sexta-feira, 29 de junho de 2007
PORTUGAL INVENTOU A INTERNET?
Sim, Portugal inventou uma versão da Internet há 500 anos, segundo o "New York Times" de 29 de Junho: aqui (inscrição necessária).
O artigo descreve a exposição sobre os Descobrimentos portugueses que se encontra patente em Washington. Eis o começo para abrir o apetite:
Portugal, Conquering and Also Conquered
By HOLLAND COTTER
WASHINGTON, June 22 — A little-known fact: A version of the Internet was invented in Portugal 500 years ago by a bunch of sailors with names like Pedro, Vasco and Bartolomeu. The technology was crude. Links were unstable. Response time was glacial. (A message sent on their network might take a year to land.) They put up with it all. They were hungry to gain access to the world.
That’s the basic story of “Encompassing the Globe: Portugal and the World in the 16th and 17 Centuries” at the Arthur M. Sackler Gallery, a show that glows like a treasury, radiates like a compass and seems as rich with potential information as the World Wide Web.
CIÊNCIA VIVA CHEGA A BRAGANÇA
Informação recebida do Ciência Viva:
Um novo Centro Ciência Viva para a divulgação da ciência e da tecnologia abre as suas portas em Bragança, no próximo sábado, dia 30 de Junho, às 12 horas.
A cerimónia de inauguração contará com a presença do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago.
Este será o 14.º Centro a integrar a Rede que a Ciência Viva tem vindo a criar em todo o País. No endereço www.braganca.cienciaviva.pt é possível observar desde já toda a sua envolvente e alguns dos módulos que compõem este centro de divulgação científica.
A experiência de aprendizagem tem início logo na arquitectura do próprio edifício, uma antiga central hidroeléctrica instalada na margem esquerda do rio Fervença, que o projecto da arquitecta italiana Guilia de Appolonia transformou em casa de ciência.
Este edifício do Centro Ciência Viva de Bragança é um autêntico módulo interactivo graças à intervenção do engenheiro Guilherme Carrilho da Graça. Por exemplo, a sua fachada permite que se adapte às condições atmosféricas de modo a optimizar a captação directa da energia solar térmica. Este é um exemplo vivo de uma gestão inteligente dos recursos energéticos.
Como tirar partido das energias renováveis? De que forma podemos contrariar o aquecimento global e o efeito de estufa? Será que a pegada ecológica de Portugal está dentro dos limites da capacidade do planeta? Venha experimentar estes módulos interactivos que fazem parte do Edifício Principal.
O Centro Ciência Viva de Bragança inclui ainda a Casa da Seda, resultado da recuperação de um antigo moinho, onde irá aprender o ciclo de vida do bicho-da-seda, compreender o processo de tingimento da seda e conhecer a sua indústria. Aqui, qualquer que seja a estação do ano, a paisagem que vai olhar pela janela em tempo real estará sempre repleta de borboletas.
Todo o núcleo expositivo do Centro Ciência Viva de Bragança foi produzido pela empresa portuguesa YDreams, em colaboração com a Ciência Viva.
À disposição dos visitantes estará também um espaço de acesso livre à Internet e uma cafetaria e esplanada com vista sobre a margem do rio Fervença.
No dia da inauguração terá lugar no auditório da Casa da Seda a apresentação do livro História da Indústria da Seda em Trás-os-Montes, da autoria de Fernando de Sousa, das edições Afrontamento, com o apoio da Câmara Municipal de Bragança.
O Centro Ciência Viva de Bragança é uma iniciativa da Ciência Viva, da Câmara Municipal de Bragança e do Instituto Politécnico de Bragança.
O Centro Ciência Viva de Bragança espera a sua visita. A partir deste fim-de-semana pode contar com mais este Centro da rede Ciência Viva para muita ciência no seu roteiro de tempos-livres.
Centro Ciência Viva de Bragança
Rua Beato Dinis,
5300 - 130 Bragança
Telefone: 273 382 207
www.braganca.cienciaviva.pt
BD, CONTOS E ROMANCE DE UM BIOQUÍMICO
João Ramalho Santos, um investigador no Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra, não é apenas co-proprietário de uma boa livraria de banda desenhada (a Dr. Kartoon, em Coimbra, na foto) e autor de vários trabalhos sobre essa arte. Ele também escreve, no sítio Lablit (uma página internacional sobre a "ciência na ficção e na realidade"), interessantes contos relacionados com a ciência: veja aqui.
João Ramalho Santos publicou recentemente o romance "Portland, Portugal: Um voo doméstico" (Porto: Afrontamento, 2007), que pode ser encontrado numa livraria perto de si.
AS NOVAS DE PARK
Eu explico: Às sextas-feiras, ao fim do dia, é dia de receber o interessantíssimo boletim electrónico do físico da Universidade de Maryland Robert Park (autor de "Ciência ou Vodu", Bizâncio, 2002). É uma pena afiada contra a anti-ciência, isto é, pela ciência. Quem quiser pode ver e assinar os boletins dele aqui . Enquanto não chegam as novas de hoje, releia-se uma da semana passada:
WHAT’S NEW Robert L. Park Friday, 22 Jun 07 Washington, DC
STEM CELLS: BUSH DECLARES "ALL HUMAN LIFE IS SACRED."
