fundo, há aqui uma opção ideológica. Há quem deseje substituir o imprimatur do Estado pelo imprimatur de associações e de interesses particularistas. Quem quiser, que tire daí as consequências.

Alberto Sousa

J.M.P.O. disse...

Rui Baptista,

Obrigado pelo comentário, tenho de ir assinar a petição (sou dos últimos quase licenciados que não apanhou Bolonha)! Não se coíba de fazê-los porque os agradeço.

Alberto Sousa

Por acaso esqueci-me desse pormenor, e tem razão quanto a isso. De facto é verdade que as ordens estão feitas para o controlo dos “profissionais liberais”. Mas será que ainda pode chamar profissionais liberais = que desenvolvem a sua actividade por conta própria, com emprego de técnica e conhecimentos específicos (mais ou menos isto), aos Médicos? Mesmo aos advogados, há muitos que já “trabalham” por conta de escritórios… A distinção tende a ser, do meu ponto de vista, cada vez mais baseada na história.

Anónimo disse...

PORTANTO

1) nem a atividade dos professores constitui uma profissão liberal, o que poderia aparentemente justificar a regularização da profissão por meio de uma ordem;

2) nem se mostra conveniente (antes pelo contrário) o Estado delegar poderes a uma organização de tal jaez. Considerando a natureza da profissão em causa, o Estado pode e deve tutelar diretamente o desempenho dos professores. Um dever tanto mais imperioso, quanto os principais interessados no processo educativo - os alunos - são de menor idade e sujeitos a um regime de frequência obrigatória.

Alberto Sousa

J.M.P.O. disse...

Alberto Sousa

Apesar de lhe ter dado razão, eu não chegaria a essa primeira conclusão sem mais.

Tentaria redefinir o conceito de "profissão liberal". A sua concretização é cada vez mais baseada na história e não na realidade hodierna.

joão viegas disse...

Caro JMPO,

Reli o ponto 2 do meu ultimo comentario. O que eu digo é factualmente exacto, mas acho que traz mais confusão do que outra coisa. Na verdade, as ordens justificam-se sempre, numa maior ou menor medida, pela ideia de que deve existir um controlo sobre a capacidade de exercer profissionalmente uma arte ou um oficio. Portanto esta sempre implicita a ideia, senão de um "monopolio", pelo menos de uma regulamentação das actividades tipicas da arte ou do oficio em questão (no caso dos advogados : prestar consultoria juridica e patrocinio judiciario), quando exercidas a titulo profissional. Que possa haver dificuldades na definição das actividades tipicas da profissão é, afinal, marginal na nossa discussão. Portanto o que eu escrevi sobre este ponto não se me afigura a melhor maneira de colocar o problema. Afinal, a propria ideia de proteger o publico contra o exercicio abusivo de uma profissão (por quem não tem capacidade, não segue as obrigações deontologicas, etc.) mostra bem que ordem profissional e restrição do direito de exercer são realidades profundamente interligadas.

Quanto ao que diz sobre os limites do recurso dos actos das ordens profissionais perante os tribunais, ja não estou a par da doutrina e da jurisprudência portuguesa, mas a maneira como apresenta a coisa choca com as minhas categorias basicas de administrativista. Haver recurso ha sempre, pelo menos com base em incompetência, vicio de forma, erro de direito, erro de facto ou desvio de poder. Pode não haver é controlo judicial sobre a apreciação feita pelo titular do poder, ou haver somente controlo restrito (em direito francês o chamado controlo do "erro manifesto de apreciação"). Quando estamos perante o exercicio de um poder completamente discricionario (os tribunais franceses chamam-lhe poder "soberano"), de facto o juiz recusa-se a examinar a avaliação é boa ou ma. Mas isto não quer dizer que não haja controlo, quer apenas dizer que o juiz se limita a verificar que a decisão não esta inquinada por um dos outros vicios supra-mencionados. Na pratica, se mostrar que o corrector lhe deu uma ma nota por não concordar com a solução, por exemplo por motivos politicos ou religiosos, trata-se de um erro de direito, e em principio é motivo de anulação. Não sei qual é a ordem de tribunais competentes em Portugal para conhecer dos recursos contra as decisões da ordem em matéria de admissão, mas assumindo que são os tribunais administrativos, cabe lembrar que as categorias descritas acima se aplicam em muitos outros dominios. Desde logo, o poder "soberano" existe também, se não estou enganado, no dominio do acesso à função publica. Pelo menos em França é assim : a autoridade administrativa (na pratica o superior hierarquico) decide soberanamente (sem controlo do erro manifesto), no fim do periodo de estagio, se o funcionario pode ou não ser nomeado como titular.

E' claro que isto tudo é muito bonito em teoria, mas que na pratica é mais complicado, pois ha obvios problemas de prova, etc.

Finalmente, sem ter tempo para aprofundar, mas porque tocou nesse ponto importante, lembro que não existe nenhuma incompatibilidade de principio entre ser funcionario publico e ser membro de uma ordem. Os médicos do serviço publico de saude são um bom exemplo disso.

Boa continuação,

j.m.p.o. disse...

Caro João Viegas

Sim, tem toda a razão naquilo que diz em relação à Ordem ser uma restrição ao direito de exercer. O meu problema não é esse. Aquilo que me causa alguma desconfiança em relação à ordem são as restrições infundadas à entrada (quer porque se corrigem mal os exames) ou a alteração das condições de realização do estágio para proteger quem tem o escritório vazio (agora querem alterar os estatutos porque “os estagiários não têm experiência” e portanto não podem fazer oficiosas, quando forem advogados terão experiência mas no entanto nunca defenderam ninguém contudo já fizeram, no estágio, oficiosas para os patronos apesar de as não poderem fazer em nome próprio).

Expliquei mal o meu ponto de vista.

Eu sei que os advogados podem concorrer a cargos da Administração Pública, o meu comentário ia apenas no sentido de que as condições estabelecidas na generalidade dos concursos permeiam as boas notas em detrimento do conhecimento. Eu com um 15 ou 16 na minha faculdade sou chamado para fazer estágio nalguns escritórios em que não aceitam pessoas que tenham 18 noutras faculdades no entanto, de acordo com os critérios dos concursos públicos sei que nem me vale a pena concorrer porque aquele 18 me vai passar à frente. Toda a gente sabe que nas faculdades de que tenho falado (principalmente na FDL e na FDUC) as notas são “tabeladas” até ao 15 ou 16 e quem quer mais que faça uma melhoria de génio para poder chegar ao 17 ou ao 18. Ainda há duas semanas ouvi um professor catedrático dizer que o 18 que deu ao aluno X foi o segundo que deu em quase 40 anos de docência (e como esse são quase todos).

Isso que disse é verdade, os tribunais administrativos controlam a legalidade dos actos praticados pelas Ordens Profissionais. O problema que eu expus (e que claramente expliquei mal) é o seguinte: No direito Português, como no Francês existe a distinção entre a legalidade e o mérito do acto. Quando se analisa a legalidade temos de ter em conta os vícios que expôs (incompetência, vicio de forma…). Quando se analisa em termos de mérito temos que verificar se o acto é bom ou é mau. O problema da liberdade avaliativa é o de que, para alguma doutrina (Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos) a correcção de um exame é um acto puramente discricionário do corrector, dele só se poderá avaliar o mérito em sede de recurso hierárquico mas não se pode pedir o controlo (excepto o de legalidade, nos moldes que você disse) porque a liberdade de avaliar é aquilo a que você chama um poder “soberano”. É certo que a maioria da doutrina não concorda e que defende que a liberdade avaliativa e a discricionariedade técnica têm o limite decorrente da existência de soluções que estão correctas e de soluções que estão incorrectas que podem ser avaliadas objectivamente de acordo com o estado da arte de uma disciplina. Tem portanto, em Portugal aliado ao problema da prova o problema que alguma doutrina levanta: a possibilidade de o tribunal se declarar incompetente por achar que a liberdade avaliativa é um poder absolutamente discricionário e não ter tutela do mérito da decisão (que, apesar de tudo, existe nalguns casos).

Não sei se fui claro mas, neste momento, estou extremamente cansado e não consigo melhor

Obrigado

Anónimo disse...

JMPO

Errata: no segundo parágrafo leiam,"premeiam" em vez de "permeiam".

joão viegas disse...

Caro jmpo,

Foi clarissimo e lendo o seu comentario lembro-me agora de ter estudado na faculdade a questão da discricionariedade técnica (ja se estudava na altura em que fiz o curso, ou seja nos anos 80). De facto, a analogia com o que os tribunais administrativos franceses chamam o "poder soberano" parece-me correcta.

Boa continuação

Rui Baptista disse...

Anónimo que se subscreve com Alberto Sousa (12 Junho,3:25):

“Nada mais fatigante do que explicar o que toda a gente deveria saber” (René Andrieu).

Do comentário de Alberto Sousa (referido daqui por diante por AS), intitulado, como se tratasse de um “post”, “As razões da sem-razão da ordem dos professores”, como se tratasse de um "post" com a intenção de quem arruma uma complexa questão de uma só penada, extraio, e cito “ip, dois breves mas suculentos nacos de prosa:

1. “Ora, OS PROFESSORES NÃO SÃO PROFISSIONAIS LIBERAIS (se exceptuarmos os casos em que dão explícações a título privado, o que é irrelevante para este assunto)”.

2. “A sociedade portuguesa actual tem aspirações de escola inclusiva que não se compadecem com ordens de professores ou com ideias serôdias à la Baptista”.

Não se desse estes dois pormenores e eu nem sequer me deteria em responder a este comentário. Os pormenores são: 1.º- A prosa de Alberto Sousa assumir-se com exemplo da periculosidade anunciada por Karl Popper: “Se as ideias são capazes de remover montanhas também o são as ideias falsas”; 2.º - a referência a “ideias serôdias à la Baptista”(trata-se de uma mera opinião e eu,por princípio, não me detenho em discutir publicamente opiniões, mas, sim, matéria factual).

Detenho-me, portanto e apenas, na opinião de AS ao pretender torná-la em facto, se não mesmo em dogma, quando escreve em “ultima ratio”, em letras maiúsculas, pela importância que lhe atribui, e que, por esse facto, cito novamente mantendo as respectivas maiúsculas : “OS PROFESSORES NÂO SÂO PROFISSIONAIS LIBERAIS”.
Mas como toda a regra tem excepção, exceptua AS o caso das explicações a título privado, reconhecendo ele próprio, aqui cheio de razão (há que dar razão a quem a quem a tem), “ser irrelevante, para este assunto”. Apenas um reparo. As explicações particulares, em acumulação com o serviço docente oficial, a partir do 1.º ciclo do ensino básico e entrando, por vezes, no próprio ensino superior são excepções que correm o risco de se tornarem em regra.

Recuo no tempo em busca do entendimento de profissão liberal “lato sensu”, consultando o volume n.º 15, p. 29, da “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”, 40 volumes publicados entre 1936/1960 (Editorial Enciclopédia, Limitada, s/d., Lisboa - Rio de Janeiro). Nele encontro o seguinte conceito de profissão liberal: “Diz-se das profissões como a magistratura, a medicina, o ensino, por oposição às profissões industriais ou comerciais”.

Prosseguindo na esteira de James Baldwin, quando defende a necessidade de “elaborar uma ideia, antes de se intentar uma definição”, dou agora um salto a tempos coevos na intenção de encontrar o “fio de Ariadne” duma controversa questão, havida pelo cidadão comum, ou até pelo pretensamente erudito, como dogma: a obrigatoriedade de circunscrever a noção de profissão liberal a um trabalho por conta própria.

Deparei-me com respaldo confortável em quem “sabe da poda”. Assim, transcrevo, de um meu artigo de opinião, publicado no “Correio da Manhã”, em 16 de Nov. de 1995 (como o tempo passa meu Deus, ou seja quase há 14 anos!), a intervenção do Dr. Costa e Sousa, presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, que num saber de experiência feito, na cerimónia que assinalou a criação do Conselho Nacional de Profissões Liberais proferiu a seguinte alocução perante o conceito de profissão liberal:

Nota: Dada a sua necessária extensão, este comentário prosseguirá num texto complementar a publicar ainda hoje, se possível.

Rui Baptista disse...

Na antepenúltima linha do meu comentário anterior, pousou uma arreliadora gralha. Assim, escrevi:(...)"a seguinte alocução perante o conceito de profissão liberal". Rectifico para (...)"a seguinte alocução sobre o conceito de profissão liberal".

Rui Baptista disse...

O 1.º §, depois da citação de René Andrieu, do meu comentário (12 de Junho, 18:28) saíu, também ele com gralhas. Reproduzo-o aqui devidamente corrigido:

"Do comentário de Alberto Sousa (referido daqui por diante por AS), intitulado, “As razões da sem-razão da ordem dos professores”, como se tratasse de um "post" com a intenção de arrumar uma complexa questão de uma só penada, extraio dois breves mas suculentos nacos de prosa":

maria disse...

Pois é , como disse um anónimo , os professores não são profissionais liberais , são assalariados , a maior parte do estado. Depende tudo do empregador. É o empregador que tem de verificar a qualidade de quem emprega. E sindicatos já têm , não é?
Talvez uma ordem de explicadores , negócio em alta e a necessitar de regulação Era para ser piada , mas se calhar até não é.
E a verdade é que as Ordens não garantem a excelência dos profissionais . O que falta para aí são médicos assim assim ou advogados assim assado.

Rui Baptista disse...

Continuação do meu "post" de 12 de Junho às 18:28:

“Claro está que surge mediatamente a questão do número crescente de profissões ditas liberais que exercem a sua actividade não em regime livre, mas directa ou indirectamente por conta de outrem, quer no sector privado, quer no sector público. Parece que nestes casos a profissão perderia a característica de liberal. Devemos concluir que assim não acontece – e este é um conceito muito importante que convém reter – isto é, o carácter de liberal é próprio da profissão e não da relação laboral de quem a exerce. Um outro aspecto importante é a natureza do trabalho. É característica comum às profissões laborais produzirem trabalho de natureza intelectual para o que é necessária uma cuidada preparação técnica e científica, e daí a necessidade duma formação universitária para o exercício da maior parte delas” (“Cadernos de Economia”, Publicações Técnico- Económicas, , Lda, ano II, Abril/Junho de 94).

Pela autoridade de que se reveste, transcrevo a intervenção,outrossim, na referida cerimónia do então bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Lopes Cardoso:

“É necessário que, mesmo quando exercida em regime de contrato de trabalho, essa profissão seja reconhecida socialmente como relevando de grande valor precisamente porque exigindo, pelo menos, uma independência técnica e deontológica incompatível com uma relação laboral de pleno sentido. Com efeito, como tem sido definido doutrinalmente, a noção jurídica de subordinação aparece no direito moderno como perfeitamente compatível com a independência técnica do assalariado. Ela significa apenas uma dependência na organização geral e administrativa do trabalho. Por isso, por exemplo, o Estatuto da Ordem dos Advogados, que cito como do meu melhor conhecimento, teve o cuidado de, ao admitir expressamente o exercício da advocacia em regime laboral, esclarecer que ‘o contrato de trabalho celebrado ente o advogado não pode afectar a sua plena isenção e independência técnica perante a entidade patronal’” ( inserto no meu artigo do “Correio da Manhã” com transcrição dos “Cadernos de Economia”, ambos anteriormente citados).

Estão definidos, assim, “latu sensu”, os contornos modernos de profissão liberal que já nada tem a ver com a distinção que na Roma Antiga era estabelecida entre profissões livres e profissões servis atribuindo aos escravos gregos a educação da respectiva juventude.

“Et pour cause”, o professor dos nossos dias satisfaz o requisito de trabalho de natureza intelectual pelo cumprimento de uma cuidada preparação científica, técnica e pedagógica, sendo reconhecido socialmente, embora não tanto como seria de desejar por compartilhar tarefas docentes com indivíduos de fraca preparação em herança pesada de um sindicalismo useiro e vezeiro em manobrar em terra queimada para que do nada brotasse um homem novo ao serviço de uma sociedade sem classes.

Essa igualdade é defendida por AB, quando escreve no seu comentário (12 de Junho, 13:25):

“ [Os professores] tampouco são mais essenciais para a sociedade que os agentes de recolha e tratamento de lixos, por exemplo (ao arrepio do que possa afirmar qualquer intelectual de meia tigela). Intolerável, do ponto de vista de uma democracia real, é certos cultores de determinadas profissões arrogarem-se um estatuto social privilegiado sem respaldo no bem comum”. Sem comentários!

A inexistência de uma ordem profissional, a ser ouvida sobre questões de planificação do sistema de educação público e privado, tem representado uma penosa via sacra para os docentes flagelados pelo látego impiedoso de leis mal feitas e interpretadas a bel-prazer dos detentores dos cadeirões da 5 de Outubro e dos seus satélites regionais.

J.M.P.O. disse...

Concordo plenamente consigo Rui. Estar a dizer que os professores não podem criar uma ordem porque não são profissionais liberais quando o conceito de profissão liberal tem sido objecto de uma requalificação é o mesmo que começar uma casa pelo telhado.