Peace activists say the same thing. The President said this while issuing his second-annual summer-solstice-veto of legislation to lift his ban on embryonic stem cell research. He said that the United States is "founded on the principle that all human life is sacred" – unless you’re in Iraq, where 80 American lives have been sacrificed so far this month. I couldn’t find such a principle in the Constitution; instead I found the First Amendment. By imposing his bizarre religious belief that embryonic stem cells are people on the rest of us, the President has violated the constitutional rights of every living, breathing American.
THE UNIVERSITY OF MARYLAND.
Opinions are the author's and not necessarily shared by the University of Maryland, but they should be.
Archives of What's New can be found at http://www.bobpark.org
Diane Ravitch sobre as escolas
Evolução Humana e Consciência
O que é a consciência? Para que serve? Somos os únicos seres conscientes?
Enquanto olha para estas linhas desenrola-se uma miríade de processos: os fotões de luz incidem na sua retina, os sinais eléctricos resultantes circulam pelo nervo óptico e são enviados para regiões específicas do cérebro que permitem uma descodificação das imagens. Mas, ao olhar para a página está consciente dela, experienciando as imagens das palavras e das letras. Ao mesmo tempo o seu significado pode invocar sentimentos, emoções ou pensamentos, que se desenrolam exclusivamente na sua mente. Essas experiências constituem a consciência: a vida subjectiva interior da mente.
O cérebro humano é o órgão mais complexo que a ciência identificou até hoje. O cortex cerebral terá cerca de 30 mil milhões de neurónios e mil biliões de conexões entre eles. Se contássemos as sinapses à taxa de uma por segundo, terminaríamos dentro de trinta e dois milhões de anos. Hoje é claramente assumido que o pensamento, incluindo o pensamento consciente, é o produto deste órgão complexo. Mas, o cérebro não é um computador digital, não funciona como uma máquina lógica. Será mais parecido com um sistema de reconhecimento de padrões.
O cérebro e o conjunto de funções cognitivas que produz, nas quais se inclui a consciência, é objecto de vários domínios da investigação científica. Um assunto que no passado era tema exclusivo da filosofia. Segundo o dualismo cartesiano de Descartes mente e corpo eram duas realidades distintas, o que não se veio a confirmar (Damásio, 1995 - O erro de Descartes). O primeiro grande passo no sentido de uma abordagem científica da mente foi dado por Darwin que sustentou correctamente que o cérebro humano evoluiu tal como as mãos ou o queixo: todos os organismos e todas as suas partes evoluiram, sem excepção. Esta perspectiva constituiu então uma verdadeira ruptura, que não foi acompanhada pelos seus contemporâneos, como Wallace, que, sem razão, excluíam o cérebro humano da evolução. A conclusão de Darwin implicava ainda que a mente é o produto de um órgão biológico, um pressuposto base de toda a neurobiologia.
De entre as funções complexas do cérebro, a consciência é a mais misteriosa e difícil de caracterizar (Damasio, 2000 - O sentimento de si; Crick, 1994 - The astonishing hypothesis). A consciência é um produto da mente, altamente sofisticado, que constitui a base da nossa comunicação e relação com o mundo físico e social, tal como a entendemos. É também um produto privado, exclusivo de cada cérebro. A nossa percepção da consciência dos outros deriva da nossa experiência sobre o seu comportamento, incluindo o verbal, que nos leva a concluir serem basicamente como nós.
Mas o que é realmente a consciência?
António Damásio dividiu o problema em dois para o simplificar: o primeiro é o do “filme no cérebro”, a sucessão de acontecimentos externos e internos que o cérebro vai registando, sendo o segundo o problema do ‘eu’ (‘self’). Aquela espécie de show multimédia no interior do cérebro, pela continuidade do fluxo de informação sobre os acontecimentos, possibilita a identificação de uma continuidade e estabilidade espacio-temporal que permitem a identificação do eu.
Gerald Edelman formulou uma outra hipótese para explicar a experiência consciente: a hipótese do núcleo dinâmico. Esta resulta da actividade paralela coordenada por conexões recíprocas entre vastas regiões do cérebro, constituindo agregados de neurónios, ao nível do sistema tálamo-cortical, que ao manterem interacção por períodos superiores a centenas de milisegundos permitem a formação de uma experiência consciente. Segundo esta hipótese a consciência de um evento não ocorre antes de decorridos 300 milisegundos, o tempo necessário para a activação de um destes agregados de neurónios.
Enquanto estas hipóteses sobre o que é a consciência vão sendo testadas, há outras questões igualmente interessantes a colocar. Como a de saber para que serve a consciência. Ou seja, porque evoluiu a consciência? O que implica outra questão relacionada: a de saber se somos os únicos seres conscientes na biosfera?
A maioria dos autores assume que a consciência tem vários níveis. Sabe-se que outros animais, além de nós, possuem estados de consciência, ainda que menos elaborados, como a consciência de si, do próprio corpo. Foi isso que demonstrou Gordon Gallup quando pintou uma mancha vermelha na sobrancelha de um chimpanzé, enquanto dormia. Ao acordar e olhar-se num espelho, o chimpanzé foi imediatamente inspeccionar com a mão aquela região do seu rosto que tinha algo diferente, evidenciando o seu auto-reconhecimento na imagem do espelho. Os primatas são os primeiros candidatos à identificação de formas de consciência mais elaborada, não por estarem filogeneticamente mais próximos de nós, mas por partilharem connosco várias características, como cérebros grandes e complexos e uma ecologia social propícia ao reconhecimento individual e à acção consciente. Há outros grupos de animais a considerar por partilharem esssa características, como os golfinhos.
Se nós partilhamos com os outros primatas, filogeneticamente mais próximos, formas elaboradas de consciência, como a percepção dos estados conscientes dos outros, então elas terão surgido em um antepassado evolutivo comum. Se não, trata-se de algo exclusivo da nossa evolução, que tanto pode ter ocorrido há 2 milhões de anos como há alguns milhares.
Uma das formas mais elaboradas de consciência é a noção de que, não só somos conscientes, como os outros também são e que o seu pensamento é diferente do nosso. O simples pensamento: “eu acho que ela pensa que eu gosto dela” envolve uma matemática complexa: significa que cada um de nós tem uma teoria sobre o funcionamento da mente dos outros. E naturalmente há teorias que são melhores que outras. Este pensamento intencional, por óbvio que pareça, não nasce connosco. Desenvolve-se na criança, verificando-se um grande salto por volta dos quatro anos. Só nessa altura a criança adquire uma teoria da mente bem desenvolvida ficando perfeitamente equipada para mentir. Não antes.
Uma das hipóteses mais interessantes para explicar porque evoluimos esta consciência, é a hipótese maquiavélica de Richard Byrne e Andrew Whiten (Byrne, 1995 - The thinking ape). Segundo esta e como o nome sugere, o contexto social propicia a evolução de formas de acção que beneficiam do facto de os actores serem capazes de calcular as trajectórias comportamentais dos outros actores e receptores do seu ambiente social. Esta capacidade de pensar o pensamento dos outros de forma independente constitui uma ferramenta fundamental da vida social, que estamos constantemente a utilizar, quando pensamos conscientemente nos mais diversos aspectos das nossas vidas. Assim, segundo aqueles autores, foi a grande complexidade do ambiente social dos nossos antepassados evolutivos que favoreceu a evolução da mente complexa que possuímos, com especial incidência para a consciência. Esta faz principalmente falta no relacionamento social. Na realidade, os indivíduos autistas, que têm uma conhecida falta de capacidade de relacionamento social, revelaram ter uma teoria da mente muito rudimentar. Por outro lado, quando comparamos a dimensão relativa do neocortex dos vários primatas com o tamanho dos grupos sociais, verificamos que quanto maior o grupo maior o neocortex.
Apesar disso, não sabemos se outros primatas são dotados de uma teoria da mente. Estudos recentes com chimpanzés apresentam resultados equívocos. Circunstância agravada por não podermos recorrer à linguagem para comunicar. Assim, a questão de saber se estamos ou não sozinhos na biosfera, quanto a esta característica, permanece em aberto.
A investigação científica da consciência apenas está no início, já que só recentemente dispusemos de instrumentos que nos possibilitam olhar para o cérebro em funcionamento, de forma não invasiva. Esta investigação irá certamente intensificar-se nos próximos anos. A tarefa de elucidação do que é a consciência será árdua. Mas, será sem dúvida uma tarefa da ciência.
quinta-feira, 28 de junho de 2007
Portugal e Estados Unidos: faltam lobbies
Já desde há muito tempo que se reconhece a necessidade de um diálogo maior entre a universidade e a indústria. Se, por um lado, se discute com frequência a falta de ligação entre a universidade e a indústria, por outro, observa-se a emergência de forças interessadas em corresponder às exigências de uma e de outra. A Portuguese American Postgraduate Society (PAPS), atenta ao papel que os dois sectores podem desempenhar em benefício mútuo, organizou há poucos meses um colóquio para debater as redes de colaboração entre a universidade e a indústria e a forma como se poderão ultrapassar as barreiras actualmente existentes e que são fruto de culturas diferentes.
Neste sentido, sob o tema “Creating a Network: sharing experiences”, reuniu-se na Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA, um grupo de luso-americanos e portugueses, de várias origens profissionais e académicas, a maior parte ocupando cargos de grande relevância. Alguns dos convidados, tanto empresários como académicos, encontram-se estabelecidos nos EUA há décadas, tendo desenvolvido canais de cooperação com instituições portuguesas. Na reunião expressaram o desejo de reforçar e criar mais laços entre os dois países. Alguns têm organizado programas com vista à mobilidade de capital humano. Defenderam a excelência na investigação e a criação de redes de boas escolas que consigam reunir uma massa crítica. Se, no passado recente, o estabelecimento destas redes era difícil, Miguel Villas Boas, professor na Haas Business School, em Berkeley, observou que se “tem tentado mudar muito essa cultura, o que traz muitas possibilidades de voltar para Portugal”. ~Segundo ele, começa a notar-se uma maior visão internacional, percebendo-se “que não temos que trabalhar só para o país, mas também para o mundo”.