Já agora, Maria, compare lá os professores com os Médicos por exemplo. Será que há mais médicos com consultórios próprios do que professores a dar explicações? Os médicos são trabalhadores assalariados que trabalham para o Estado ou para clínicas/hospitais privados e os professores são assalariados que trabalham para o Estado ou escolas privadas. Qual é a diferença entre eles? Acha mesmo que a distinção entre profissões liberais e as outras se pode fazer através do recurso ao trabalho por conta própria? Na área do direito (que ainda me parece que seja aquela onde trabalham mais pessoas por conta própria) há muita gente que diz que das duas uma ou se redefine o conceito de profissão liberal ou se mantém este conceito como sendo um conceito historicamente situado, ou então admite-se que os advogados (os médicos…) já não são profissionais liberais porque o conceito já não tem razão de ser.

Rui Baptista disse...

Maria:

Quer se trate ou não da Maria do comentário inicial a este meu post, seja bem-vinda quer venha ou não por bem.

Isto por me ter dado a grata ocasião de lhe fazer uma pergunta: depois de ter lido os meus comentários (12 de Junho, 18:28 e 23:10) ainda mantém a sua “doutrina” sobre profissão liberal por, em mera hipótese, “trazer às costas a opinião de outros como mochila do regimento”, servindo-me de palavras de Mestre Aquilino Ribeiro? Se não me levar a mal, mais uma pergunta: ou trata-se apenas de uma coincidência?

Agradecendo ao seu autor, quanto ao pouco que sobra do seu comentário, não por menos consideração para consigo mas apenas para me ser poupado trabalho, endosso-a para a resposta que lhe foi dada por J.M.P.O (13 de Junho,O:28).

maria disse...

Oh , o único tuga de quem tenho as obras completas é o Aquilino. Com esta desarmou-me. Comentei 1º , li depois os outros , e comentei outra vez. Não tenho opinião definitiva. Em principio não gosto muito de ordens posto que parecem defender os que que já integram a ordem , dificultando a entrada aos novos , mais por uma questão de protecção de interesses dos profissionais do que dos consumidores. Mas não sou professora ..e se calhar ando a meter a colher onde não sou chamada.

Rui Baptista disse...

Maria(13 Junho, 1:50):

Começo pelo fim do seu comentário. O facto de não ser professora não significa, de forma alguma, "andar a meter a colher onde não é chamada".

Ser um elemento activo em temas que dizem respeito à vida nacional (e este é-o sem dúvida por envolver questões do ensino e seus destinatários) mais do que uma obrigação ocasional é uma questão de cidadania. Não ser a favor ou contra a criação de ordens profissionais e manter acerca disso um silêncio cúmplice dos que emitem opiniões em esquinas de bairro, ou em botequins de amigos, discutindo, entre si interesses pessoais ou institucionais, é que me parece ser tão reprovável como discutir o sexo dos anjos quando os turcos se encontram à porta de Constantinopla.

Reprovável a todos os títulos por assistirem serenos e impávidos aos verdadeiros atentados que se vão cometendo contra a qualidade do ensino por tutelas ministeriais que não chegam a aquecer o lugar e outras que tiveram tempo e fósforos para incendiarem o braseiro em que se tornou a função docente vitimada por verdadeiros atentados à sua honorabilidade fazendo-a espiar publicamente culpas de um ensino que não ensina, ou melhor, que ensina para inglês ver como é risonha, franca e digna de louvor além-fronteiras a escola portuguesa.

Haja em vista, a poeira lançada nos olhos dos piores cegos (ou seja, aqueles que não querem ver) com as “Novas Oportunidades” – que em post escrito neste blogue crismei, em título, de “NovosOportunismos” -, a entrada de maiores de 23 anos no ensino superior para mascarar uma falta de planificação na abertura dos respectivos estabelecimentos de um ensino de duvidosa qualidade que precisam de semi-analfabetos para fazer voltar a palpitar de vida os seus corredores e encher os cofres que os construíram e sustentam.

E o que dizer, num momento de falta de valores, em que o ter se sobrepõe ao ser, e de grave crise económica, em que uns se vêem obrigados a apertar o cinto e outros usam cómodos suspensórios, à medida que por aí circula de poder vir a ser criado um novo escalão remuneratório para os docentes do politécnico para os equiparar a professores universitários catedráticos? Medida a que a FNE canta hossanas de louvor vá-se lá saber porquê ou suspeitando-se mesmo desse porquê.

De há muito que as incursões das escolas superiores se fazem sentir sob a própria cumplicidade da tutela do ensino superior permitindo-lhes, em escassos ano de verdadeiro ragabofe, a simples passagem de bacharelatos de eduquês como rampa de lançamento no alcance de licenciaturas e mestrados ou mesmo doutoramentos, estes, por enquanto, com convénios com instituições universitária portuguesas ou à mão de semear.

Em minha opinião trata-se de um verdadeiro atentado à dignidade da Universidade Portuguesa que não pode passar incólume , em nome de um nacional porreirismo que tanto mal tem criado a este país. Em Portugal assiste-se, hoje, a uma desclassificação de valores morais e éticos em que se atribuem direitos sem deveres e deveres sem direitos.

“Malgré tout” aquilo que de mau se possa atribuir a, uma Ordem dos Professores seria uma forma de evitar que as dezenas de organizações sindicais puxassem à brasa à sua sardinha deixando famintos os verdadeiros interesses do sistema educativo português. O caso da Ordem dos Engenheiros é paradigmático de um travão nesse sentido por ter impedido que licenciados em engenharia pela Universidade Internacional tivessem o seu aval, enquanto o ministério do Ensino Superior assobiava para o lado como se nada tivesse a ver com o assunto. Finalmente, mais vale tarde do que nunca, pressionado pela própria opinião pública, o ministério que tutela o ensino superior decidiu-se a encerrar umas portas que nem sequer deviam ter sido abertas.

Portas que desgraçadamente continuam escancaradas na deficiente formação de um certo número de docentes. Ora, tão certo com dois e dois serem quatro: “Se continuarmos a fazer o que estamos a fazer, continuaremos a conseguir o que estamos a conseguir” (Stephen Covery).

Rui Baptista disse...

Por dedicação a uma causa que abracei mais de um decénio atrás, tenho dado o meu melhor tentando desfazer dúvidas postas sobre a vantagem ou desvantagem da criação de uma Ordem dos Professores. Como tal, é natural que acuse um certo cansaço (embora não desista dessa intenção) que se reflecte nas gralhas que debicam uma prosa que desejo escorreita, e daí mais esta rectificação:

Com as minhas desculpas a Maria, substituo a totalidade do 3-º § por este: “Reprovável é, a todos os títulos, assistir-se impávido e sereno aos verdadeiros atentados que se vão cometendo contra a qualidade do ensino por tutelas ministeriais, que não chegam a aquecer o lugar ou que, no presente, tiveram tempo e fósforos para incendiarem o braseiro em que se tornou a função docente vitimada por verdadeiros atentados à sua honorabilidade, fazendo-a espiar publicamente culpas de um ensino que não ensina. Ou melhor, que ensina para inglês ver como é risonha, franca e digna de louvor a escola portuguesa”.

Na 3.ª linha do 6.º § rectifico “ragabofe” para regabofe.

Anónimo disse...

O Rui Baptista convence nem que seja pelo facto de onde não há lei qualquer sherif é bem vindo. No entanto não responde à preocupação principal da Maria nem à minha. Sabemos que coisas positivas queremos que resultem da Ordem mas como evitar os abusos de proteccionismo a que as mesmas podem (e muitas vezes) dão azo?

That was, after all, our question.

Rui Baptista disse...

O Kyriu (13 de Junho, 13:57) pôs-me perante um impasse. Mas antes de tentar responder-lhe, em sonho da minha juventude, gostaria de ser tido como "sherif" de uma desordem tornada em Ordem.


Nou sou ingénuo, e julgo já o ter dito mais de uma vez, a ponto de acreditar que a Ordem dos Professores pudesse evitar (todos) os abusos de proteccionismo.


Para isso, havia que extirpar um cancro nacional (e todas as metásteses) que nas mãosdos políticos tem tornado este país num quase morto em pé. E, com isso, ressuscitar o velho e relho axioma: "Quem não tem padrinhos morre mouro"!

Agradeço-lhe ter levantado um problema que merece o esforço de todos os portugueses para ser enterrado bem fundo na cova de um defeito bem nacional.

Anónimo disse...

Caro Rui, não acredito ser um problema necessariamente ou inerentemente português (no sentido de por se nascer cá, já ficamos lixados de nascença). Acho é que deixamos ou usamos estruturas que isso permitem. Encontramos casos de proteccionismo em todo o lado. Mas quanto à minha questão, não se atém à futura Ordem dos Professores. Diz respeito a todas as Ordens, existentes ou por existir. Não creio que vamos tarde para corrigir os defeitos que por aí graçam. Afinal, não há legisladores a ler este blog? Tenhamos esperança.

Como dizia a lápida colocada no ponto onde o LZ 7 (o sétimo Zeppelin) caíu: "Em frente, apesar de tudo".

Rui Baptista disse...

Caro Kyriu (13 de Junho, 20:56):

Porventura já terá lido, em vários comentários meus, a importância que eu atribuo ao “feedback” que me chega dos comentários feitos aos meus “posts”, sejam eles a favor ou contra. Mas faltaria à verdade se não confesssasse o meu agrado por aqueles que me enchem o ego. E, por outro lado, mesmo aqueles que me esvaziam o balão do ego com as alfinetas dos comentários desfavoráveis merecem a minha resposta.

Por mais extenso que seja o post, há sempre algo que não passa ao teclado. Por vezes, por uma perspectivação pessoal dos problemas sem incidir sobre toda a sua extensão. Os vários comentários, assim, foram tidos por mim, porque, tal com Ralph Emerson, considero que “todo o homem que encontro é-me superior em alguma coisa; e, nesse particular, ‘aprendo com ele’”.

É uma verdade que o proteccionismo não é um factor cromossómico da gesta lusitana, como o é a predominância dos olhos castanhos (“de encantos tamanhos”, letra de uma canção de Francisco José, na década de 50) em herança árabe, mas sim do caldo cultural em que os genes se banham.

E aqui não há lei, por mais perfeita que seja, que nos valha porque imperfeita é a condição humana do legislador e a vontade dos políticos que ordenam a sua feitura. Vizinhos de Espanha, em proximidade que nos gemina em defeitos e virtudes, não resisto em transcrever a história de um ministro “nuestro hermano”, relatada pelo escritor espanhol Pio Baroja. Conta ele que um ministro virando-se para o seu secretário, com formação jurídica, o adverte: - “Senhor Rodriguez, veja lá se a lei está redigida com a necessária confusão!”

Num país do “simplex”, se reparar a Constituição Portuguesa tem um número de artigos que excede largamente o rol de roupa das antigas lavadeiras das famílias mais numerosas. A sua interpretação é tão "complex" que faz perdurar (qual pilha “duracel”) um Tribunal Constitucional para servir de árbitro em situações duvidosas. Contrariamente, a Constituição dos Estados Unidos é bem menos pródiga na sua extensão e, ao que julgo (um jurista me corrigirá, se necessário), sem lhe ser feita retoques de simples cosmética do rosto ou implantes com botox que lhe disfarcem as rugas da idade.

Sobre os defeitos das ordens profissionais (que eu nunca escamoteei), ocorre-me sempre a opinião de Churchill sobre a democracia, que cito de memória: “A pior forma de governo que existe é a democracia, mas ainda não se descobriu outra melhor”!

É natural que se interrogue, a exemplo de outras pessoas, sobre o motivo da minha persistência em prol da Ordem dos Professores num mundo em que ninguém dá ponto sem nó Eu próprio, depois de aposentado e, portanto, sem interesse directo ou indirecto nas sementes que continuo a lançar à terra, apenas encontro razão em Carl Gustav Jung: “Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer a minha resposta, caso contrário estarei reduzido à resposta que o mundo me der”.

E porque as mentalidades não se mudam por simples decreto, que melhor final do que apropriar-me da sua citação: “Como dizia a lápida (…). ‘Em frente, apesar de tudo’”. E de todos, em intromissão minha, mesmo que abusiva.

Rui Baptista disse...

Na 5.ª linha do 1.º§: substituir alfinetas por alfinetadas.

joão viegas disse...

Caros,

Vejo que muitos comentários assumem que o que caracteriza uma profissão liberal é o facto de ser execida « por conta própria ». Não sei se o Rui Baptista já tocou nesse ponto fundamental nos seus posts anteriores, mas isto é uma simplificação abusiva e, se regressarmos às origens do conceito, vemos que é mesmo ao contrário : uma profissão liberal é, por definição, uma profissão que NAO é exercida « por conta » ou pelo menos « em benefício » próprio.

Eu sei que é complicado transpôr conceitos arcaicos, ou simplesmente antigos, para o mundo de hoje. Mas penso que convém também reflectir sobre o que é uma profissão liberal e, mais concretamente, sobre as razões pelas quais, como lembra muito bem o Rui Baptista, o magistério foi durante muito tempo a profissão « liberal » por excelência.

E para aqueles que consideram que reflectir sobre o assunto tem mero interesse arqueologico, um ou dois reparos :

- A liberdade de ensino (princípio actualmente vigente), é uma consequência do carácter « liberal » do magistério, e não tem outra justificação.
- O facto de existir hoje uma enorme administração pública encarregue do ensino não teve por consequência abolir a liberdade de ensino, embora muitas vozes, mormente vindas de correntes tradicionalistas e conservadoras, tenham advogado que existe aqui uma incompatibilidade de princípio.
- Não me parece ser completamente por acaso que surgem hoje pessoas que, como o Rui Baptista, defendem a existência de uma ordem dos professores, precisamente num momento em que existe uma crise do conceito de « serviço público », que tende a ser cada vez mais concebido como uma forma de « prestação de serviços » a par de outros, oferecidos em regime comercial.
- A mesma crise conceptual parece-me existir também em muitas ordens profissionais, e essencialmente pela mesma razão : as reticências que existem em muitos profissionais liberais (e a que subscrevo) em considerar que a sua actividade não é mais do que uma « prestação de serviços » em moldes comerciais.

Não queria dar a impressão de distribuir « trabalhos de casa » (e menos ainda a um professor) mas parece-me que um post do Rui Baptista dedicado a esta questão poderia dar fermento para uma discussão interessante.

E se ele já fez um post sobre o tema, as minhas desculpas e, por favor, que me diga onde para eu ir ver o que ele diz.

Boa continuação

Rui Baptista disse...

Prezado João Viegas:

Cá estamos nós outra vez com a persistência, ou mesmo teimosia, em discutir a criação da Ordem dos Professores (OP) “até que a voz nos doa”, em letra de fado de Amália.

A minha gratidão, portanto, pelo seu esclarecedor comentário, embora provocatório ao lançar-me o desafio de ir ao âmago da questão, em atitude bem valiosa em oposição aqueles que dizem e escrevem não concordarem com a criação da OP com o argumento de estarem contra porque sim!

Outros, baseiam-se ( embora, sem “fumus boni juris””) no argumento, velho e relho, não ter lugar a OP no conceito de profissão liberal (por não ser exercida por conta própria). Como se isto fosse um preceito jurídico, a fechar a sete chaves no templo sagrado dos milénios, inscrito nas doze tábuas de bronze em que foi gravada a primeira legislação escrita romana (ano 450 a.C.). Ora esta interpretação de profissão liberal, se levado à letra, poderia albergar, por exemplo, o simples pedreiro a trabalhar por conta própria e excluiria o médico a trabalhar em exclusividade num hospital como assalariado, podendo dar azo à extinção da Ordem dos Médicos e à criação da Ordem dos Pedreiros!.

Estando eu de acordo com João Gaspar Simões, quando escreve que “entre nós as ideias fortes pesam mais do que a análise dos factos”, busquei um arrimo sólido que iluminasse o obscuro conceito jurídico de profissão liberal em parecer de Lopes Cardoso, bastonário da Ordem dos Advogados (“Cadernos de Economia”, Abril/Junho 94). Parecer esse que transcrevi na íntegra no “Correio da Manhã” e reproduzi aqui (cf., meu comentário de12 de Junho, 23:10).

Claro que têm razão João Viegas e os profissionais que dizem que “a actividade do exercício de uma profissão liberal assume o carácter de ‘prestação de serviços’ em moldes comerciais”. Mas esta não é uma característica singular, mas comum a todo o trabalho remunerado exercido por quem quer que seja e seja qual for a actividade exercida.

Disse Marx (não o político que escreveu, de parceria com Engels, “O Manifesto do Partido Comunista”, mas o comediante): “Estes são os meus princípios, e se não gostarem deles…bem, tenho outros”. Não por este motivo, mas porque entendo que a criação da Ordem dos Professores pode, e deve, ser perspectivada em outros horizontes, disponho-me a escrever um outro “post” com novas abordagens. Os comentários favoráveis ou desfavoráveis aqui já deixados (e outros que, porventura, ainda possam surgir) têm-se assumido como um manancial muito vasto e proveitoso de sugestões .

Anónimo disse...

Ao anónimo que se subscreve Rui Baptista e aos seus acólitos

Dizíamos outro dia que as ordens profissionais tradicionais se justificaram historicamente por representarem pessoas que exerciam o seu múnus em regime livre ou liberal, cuja fiscalização foi em parte devolvida pelo Estado às referidas ordens.