A contribuição destes “emigrantes de luxo" nos EUA tem passado pela criação de redes de conhecimento, como a contratação de engenheiros para Sillicon Valley e de bioquímicos para a Genentech, também na Califórnia. Para Helder Antunes, Director de Engenharia da CISCO, “Portugal quer-se estabelecer no mapa mundial como uma alternativa viável em ciência e tecnologia e, para isso, tem que investir mais nessa área, enviando para fora mais capital humano”. Sublinhou que o “crescimento do espírito empresarial está a entrar numa fase nova em Portugal, onde já existem pessoas com o 'mindset' para desenvolver empresas; todavia, apesar de alguns sinais positivos, a ausência de um sistema de 'venture capital' como há nos EUA representa um enorme obstáculo, para além de o mercado ser pequeno". Mas “o ingrediente fundamental que falta é um 'lobby' oficial português aqui em Sillicon Valley para fazer a ponte entre as competências que existem em Portugal e as possibilidades no mercado mundial viabilizadas através das grandes companhias daqui”. Por isso é fundamental um investimento neste "lobby". Através do “nosso 'network' podemos propagar com vigor esta ideia para que as boas empresas, as boas ideias e tecnologias, se desenvolvam”.
Durante o encontro, manifestaram-se sentimentos diferentes relativamente ao regresso, havendo apenas unanimidade no desejo de ajudar Portugal a tornar-se um país de progresso e de futuro. Se alguns dos jovens, estudantes de doutoramento, presentes não se sentiam perturbados com a decisão de ficar (ou não) nos EUA, outros houve que, mesmo admitindo a existência de “células de excelência no nosso país, do ponto de vista de inovação”, disseram que dificilmente “encontrariam em Portugal as condições de trabalho de que aqui usufruem”.
Quem vive em grandes centros de ciência e tecnologia, como os que existem nos EUA, e pretender regressar a Portugal não deixará de questionar se “poderá continuar a realizar investigação de topo a nível mundial”. A decisão de voltar por vezes não é fácil porque, ao fim de alguns anos, “nós somos os 'expats' em todo o lado, somos 'expats' aqui e lá, e, portanto, temos que ver onde é que nos conseguimos ajustar melhor”.
No retorno a Portugal há que enfrentar vários desafios, que passam por manter vivas e abertas as redes criadas no exterior e “fazer com que este ‘networking’ seja genuínamente internacional, sem nunca o confundir com o sistema nacional de cunhas”. Por outro lado, há o desejo de “dar uma retribuição ao país, sendo preciso que o país queira receber quem o procure e crie condições para que os regressados se mantenham e não tornem a emigrar”. “Houve uma altura em que o chavão em Portugal era o 'brain drain', mas agora estamos a passar do 'brain drain' para os 'refugees'. A pessoa vai para Portugal e depois, passado um ou dois anos, sente que tem de fugir, que tem de procurar refúgio algures para não dar em doido”.
ANTÓNIO ANICETO MONTEIRO OU A MATEMÁTICA EXILADA
O nosso século XX não foi um tempo áureo da ciência. A biografia do matemático António Aniceto Monteiro, nascido em 1907 na antiga Mossâmedes (Angola), mostra bem as dificuldades que os poucos cientistas portugueses viveram nesse tempo. Monteiro teve, em 1945, de se exilar para o Brasil. Daí, devido a perseguição por parte da Embaixada de Portugal (como era longo o braço perseguidor!) teve de se transferir para a Argentina onde viveu na maior parte da da sua vida. Já depois da Revolução de 1974 esteve algum tempo em Portugal para depois voltar para a Argentina, onde veio a falecer em 1980.
Comemoraram-se por isso recentemente os cem anos do seu nascimento. E a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) publicou uma bem documentada fotobiografia, com textos em português, espanhol e inglês sobre o seu fundador. Monteiro foi, de facto, um dos criadores daquela sociedade em 1940, tendo sido escolhido por unanimidade como seu primeiro secretário-geral. A abrir o livro "António Aniceto Monteiro. Uma fotobiografia a várias vozes. Una fotobiografía a varias voces" escreve o actual presidente daquela sociedade, o matemático Nuno Crato, numa nota em conjunto com Catarina Santa-Clara (responsável pelas comemorações do referido centenário):
"A SPM foi fundada graças aos esforços concertados desta geração [a geração de António Monteiro]. Mas houve nela um homem que pela sua energia, visão e persistência se salientou entre os demais, um homem que em 1937 esteve presente na criação da Portugaliae Mathematica , em 1939 no lançamento da Gazeta de Matemática e em 1940 na fundação da sociedade. Um homem que em todos nestes momentos, tal como noutros, percebeu sempre que a criação de um movimento matemático moderno implicava a internacionalização da investigação, a modernização do ensino, o incremento da divulgação científica e a atracção dos jovens para a matemática".
Além de um grande matemático – a qualidade da sua obra é certificada pelo facto de em 2006 no Congresso Internacional de Matemática em Madrid (a maior reunião de matemáticos do mundo) ter sido lançado a obra em oito volumes “The works of António A. Monteiro”, com versão em CD/DVD – António Monteiro foi um grande impulsionador da matemática em Portugal. Deixou obra: não só publicações como discípulos e instituições! A Portugaliae Mathematica, revista para trabalhos de investigação, ainda hoje se publica. A Gazeta de Matemática, revista para trabalhos pedagógicos e de divulgação, também (acaba de me chegar às mãos o último número, que é também o último que sai sob a direcção de Graciano de Oliveira, sendo o próximo director Jorge Buescu). E a SPM aí está, mais activa do que nunca, com numerosas intervenções, entre as quais se destacam as Olimpíadas de Matemática, uma competição juvenil de resolução de problemas de matemática. Se a ciência matemática em Portugal não foi brilhante, imagine-se o que não teria sido sem a visão esclarecida e a acção pioneira de António Monteiro...
Mas em que circunstâncias António Monteiro foi obrigado a exilar-se? Convém antes contar como foi a sua formação. Nasceu em Angola porque o seu pai era militar e estava aí colocado. Mas Monteiro ficou órfão aos oito anos e a sua mãe trouxe-o para Lisboa, tendo-o colocado no Colégio Militar. Ele é pois um dos mais famosos “meninos da Luz” de que aquela instituição se orgulha. Entre 1925 e 1930 faz o curso superior na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (ainda antes de terminar o curso casa-se com Lídia Torres, depois Monteiro, de quem teve dois filhos, e que o acompanharia no resto da sua vida – a fotobiografia mostra imagens desde o namoro até à festa dos 50 anos de casados). Logo depois de terminado o curso e com uma bolsa do Instituto de Alta Cultura faz trabalhos de doutoramento em Paris, na Sorbonne, sob a direcção de Maurice Fréchet. Está em Paris entre 1931 e 1936.
A seguir é o regresso a Portugal e todo o dinamismo que Nuno Crato e Catarina Santa-Clara sumariam. Não dizem tudo na sua nota, mas o livro diz: logo em 1936 Monteiro funda em Lisboa, com António da Silveira e Manuel Valadares, o Núcleo de Matemática, Física e Química, procurando implantar uma cultura de investigação em ciências exactas. Recebe passados dois anos o Prémio Artur Malheiros da Academia de Ciências de Lisboa, inicia em Lisboa o Seminário de Análise Geral e o Centro de Estudos Matemáticos e, em 1943 funda, com Ruy Luís Gomes e Mira Fernandes, a Junta de Investigação Matemática. Foi, em tempo de guerra, uma guerra à passividade nacional na área das ciências!
O extraordinário é que, apesar do seu evidente mérito, o jovem matemático não encontra emprego numa escola superior. Entre 1938 e 1943 ensinou sempre sem remuneração regular, ganhando a vida com explicações particulares e trabalhando num catálogo bibliográfico no Instituto de Alta Cultura. O que impedia a transmissão do seu saber nas escolas públicas? Pois o sábio não quis assinar um papel de fidelidade ao Estado Novo, que era indispensável para se ser funcionário público. O seu amigo Armando Girão conta na fotobiografia a inteligente resposta de Monteiro:
“Perante a teimosia do Aniceto perguntei-lhe por fim se ele afinal era comunista e por isso não assinava o papel? – E logo o Aniceto retorquiu: - Não sou comunista nem acredito que o venha a sê-lo – mas a declaração diz que “não sou nem serei...”, e não aceito limitações à minha inteligência!” O destino inevitável era o exílio. Com ele era também a matemática portuguesa que se exilava. Numa carta datado do Porto em 1944, António Monteiro (que esteve no Porto cerca de um ano em 1943 a dar seminários a convite da Junta de Investigação Matemática) escreve ao físico Guido Beck (um dos físicos judeus que passou meteoricamente por Portugal durante a Segunda Guerra):
“Estou-lhe muito reconhecido. É absolutamente necessário que eu consiga sair deste país, onde já não posso viver. Fiz preparativos para sair do meu país para sempre”.
A cátedra de Análise Superior no Rio de Janeiro foi-lhe concedida graças à recomendação não só de Guido Beck, mas também dos já na altura famosíssimos Albert Einstein e John von Neumann. No Rio Monteiro não pára o seu frenesim científico: participa na fundação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.
Não lhe tendo sido renovado o contrato, por razões políticas, vai para a Universidade Nacional de Cuyo, San Juan, Argentina. Sempre muito activo, é convidado em 1956 para professor na nova Universidade Nacional del Sur (Bahía Branca), tendo recusado convites similares nas Universidades de Buenos Aires e de Santiago do Chile. Aí revelou mais uma vez os seus dotes de organizador, que acresciam aos seus talentos de cientista. A convite do seu amigo, Ruy Luís Gomes, outro matemático perseguido em Portugal (tal como Bento de Jesus Caraça), foi professor em Bahía Branca entre 1958 e 1961. Em 1975 Monteiro jubila-se mas, espantosamente, o reitor, invocando a lei antiterrorista então em vigor na Argentina, proíbe a sua entrada na Universidade. Só em 1977 Monteiro volta a Portugal, tendo sido contratado pelo Instituto Nacional de Investigação Científica e distinguido com o Prémio Gulbenkian de Ciência e Tecnologia. Regressado à Argentina, morre em Bahía Branca.