Outrossim, que nem os professores são profissionais livres ou liberais (ou, noutras palavras de sentido idêntico, exercem as suas atividades em regime liberal), nem a fiscalização das suas atividades necessita de uma ordem à parte, antes devendo ser diretamente gerida pela administração a níveis central e local e com a intervenção dos demais interessados tais como os encarregados de educação.

Por mais que RB se enfronhe em enciclopédias de 40 volumes (curiosamente esqueceu-se de referir os respetivos suplementos) e por mais informativos que sejam os seus artigos (seus, da enciclopédia), não restam dúvidas de que o conceito de profissão livre ou liberal por nós utiliazado é na doutrina, na jurisprudência e na lei portuguesas geralmente entendido no sentido que lhe demos.

Vejamos a título de exemplo: 1. "É profissão liberal qualquer atividade lucrativa, por conta própria, que não revista natureza comercial ou industrial" (Pereira Coelho, Direito Civil, 1977). 2. Segundo on art. 2º do Código do IVA estão sujeitas ao referido imposto "as atividades das profissões livres". 3. A Autoridade da Concorrência, em 2006, condenou a Ordem dos Médicos a uma coima de 250 000 euros, pela "existência de uma tabela de preços mínimos e máximos, fixada pela OM para os serviços prestados pelos médicos, a exercerem a atividade como profissionais liberais".

E fiquemos por aqui que RB tem por cá um ou outro jurista que poderá ilustrá-lo sobre a matéria.

É este, aliás, o entendimento geral nos demais países europeus. Ainda recentemente a Comissão alertou paras os malefícios das ordens profissionais e organismos similares no quadro da concorrência e dos direitos do consumidor. Felizmente, Portugal integra hoje a UE, pelo que já se vai sentindo a atuação da Autoridade da Concorrência contras os desmandos das ordens portuguesas.

A propósito de ordens, lembre-se que elas são primordialmente um ato normativo do Estado, não uma criação dos interessados, como acontece com os sindicatos ou as associações patronais. É uma maneira que o Estado escolhe para cumprir a sua missão de fiscalização. Se hoje em dia é politicamente inexequível extinguir as ordens existentes, já o não é acautelar o interesse público relativamente a futuras associações profissionais (que elas venham ou não a ser chamadas de ordens é irrelevante), delas exluindo o direito de regular o acesso à profissão. É nesse sentido que caminha o resto da Europa e ainda bem que neste caso Portugal vai de arrasto. É jurisprudência assente nas instâncias europeias que as ordens defendem interesses particularistas, descurando o interesse geral.

De modo que uma ordem dos professores, tal como gizada por Rui Baptista, restará uma simples ideia que provavelmente irá amargurar os anos da sua merecida aposentação.

Cremos que uma associação profissional dos professores (com ou sem o nome de ordem e despida das prerrogativas de dispor sobre o acesso à profissão), mesmo que venha a ser criada enquanto RB for vivo (longos e felizes anos, é o nosso desejo!), lhe irá criar sérias dores de cabeça. Efetivamente, a crer nas diatribes políticas de RB, é significativo se não até maioritário o número de professores semi-analfabetos formados por escolas incompetentes com o imprimatur do Estado. Como os maus tendem a infetar os bons, a ordem acabará, na ótica de RB, por tornar-se um regabofe e assim frustrar os sonhos do nosso RB & Cª.

Alberto Sousa

Rui Baptista disse...

Alberto Sousa (15 de Junho, 2:11):

O “anónimo Alberto Sousa”, nesta sua dupla condição, faz uma interpretação “stricto sensu” de profissão liberal excluindo, à partida uma interpretação “lato sensu”, adaptada aos tempos que correm. Apenas isto!

Porque tudo o resto serve, tão-só, de pretexto simpático e amável para me desejar "felizes anos!", votos que lhe retribuo aproveitando a oportunidade para saudar o seu (re)aparecimento.

joão viegas disse...

Caros,

Sem tempo (por agora pelo menos) para responder de forma detalhada, gostaria de deixar três pequenas notas no proposito de mostrar a Alberto Sousa que as coisas não são tão simples como ele as pinta :

1/ Embora se deva reconhecer que existe hoje uma certa tendência para definir uma profissão liberal de acordo com o critério que ele menciona (prestação de serviços por conta propria), o que pode até corresponder a motivos legitimos, como a protecção do consumidor, penso que ainda esta muito longe de ser uma definição pacifica, nomeadamente em direito europeu. Que eu saiba, alias, não existe uma definição clara, nem nos instrumentos de direito comunitario, nem na jurisprudência. E na doutrina, a tonica continua a ser posta na independência com que a actividade é exercida. Ora a independência, embora possa estar ligada, não esta necessariamente associada a um exercicio por conta propria. Os médicos do serviço de saude, ou os médicos do trabalho, não deixam de ser profissionais liberais quando trabalham por conta do Estado, ou de uma empresa. Também não deixam de ter as prerrogativas de profissionais liberais. Por exemplo, podem opôr o segredo profissional à autoridade que os emprega...

2/ As ordens não são instituições criadas pelo Estado, mas pelos profissionais. Têm é uma missão de serviço publico, que é diferente. Eu sei que isto em Portugal é complicado pois, salvo erro, os estatutos qualificam-nas como "associações publicas", o que é ambiguo. Mas penso que esta denominação não muda a realidade : trata-se de pessoas colectivas que se organizam e vivem como uma pessoa de direito privado, embora tenham incumbências definidas pelo poder legislativo e regulamentar e estejam, dentro de uma certa medida, submetidas à tutela do Estado (que no entanto não as dirige, nem sequer as superintende).

3/ As dificuldades apontadas acima não surgem por acaso e é pena que o Alberto Sousa sacuda o argumento como se fosse de pura retorica. Por alguma razão algumas profissões são consideradas, desde ha muitos séculos, como profissões "liberais", e não é apenas por se tratar de actividades de indole intelectual. O sapateiro, o feirante, o lavrador, embora possam trabalhar por conta propria, não exercem profissões liberais. Por alguma razão ha de ser. E por alguma razão os mestres do ensino foram durante muito tempo considerados como os profissionais "liberais" por excelência.

Boa continuação

Anónimo disse...

EM JEITO DE RÉPLICA OU TRÉPLICA AO RUI BAPTISTA E AO JOÃO VIEGAS

Ao RB:

Não excluímos liminarmente definições lato sensu seja do que for, mas parece-nos que o conceito de profissão liberal, a ter alguma relevância no contexto em causa, deve ter respaldo no entendimento que dele é feito por exemplo na legislação vigente. Apenas isso!

Agradeço e retribuo as saudações.

Ao JV:

1. Diz JV: "Os médicos do serviço de saúde, ou os médicos do trabalho, não deixam de ser profissionais liberais quando trabalham por conta do Estado, ou de uma empresa. Também não deixam de ter as prerrogativas de profissionais liberais. Por exemplo, podem opôr o segredo profissional à autoridade que os emprega..."

Não é esse o entendimento da própria Ordem dos Médicos. Segundo o art. 104 do respetivo Código Deontológico, "A prestação de cuidados médicos aos doentes, não constituindo uma atividade comercial, dever ser todavia compensada de modo a permitir a digna subsistência do médico, o que, no EXERCÍCIO CLÍNICO LIBERAL, é garantido pelo recebimento dos respetivos honorários."

Daqui se segue que ao lado do exercício clínico liberal haverá uma outra modalidade de exercício que poderíamos designar por EXERCÍCIO CLÍNICO POR CONTA DE OUTREM e que é o caso precisamente dos médicos que trabalham por conta do Estado ou de uma empresa.

Ao passo que no primeiro caso há lugar a recebimento de HONORÁRIOS, remuneração típica das profissões liberais no sentido que lhes vimos dando e cujo montante pode variar tendencialmente do zero ao infinito, consoante a clientela, no segundo a REMUNERAÇÃO É MAIS OU MENOS FIXA. No primeiro temos essencialmente um contrato de prestação de serviços, no segundo impera o regime do contrato de trabalho.

É certo que mesmo neste segundo regime de trabalho o médico continua a manter o direito de opor o segredo profissional à entidade empregadora, mas isso não decorre de ele exercer uma profissão liberal per se, decorre sim de um dever próprio da profissão médica e imposto pela lei. Como saberá, o dever de sigilo não é exclusivo dos médicos nem dos profissionais liberais em geral.

2. É evidente que uma associação pública, como o são as ordens nos termos expressos da lei que as intitui (e não há aqui nenhuma ambiguidade, caro JV!), não pode ser criada pelos profissionais interessados, que são apenas simples cidadãos. Seria, para além de uma contradictio in adjecto, a completa subversão do direito.

Ao contrário das associações profissionais trabalhistas normais, sejam elas de trabalhadores ou de empregadores, que são PESSOAS COLETIVAS DE DIREITO PRIVADO, as quais, nos termos da liberdade de associação garantida pela Constituição podem ser CONSTITUÍDAS PELOS CIDADÃOS LIVREMENTE E SEM DEPENDÊNCIA DE QUALQUER AUTORIZAÇÃO, as ordens profissionais são PESSOAS COLETIVAS DE DIREITO PÚBLICO, criadas por ATO NORMATIVO DO ESTADO (decreto, decreto-lei ou lei). Creio que a doutrina é unânime neste particular. O que há sim é uma natureza mista, público-privada, na sua concetualização, mas isso é outra história.

Alberto Sousa

joão viegas disse...

Caro Alberto Sousa,


Não me parecem decisivos os seus argumentos :

1/ Um médico que exerce unicamente como funcionario publico, por exemplo porque so faz clinica, deixa de estar inscrito na ordem dos médicos ? Não deixa, pois não... Continua a ser considerado como um profissional liberal para todos os efeitos.

2/ Escreve Freitas do Amaral na edição de 1986 do seu Curso : "São três as espécies de associações publicas: associações de entidades publicas, associações publicas de entidades privadas, e associações de caracter misto. [...] b) As associações publicas de entidades privadas.- ... como exemplos podemos apontar desde ja... as Ordens Profissionais, ou associações das profissões liberais (Ordem dos Advogados, Ordem dos Médicos...). [...] Este tipo de associações difere dos sindicatos, porque a lei confere-lhes poderes de autoridade para o exercicio de determinadas funções publicas, que em principio pertenceriam ao Estado [...] São, portanto associações de entidades privadas - os profissionais do respectivo sector - mas que, por receberem da lei poderes publicos e ficarem sujeitas aos correspondentes deveres e restrições, são consideradas pessoas colectivas publicas [...] Em todos estes casos a lei entrega a uma associação de sujeitos privados - muitas vezes, individuos - a prossecução de um interesse publico destacado de uma entidade publica de fins multiplos, o qual coincide com os interesses particulares desses sujeitos privados".

No ponto dois, temo que estejamos a discutir uma questão "metafisica" : podemos sempre dizer que o Estado "cria" ab initio uma nova pessoa colectiva publica quando investe as ordens de funções publicas e regimenta a sua actividade. Mas também podemos defender que apenas confere a pessoas privadas pe-existentes uma missão publica...

No site da ordem dos advogados eis como é apresentada a historia da ordem em Portugal : "A Ordem dos Advogados, criada pelo Decreto n.º 11 715, de 12 de Junho de 1926, remonta à primeira metade do séc. XIX, tendo origem na Associação dos Advogados de Lisboa, cujos Estatutos foram aprovados em 1838."

Em França, as ordens profissionais são consideradas pessoas privadas.

Para o que estamos a discutir, não creio que esse ponto seja determinante. Ainda que se considere que estamos perante pessoas de direito publico, não deixa de ser verdade que o Estado não as dirige, nem sequer as superintende. São portanto administradas pelos seus membros, que elegem livremente os titulares dos seus orgaos, muito embora o façam de acordo com regras de direito publico.

Por outro lado, se as considerarmos como pessoas privadas, devemos acrescentar que elas diferem das outras (e nomeadamente dos sindicatos) por estarem investidas de missões de serviço publico, missões que justificam alias o seu caracter unico e de filiação obrigatoria.


Boa continuação

Rui Baptista disse...

Ao AS:


Finalmente, esta temática começa (abandonados ridículos ataques pessoais) a ser focalizada no ponto nevrálgico da questão. Em meu entender tenho esta nova perspectiva como uma forma urbana e, mais do que isso, como um passo em frente importante que nos pode libertar de becos sem saída ou de saídas circulares em que se volta sempre ao ponto de partida.

Porque “o carácter essencial do espírito histórico não consiste na restauração do passado, mas antes numa mediação reflectida com a vida contemporânea” (George Gadamar), podemos encontrar aqui uma ajuda preciosa para não nos atermos a conceitos passadistas e restritivos de profissão liberal que têm inquinado a procura da verdade.

Em nossos dias, Lopes Cardoso defendeu em suporte jurídico, e em responsabilidade acrescida de bastonário da Ordem dos Advogados, um conceito em forma de ajuda preciosa para sair dum círculo vicioso: “É necessário que, mesmo quando exercida em regime de contrato de trabalho, essa profissão [liberal] seja reconhecida socialmente como relevando de grande valor precisamente porque exigindo, pelo menos, uma independência técnica e deontológica incompatível com uma relação laboral de pleno sentido”.

Passo, portanto, à frente de um conceito passadista de profissão liberal “stricto sensu”. Passo, ainda, à frente, da busca incessante de uma definição, pura e dura, de profissão liberal como se se tratasse de um Santo Graal em busca incessante da nossa parte como Cavaleiros da Távola Redonda na esperança de uma pacificação entre os que são a favor e os que são contra a criação da Ordem dos Professores.

Ainda que por absurdo, partamos do princípio de que as ordens profissionais se destinam, exclusivamente, a dar cobertura ao exercício das profissões liberais “stricto sensu”. Seriam, assim, afastados da obrigação de inscrição e pagamento da respectiva quota os médicos em trabalho exclusivo nos hospitais. Mas não é isso que se passa “de facto” e, muito menos, “de jure”.Sob pena de cair na alçada punitiva da lei, o licenciado em Medicina, quer trabalhe por conta própria, quer como assalariado, para exercer a profissão médica tem que estar, obrigatoriamente e em ambas as situações, inscrito na Ordem dos Médicos. E já que nos situamos no âmbito da Saúde, a Ordem dos Enfermeiros foi criada sabido que é que a esmagadora maioria dos seus profissionais trabalham em hospitais e clínicas privadas.

Encaremos, agora, em analogia, o caso dos professores, que acumulam o serviço docente em escolas oficiais e privadas com o de explicações, e aqueloutros, que devido ao excesso de saída de diplomados das faculdades e escolas superiores de educação e a escassez do mercado de trabalho oficial, têm como condição de sobrevivência, cada vez mais, a procura de trabalho individual ou em centros de explicação numa verdadeira selva que não dá qualquer garantia de qualidade e se assume como uma espécie de economia paralela dolosa com direitos e sem obrigações. Para dar uma certa ordem a este caos não será de encarar a criação da Ordem dos Professores ao serviço do bem público?

Não querendo misturar alhos com bugalhos que nada possam contribuir para a sedimentação de conceitos em suspensão, fico-me por aqui agradecendo a oportunidade que os comentaristas ao meu “post” me têm dado para que a Ordem dos Professores não morra à beira da praia por falta de uma clarificação da sua utilidade pública que se deve sobrepor a meros interesses pessoais e profissionais.

Aliás, esse o meu desejo e atrevo-me, mesmo sem procuração, a dizer ser o desejo dos professores de antes partir do que torcer perante a verdadeira escravatura que lhes têm sido imposta pelo Ministério da Educação e por todos aqueles com responsabilidade oficial num “statu quo” que em nada dignifica uma profissão merecedora pela sua formação académica, quanto mais não seja, de tratamento igualitário a profissões em que o Estado delega funções de auto-regulação.

Agradeço e retribuo as saudações.

Anónimo disse...

Caro João Viegas,

Sem menosprezo, permita-me dizer-lhe que é coxo o seu raciocínio. Efetivamente, o clínico que queira exercer a sua profissão tem de estar inscrito na Ordem porque a lei assim o exige para todo e qualquer médico, exerça ele a medicina a título liberal e/ou em regime de contrato de trabalho.

O médico pode ser um profissional liberal a tempo inteiro ou parcial. Quando ele se dedica exclusivamente ao trabalho por conta de outrem, nos termos do Código Deontológico, não há mais lugar a "exercício clínico liberal", acabaram os honorários, começou a remuneração à hora e, na minha ótica, interpretando o referido artigo, deixou de ser profissional liberal. Agora se vc me conseguir dar uma interpretação mais curial do referido artigo, faça favor!

Não há como poder considerar as ordens como pessoas privadas. Efetivamente, como prevêem os próprios estatutos, as decisões das ordens podem ser objeto de recurso contencioso para os tribunais ADMINISTRATIVOS. Como vc ao que parece entende umas coisas de direito, logo verá as implicações de tal norma.

Há um ponto em que vc definitivamente não tem razão, nomeadamente quando afirma que as ordens profissionais em França são consideradas pessoas privadas e não personnes de droit public. Desafio-o desde já a mostrar-me onde foi buscar tal enormidade.