O presente livro, com uma óptima qualidade gráfica, embora não seja ainda uma biografia definitiva, é uma fonte preciosa. Nele vemos um retrato a lápis que o matemático fez da sua esposa em 1931 e lemos alguns poemas que escreveu em 1959. Um deles intitula-se “Saudade” e dele transcrevo uma quadra que resume a sua vida: “Vejo os amigos ausentes / as lutas os sofrimentos / Vejo as esperanças perdidas / e cem vezes renascidas”.
- Jorge Rezende, Luiz Monteiro e Elza Amaral (coordenadores), “António Aniceto Monteiro: Uma fotobiografia a várias vozes. Una fotobiografía a varias voces". Sociedade Portuguesa de Matemática, Lisboa, 2007.
NÓS E A CHINA
A interpenetração cultural não passou, curiosamente, pela disseminação da língua portuguesa, que era bastante minoritária (perdia de longe para o cantonês e até para o inglês, dada a proximidade de Hong Kong) e que naturalmente verá a sua presença decrescer progressivamente. Também não passou pela hegemonia da religião católica, também muito minoritária e impotente perante a forte tradição das religiões orientais. Mas passou, por exemplo, pelo intercâmbio artístico-literário (não esqueçamos que o nosso maior poeta esteve em Macau!) e científico-tecnológico. Este último não é suficientemente conhecido e merece por isso ser destacado. Iniciou-se logo na época das Descobertas: foram jesuítas portugueses que introduziram conhecimentos de astronomia muito mais avançados do que aqueles que dispunham os imperadores chineses (e que permitiam prever eclipses com precisão elevada) e foram também os portugueses que introduziram na China instrumentos como os relógios mecânicos (que depressa conheceram uma popularidade inusitada na corte imperial) e os telescópios. A ciência moderna é uma “invenção” ocidental e chegou à China pelos navegadores portugueses...
Que ciência e tecnologia apesar de relacionadas se podem distinguir fica claro do facto de a China ter visto surgir vários artefactos tecnológicos - a bússola, o papel, a pólvora, etc. – e, apesar disso, ela não ter conhecido nada parecido com o período de “explosão de conhecimento” que foi o Renascimento. A marca da ciência sempre foi a curiosidade, a indagação, o prescrutar do mais além (“non plus ultra” é a divisa na capa do livro “Novum Organum”, de Francis Bacon). Foi, embora misturada com outras, uma atitude de curiosidade, logo científica, que impeliu, na época do Renascimento, os navegadores mais ocidentais da Europa, da ponta da Europa, a ir mais para ocidente, para sul, e depois para oriente uma vez dobrado o Cabo da Boa Esperança. Os chineses, pelo contrário, que se colocavam a si próprios no centro do mundo, não tiveram a mesma atitude de curiosidade. Foram os portugueses que “descobriram” os chineses e não o contrário. Por que foi Colombo quem descobriu a América e não um navegador chinês que descobriu a América? Sabemos hoje que os chineses dispunham nos séculos XV e XVI de meios formidáveis de navegação (alguns dos seus navios “metiam no bolso” as frágeis caravelas lusitanas) e os seus almirantes só não vieram para ocidente por manifesta falta de curiosidade. Houve um que chegou com portentosa frota à costa oriental de África, mas voltou para trás, não passando o cabo pelo caminho inverso. De certo modo, é um acto compreensível: para quê sair do meio - a palavra China significa precisamente meio - se já se está (ou julga estar) no meio do mundo?
Nos séculos XV e XVI, Lisboa era seguramente uma das principais metrópoles do mundo ocidental. A ciência, invenção ocidental, tinha portanto de ser levada para o oriente pelos portugueses, a partir do porto de Lisboa, durante meses e meses de navegação ousada, até chegar ao palácio de Pequim. E, como é sabido, chegou para ficar: hoje a ciência deixou de ser um património exclusivamente ocidental para ser um bem universal, partilhado por todos. A China é actualmente um país que participa muito activamente no esforço científico mundial em todas as áreas e que, graças a apostas certas na tecnologia, tem tido índices de crescimento notáveis. Se houve há quinhentos anos uma passagem do testemunho científico de ocidente para oriente, há hoje uma passagem de testemunho no sentido inverso quando muitos dos melhores alunos de ciência e muitos jovens cientistas nos EUA e até na Europa são chineses. É significativo que na Ásia se encontrem os melhores alunos de matemática do mundo. E que muitos produtos de base tecnológica consumidos no mundo global venham da China.