Alberto Sousa

Anónimo disse...

Para elucidação do Rui Baptista e demais interessados seguem aqui uns apontamentos sobre o conceito de profissão liberal, colhidos no site da Union Nationale des Professions Liberales, a qual curiosamente não inclui nenhuma associação de professores.

"En droit français, il n’existe aucune définition légale, générale et positive de la profession libérale.

La profession libérale apparaît comme la profession, exercée à titre indépendant, qui n’est ni agricole, ni commerciale, ni artisanale.

L’UNAPL a donné, en 2002, une définition de la profession libérale:

« Le professionnel libéral est celui dont la fonction sociale est d’apporter à des personnes physiques ou morales qui l’ont librement choisi, des services non commerciaux sous des formes juridiquement, économiquement et politiquement indépendantes, et qui, dans le cadre d’une déontologie garantissant le respect du secret professionnel et d’une compétence reconnue, demeure personnellement responsable de ses actes »

En 2005, la Commission nationale de concertation des professions libérales (CNCPL) a proposé une nouvelle définition:

« Est considérée comme libérale, toute personne physique ou morale, exerçant, en toute indépendance, à titre individuel ou sous forme sociale, une activité civile par nature, qui s’analyse en une prestation de services à caractère intellectuel exigeant un niveau élevé de connaissances spécialisées et qui implique que la personne physique ou morale exerce son art ou sa science dans le respect des règles d’éthique, de confidentialité et de responsabilité professionnelle ».

A ce jour, la seule définition légale de la profession libérale est celle que donne la Directive européenne relative à la reconnaissance des qualifications professionnelles:

(Directive du n° 2005/36/CE du 7 septembre 2005 - Considérant n° 43)

« La profession libérale désigne toute profession exercée sur la base de qualifications professionnelles appropriées, à titre personnel, sous sa propre responsabilité et de façon professionnellement indépendante, en offrant des services intellectuels et conceptuels dans l’intérêt du client et du public ».

Alberto Sousa

Anónimo disse...

2 BREVES COMENTÁRIOS

1. Ao que parece, a OP almejada pelo RB teria entre outras missões a de proibir os centros de explicação e, quiçá, os explicadores em geral. Quer dizer, mais uma limitação interesseira e abusiva à concorrência.

2. Professores há em todos os países do mundo. Existe porventura algum país que tenha uma ordem dos professores? Ao menos nisso seríamos os primeiros...

Alberto Sousa

joão viegas disse...

Caro Alberto Sousa,

1/ Quanto ao ultimo ponto, tenho pena mas você é que esta errado.

As ordens profissionais são consideradas em França como pessoas de direito privado, ou mais precisamente, é pacifico que não são pessoas de direito publico desde o célebre arrêt Bouguen de 2 de Abril de 1943, citado em qualquer manual de direito administrativo que se preze (eis o considerando do Conseil d'Etat : "...que le législateur a entendu faire de l'organisation et du contrôle de la profession médicale un service public ; que si le Conseil supérieur de l'Ordre des médecins NE CONSTITUE PAS UN ETABLISSEMENT PUBLIC, il concourt au fonctionnement dudit service", os sublinhados são meus).

A situação actual é assim resumida por R. Chapus, que é hoje a maior autoridade na matéria (Droit administratif général, I, p. 183) : "On ne voit pas aujourd'hui de raison de penser que les ordres professionnels (ou les comités d'organisation, s'ils existaient encore) pourraient ou devraient n'être pas tenus pour des organismes de droit privé".

Portanto o ponto é bastante claro em direito francês.

Convém mencionar que nada obsta a que pessoas privadas possam estar investidas de uma missão de serviço publico administrativo, nem sequer a que possam estar investidas de algumas prerrogativas de autoridade publica.

Existem muitas outras pessoas de direito privado (para além das ordens, que em França são tidas como pessoas privadas) investidas de missões de serviço publico administrativo, desde estabelecimentos de saude a estabelecimentos de ensino, etc.

Depois de reler o Freitas do Amaral, compreendo melhor a sua estranheza e devo admitir que nos meus primeiros comentarios tinha sobretudo em mente a realidade francesa, um pouco diferente da portuguesa na medida em que, neste ultimo caso, as ordens são consideradas, e qualificadas por lei (ou por decreto), como "associações publicas". No entanto, como mostrei acima, este conceito português, um pouco hibrido (em rigor uma associação publica devia ser uma associação de pessoas publicas, como uma associação de municipios, ou uma organização internacional) corresponde na pratica a uma realidade muito proxima da francesa. Dai que Freitas do Amaral recorra à figura da "associação publica de entidades privadas", que me parece muito proxima, pelo menos do ponto de vista da nossa discussão, da figura de "pessoa privada investida de missões de serviço publico administrativo" bem conhecida no direito francês.

(continua)

joão viegas disse...

(continuação)

2/ Ja quanto à questão dos honorarios, penso que você esta a tirar de um texto isolado conclusões abusivas. Se um profissional liberal se definisse como alguém que cobra honorarios e que exerce por conta propria, então as ordens profissionais deveriam recusar a inscrição de todos os profissionais que não respondem a esse requisito. Ora esta longe de ser o caso. Em Portugal, que eu saiba, ha médicos que nunca cobram honorarios, ou porque apenas trabalham no serviço publico, ou porque são médicos do trabalho (pagos pela entidade patronal, como em França ?). Ora esses médicos continuam inscritos na ordem. Portanto continuam a ser profissionais "liberais" (embora sem "exercicio liberal" no sentido em que você o entende).

Mais uma vez, eu não nego que exista uma tendência para interpretar a noção de "profissão liberal" no sentido que você defende. Isto é obvio e a propria ideia de um "exercicio liberal" tem isso mesmo implicito (e percebe-se bem porquê : porque muitas vezes a independência existe apenas quando a actividade é exercida por conta propria).

O que eu defendo é que esta maneira de ver as coisas implica um completo esquecimento daquilo que a palavra "liberal" quer dizer originalmente. A palavra "liberal" designa precisamente uma actividade que não é exercida "em beneficio proprio". E não julgo ser o unico iluminado a defender esta posição. Mais uma vez, se fôr em busca de uma definição legal, regulamentar, ou jurisprudencial clara do que caracteriza uma "profissão liberal", vai ver que não ha uma que reuna consenso e que a tonica é sempre posta na "independência" e não no "exercicio por conta propria".

Mais uma vez, ha inumeras profissões exercidas por conta propria, mas nem todas são, ou devem ser consideradas, como profissões liberais...

Eis um assunto onde, do meu ponto de vista, reina hoje uma certa indeterminação por não haver rigor na utilização dos conceitos.

Dai eu comentar, como profissional interessado, num blogue essencialmente universitario. Sendo muitas e melindrosas as implicações actuais do estatuto das ordens, estaria talvez na altura de pararmos e reflectirmos um pouco acerca da questão seguinte, que é filosofica, mas não so : o que é que entendemos exactamente por "profissão liberal" ?

Ja vi que o meu amigo entende que é qualquer profissão exercida por conta propria.

Discordo, e penso que muitos profissionais liberais discordariam também...

joão viegas disse...

Caro Alberto Sousa,

So agora vi a sua resposta ao Rui Baptista. Dois ultimos reparos, sem pretenções nenhumas de arrumar definitivamente a questão :

1/ Nas definições que da, a tonica nunca é colocada no exercicio por conta propria, embora a ideia esteja às vezes subentendida (mas, em meu entender, so na medida em que constitui uma garantia de independência).

2/ No caso dos professores, é claro que hoje em dia, na maior parte do mundo, não estão organizados como uma verdadeira profissão liberal. No entanto a "liberdade pedagogica" e o principio segundo o qual apenas devem ser avaliados pelos seus pares (muito debatido em Portugal recentemente, como sabemos) são resquicios do tempo em que o magistério era considerado como uma profissão liberal...

Rui Baptista disse...

Ao anónimo Alberto Sousa:

Bom dia!

Primeiro, farei, por agora, apenas, um brevíssimo esclarecimento à parte inicial do seu comentário que teve a gentileza e a brevidade de me enviar. Isto para que não seja criada na opinião pública, ainda que mesmo com a rapidez de um meteorito que visita o planeta terra passando-lhe ao lado sem lhe fazer qualquer mossa, a ideia de eu ter dito coisas que não disse e, muito menos, me passaram sequer pela cabeça quando abordei o problema social das explicações. Não disse, muito menos defendi, que fique isto bem claro para que se não julgue eu pisar traiçoeiras e perigosas areias movediças num terreno em que tenho os pés bem assentes em solo duro e a consciência limpa, embora correndo o perigo, com a lupa da sua interpretação, de ela ser tida como “pau sujo de galinheiro”, para utilizar uma saborosa expressão brasileira.

Depois, agradeço a pergunta formulada no seu segundo comentário em tom, que eu diria, premomitório por se dar a feliz coincidência de ser minha intenção a respectiva abordagem.

Finalmente, deixo aqui a promessa de respostas mais detalhadas aos dois pontos do seu comentários por defender que as promessas são para cumprir. Até breve, portanto,com a expressão bem portuguesa, “se Deus quiser”. A continuação de um óptimo dia!

P.S. (“post scriptum”, para evitar interpretações de natureza partidária): A questão da futura criação da Ordem dos Professores deixou de ser assunto gilioso que se discute à mesa dos café para vir para a opinião pública em comentários “Prós & e Contras” que têm enriquecido uma discussão longe de estar esgotada . Isto é, que se não deseja com resquícios de um silêncio cúmplice, timorato ou, sequer, de deixar correr o marfim. Não tomar uma posição neste assunto é deixar que os outros a tomem por nós, deixando o campo livre a uma servidão aos poderes institucionais e políticos que nos deve incomodar ou mesmo sufocar.

Rui Baptista disse...

Na 3.ª linha, do "posts criptum", substituir, obviamente, a palavra "gilioso" por sigiloso.

Rui Baptista disse...

Em derradeiro comentário, levanta-me o anónimo Alberto Sousa (AS) a seguinte suspeição ou mesmo libelo acusatório: “ Ao que parece, a OP almejada por RB teria entre outras missões a de proibir os centros de explicação e, quiçá, os explicadores em geral”.


Como reconhece o povo, nem sempre aquilo que parece é e nem sempre aquilo que é parece. Isso mesmo é-nos descrito no “Mito da Caverna”, por Platão (427 a.C.-347 a.C.), quando certas imagens projectadas numa parede são tomadas como realidade por indivíduos acorrentados numa caverna desde a nascença numa alegoria a dois mundos diferentes: o mundo daqueles que estão acorrentados ao senso comum e o mundo dos que, em liberdade, porfiam na busca incessante da verdade.


Desta forma, recaem sobre a defesa que faço da necessidade de uma Ordem dos Professores (OP) simples sombras que não correspondem ao meu ponto de vista sobre o caso específico das explicações. Isto porque a OP “por mim almejada” não visa, de forma alguma, proibir as explicações. Somente retirá-las das mãos de possíveis e perigosos artífices de uma ensinança de vão de escada dando-lhes a dignidade de uma actividade profissional responsabilizada pelos actos que pratica.


Assiste-se hoje a uma realidade social que é impossível esconder por mais tempo:. na actual vida portuguesa, as explicações, logo a partir do 1.º ciclo do básico, são um espécie de moda em crescimento exponencial que aumenta o fosso cultural entre ricos e pobres. E tudo isto a coberto de uma falsa e cínica democratização do ensino que está dependente das bolsas dos progenitores em proporções inimagináveis década atrás.


Assim, quer se queira ou não, estamos na presença de um problema hodierno que é a necessidade das explicações no auxilio das aprendizagens escolares e como forma de mercado de trabalho das fornadas saídas das faculdades e escolas superiores de educação que se encontram no desemprego por os quadros docentes das escolas oficiais ou privadas se encontrarem sobrelotados e com previsões nada optimistas desta situação alarmante se modificar nos anos mais próximos. Trata-se, portanto, de uma actividade docente em larga escala desregulada porque deixada ao Deus dará de soluções em que o gato pode ser tomado por lebre

.

Nesta perspectiva, aqui sim, deparamo-nos com uma profissão docente liberal, “stricto sensu”, como a do médico no seu consultório privado, carecida de uma ordem profissional que proceda à sua auto-regulação, defendendo os interesses da comunidade que procura os seus serviços e, consequentemente, ao serviço de uma sociedade moderna em que qualquer forma de ensino não pode, nem deve, ser encarada como uma simples economia de mercado sujeita à lei da oferta e da procura.

(CONTINUA), em linguagem ferroviária com mudança de agulha.

Rui Baptista disse...

Anónimo Alberto Sousa (AS):

É chegada a altura de fazer o ponto da situação:

Em dois breves comentários (16 de Junho, 3:39), amarra-me AS ao pelourinho da praça pública sob acusação suspeitosa de uma coisa feia e horrenda que iria prejudicar uma actividade docente, em crescimento acelerado e imparável, ministrada em centros de explicações ou por conta própria, quando escreve : “ Ao que parece, a OP almejada pelo RB teria entre outras missões a de proibir os centros de explicação e, quiçá, os explicadores em geral”. De “motu próprio”, encostei o peito à barra do tribunal, enjeitando, com a convicção dos justos, esta acusação com os argumentos que constam do meu comentário de 17 de Junho ( 0:40).


Reporta-se este meu novo comentário ao repto que me faz AS, naquilo que tem como a estocada final de hábil esgrimista de capa espada em argumentação capaz de deixar o adversário a esvair-se numa poça de sangue, com o texto que transcrevo: 1. “Professores há em todos os países do mundo”. 2.” Existe porventura algum país que tenha uma ordem dos professores?” 3. “ Ao menos nisso seríamos os primeiros...”

Ponto por ponto:

1. “Professores há em todos os países do mundo”. Trata-se duma afirmação demasiado evidente, sem sombra de novidade ou de discussão. Plenamente de acordo, portanto.
2. “Existe porventura algum país que tenha uma ordem dos professores? ” Aqui põe-me AS em presença de uma pergunta do tipo “hoc opus hic labor est”.
3. Finalmente, por AS ter como dado adquirido uma resposta negativa ao quesito anterior, surge a afirmação: “Ao menos nisso seríamos os primeiros…”Mas não somos.


Mas encaremos a parte substantiva da questão levantada no ponto 2.. Tem razão, razão absoluta. Não existe um só país “que tenha uma ordem dos professores”. HÁ VÁRIOS. Faça o favor de tomar nota:


A ORDEM DOS PROFESSORES DO BRASIL SURGE PARA DEFENDER A CAUSA DA EDUCAÇÃO NACIONAL, E O PROFESSOR É O MAIOR INSTRUMENTO DESSA MUDANÇA: aqui http://www.superpopular.com.br/website/index.asp?start=1&cod=1900&par=

CHILE: http://www.colegio de professores.cl

PERU: http.cppe.org.pe/

CANADÁ (Ontário): http://www.e-laws.gov.on.ca/html/statutes/french/elaws_statutes_96o12_f.htm

Aproveito a ocasião para lhe enviar este texto, referente ao Reino Unido:

The College of Teachers
We are the UK's professional educational institute for teachers. We support the teaching profession through networks of membership and qualifications.
Our members include primary, secondary and special educational needs teachers, lecturers, university staff, teaching assistants, industrial trainers, local authority managers and governors both in the UK and around the world. Many specialist associations, agencies, colleges and schools also belong to The College as institutional members.
Our qualifications range from attendance certificates through to masters level and are professional rather than academic in nature, allowing everyone involved in education to have their professional achievement and expertise recognised and rewarded. As these qualifications are awarded under our Royal Charter they benefit from international recognition allowing their holders to move schools, local authorities, and even countries safe in the knowledge that their qualifications will be recognised.
Holding the 366th Royal Charter issued by the monarchy we are run by our members for our members and strive to support improvements in standards of teaching and learning.

Numa competição em que AS afirma, convictamente, que “seríamos os primeiros” a criar uma Ordem dos Professores, estamos longe de ocupar, sequer, um lugar no pódio dessa espécie de associativismo profissional.

"Et pour cause", a minha nota final aposta no meu ultimo comentário: “(“CONTINUA), em linguagem ferroviária com mudança de agulha”.

Eis-me,finalmente, em fim de linha, no término de uma longa viagem… a menos que me sinta coagido a prosseguir jornada em transbordo de comboio!

Rui Baptista disse...

Rectifico o link do Chile: http://www.colegiodeprofesores.cl/index.php?option=com_content&task=section&id=1&Itemid=2

J.M.P.O. disse...

Por acaso, agora que por aqui passo gostaria de mandar mais uma acha para a fogueira. A ideia de independência dos profissionais liberais está prevista na lei. O art. 116.º do Código do Trabalho (autonomia técnica) aplica-se a muitos profissionais de entre os quais os profissionais liberais como os médicos e os advogados. Este argumento legal contraria mais ainda a teoria de que a lei apenas reconhece como profissionais liberais os que trabalham por conta própria.

Rui Baptista disse...

J.M.P.O.(19 de Junho,6:22):

É sempre bem-vindo quem vier por bem na intenção de trazer argumentação que possa ajudar ao tema em discussão. Obrigado.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...