Chegámos à China, quando Portugal era moderno, com a ciência e a tecnologia na mão. Infelizmente, à expansão e ao avanço seguiu-se a contracção e o atraso. O nosso futuro passa por seguir o exemplo que hoje nos vem do oriente...
quarta-feira, 27 de junho de 2007
O PESO DAS ESTRELAS
Novo post convidado da nutricionista Ana Carvalhas, que já nos tinha dado "Pelo S. João, sardinha no pão":
Segundo Mário João Monteiro, astrofísico da Universidade do Porto, “a vida das estrelas é uma sequência de tentativas (algumas com sucesso mas outras não) de impedir que o seu peso a destrua… porque, como gasta energia, a estrela ‘envelhece’; logo todas as estrelas têm um início, uma juventude (intempestiva), uma idade adulta, uma velhice e um fim. Assim, ao longo da sua vida, o interior da estrela vai mudando (por vezes de uma forma drástica) adaptando-se como pode ao efeito da força inevitável que é o seu peso”. Devíamos aprender com as estrelas. De facto, tal como elas, temos de impedir que o nosso peso nos destrua... O peso excessivo representa uma sobrecarga para o coração.
As doenças cardiovasculares têm liderado, ano após ano, as causas de morte em todo mundo. Os números não deixam margem para dúvidas: 16,6 milhões de mortes por ano, dos quais seis milhões na Europa. Destes seis milhões, 50 mil ocorrem em Portugal. É muita gente!
Em geral as vítimas são mais homens do que mulheres, mas, entre nós, é precisamente ao contrário. Morrem mais mulheres por doença cardiovascular do que homens porque elas são, em média, mais obesas do que eles. As mulheres estão realmente mais protegidas até à menopausa, mas, a partir dessa altura, o risco aumenta drasticamente.
A maior parte dos factores de risco são bem conhecidos: não só a obesidade, mas também a hipertensão arterial, a hipercolesterolemia (colesterol elevado), o tabagismo, o stress, a ausência de actividade física… só para referir alguns.
Quando se comparam as estatísticas de saúde de 1996 com as de 2006, até ficamos animados: há maior controlo da hipertensão arterial e da hipercolesterolemia, em parte porque se desenvolveram fármacos adequados, e o número de fumadores diminuiu. Mas ficamos desanimados com o aumento acentuado do número de indivíduos obesos. Em particular, é indispensável lutar contra a obesidade aliada à diabetes.
Os obesos têm um risco acrescido de virem a sofrer um evento cardiovascular, um risco que só diminui com a prática de uma actividade física regular. Esta favorece a circulação e constitui um precioso auxiliar na perda de peso.
Cabe a cada um de nós vigiar o seu peso! A nossa esperança de vida e a nossa qualidade de vida dependem desse cuidado. Imitando as estrelas, precisamos de nos livrar do excesso de peso para vivermos mais...
MISSÃO BOTÂNICA
Inaugura no próximo dia 28 de Junho pelas 18h30 no Museu Nacional de História Natural, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, a exposição "Missão Botânica - Transnatural", organizada em parceria com o Departamento com o Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Uma Noite no Museu
Informação recebida do Pavilhão do Conhecimento / Ciência Viva:
1001 aventuras, 1001 enigmas, 1001 experiências científicas. Este ano atingimos o número 1001 de valentes exploradores que aceitaram o desafio de ter um museu só para si durante uma noite inteira.
Queres ser um deles? Para isso tens de estar à altura das aventuras que te propomos: transferir o líquido de um copo para outro através de uma palhinha gigante, implodir uma lata, fazer experiências com o tubo de Newton, andar numa bicicleta voadora, utilizar uma trotinete maluca, montar um esqueleto, identificar pegadas e sons de animais, observar a lua com um telescópio, fazer o molde de um fóssil, descobrir até que ponto o nosso cabelo é resistente, escrever uma mensagem utilizando uma linguagem estranha, comunicar em código morse, construir um altifalante, escapar a um alarme por laser, descobrir o código secreto que dá acesso a uma exposição.
E se te dissermos que isto é apenas a ponta do iceberg? Numa só noite, vais viajar no tempo por todas as 16 exposições que passaram pelo Pavilhão do Conhecimento ao longo de oito anos.
A tua perícia e raciocínio vão ajudar-te a superar os desafios científicos e a chegar à manhã do dia seguinte com a sensação de missão cumprida.
As inscrições estão abertas. Vem passar uma noite no Pavilhão do Conhecimento e embarca com os teus amigos numa aventura inesquecível.
Bagagem necessária: lanterna, saco-cama e muito espírito científico.
Destinatários:
Crianças dos 6 aos 12 anos
Datas:
Todos os Sábados, de 14 de Julho a 30 de Setembro de 2007.
Horário:
Das 19h30 de Sábado (entrada de grupos) às 11h00 de Domingo (entrada principal). Os horários devem ser respeitados.
Preço:
40 Euros (sócios: 35 Euros).
O preço inclui todas as actividades, pequeno-almoço e seguro de acidentes e responsabilidade civil.
Mais informações em:
www.pavconhecimento.pt
Informações e inscrições:
Dias úteis, entre as 10h00 e as 18h00.
Telefone - 218 917 100
Fax - 218 917 171
E-mail - info@pavconhecimento.pt
COSMOLOGIA RELATIVISTA
Informação recebida do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL)/ Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa:
Palestra Pública - 29 de Junho
O OAL retomou as suas Palestras públicas mensais, que como habitualmente têm lugar no Edifício Central, pelas 21h30 da última sexta-feira de cada mês.
A próxima sessão decorrerá no dia 29 de Junho e terá como tema:
Cosmologia Relativista
Paulo Crawford
Subdirector do OAL e Director da Biblioteca da FCUL
Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa
A gravitação é a interacção fundamental na descrição do Universo. Só as forças gravíticas e electromagnéticas têm um longo alcance e podem actuar a grandes distâncias. Como a matéria cósmica é electricamente neutra em média, a força electromagnética não parece desempenhar nenhum papel relevante a uma larga escala, pelo que ficamos reduzidos à gravidade como a única força motora capaz de descrever a evolução do Universo.
As leis da gravidade foram descritas por Albert Einstein em 1915, na sua Teoria da Relatividade Geral. Esta teoria contém a teoria da gravitação de Newton como um caso especial para os campos fracos e a pequenas escalas. Dados os sucessos da gravidade de Newton na descrição das órbitas dos planetas é tentador averiguar a sua capacidade para construir um modelo cosmológico. A cosmologia newtoniana é efectivamente capaz de descrever correctamente muitos aspectos da cosmologia relativista. Recentemente houve uma palestra de José Félix Costa que explorou esses aspectos.
Nesta palestra chama-se a atenção para aqueles aspectos da cosmologia relativista que não podem ser devidamente interpretados, e mesmo compreendidos, sem o recurso à teoria da relatividade. Por outro lado, a Relatividade Geral (RG) modifica o modelo newtoniano em vários aspectos entre os quais saliento os seguintes:
* Sabemos da teoria da Relatividade Restrita que a massa e a energia são equivalentes, de acordo com a relação de Einstein: E=mc2. Como consequência, não é só a densidade de matéria que contribui para as equações de movimento. Por exemplo, o campo de radiação cósmica de fundo tem uma densidade de energia que também entra nas equações da expansão do Universo. Este campo de radiação pode ser caracterizado como um fluido com pressão. E a pressão entra explicitamente nas equações descrevem a expansão.
* A explicação da expansão no quadro da RG é completamente diferente: A expansão do universo é a expansão do espaço, sem que isso implique um movimentoreal dos aglomerados de galáxias. É um simples aumento de escala, que acarreta uma recessão das galáxias. Isto significa que as galáxias conservam as suas coordenadas fixas durante a expansão (diz-se que são co-móveis), embora a distância entre elas esteja a crescer.
Estes serão os aspectos a clarificar nesta palestra a par de outros como: haverá velocidades de recessão superiores à velocidade da luz? Será possível observar uma galáxia que se afasta de nós a uma velocidade superior à da luz? Como medir as dimensões do Universo e avaliar a sua idade?
A palestra terá videodifusão ao vivo na internet no endereço
http://live.fccn.pt/oal/
A entrada na Tapada da Ajuda faz-se pelo portão da Calçada da Tapada, em frente ao Instituto Superior de Agronomia.
No final de cada palestra, e caso o estado do tempo o permita, fazem-se observações dos corpos celestes com telescópio. Nesta noite os corpos celestes alvo serão Saturno, Júpiter e aLua.Convida-se o público a trazer os seus binóculos ou mesmo pequenos telescópios caso queiram realizar as suas próprias observações ou ser ajudados com o seu funcionamento.
Para mais informações use o telefone 213616730.
terça-feira, 26 de junho de 2007
GRANDES ERROS
TOP TEN DAS FOTOS DO HUBBLE
1º- A Galáxia do Sombrero - distante 28 milhões de anos luz da Terra - foi eleita a melhor foto, captada pelo Hubble. As dimensões desta Galáxia, oficialmente denominada M104, tem uma aparência espetacular. Ela tem diâmetro de 50.000 anos luz.
2º - A Nebulosa da Formiga, que é uma nuvem de poeira cósmica e gás, cujo nome técnico é Mz3. assemelha-se a uma formiga quando observada por telescópios fixos. Esta Nebulosa dista da nossa Galáxia e da Terra entre 3000 a 6000 anos luz.
3º - Em terceiro lugar está a Nebulosa NGC2392, chamada Esquimó, pois se assemelha a um rosto circundado por chapéu ou gorro enrugado. Este chapéu, na realidade, é um anel formado por estruturas ou restos desagregados de estrelas mortas. A Esquimó está a 5000 anos luz da Terra.
4º - Em 4º lugar a Nebulosa Olho de Gato, que tem uma aparência do olho esbugalhado do feiticeiro Sauron do filme "O senhor dos anéis".
5º - A Nebulosa Ampulheta, distante 8000 anos luz, que tem um estrangulamento no meio, por causa dos ventos que modelam a nebulosa, serem mais fracos na sua parte central.
6º - A Nebulosa do Cone. A parte que aparece na foto tem 2,5 anos luz de comprimento.
7º - A Tempestade Perfeita, uma pequena região da Nebulosa do Cisne, à distância de 5500 anos-luz; descrita como "um borbulhante oceano de hidrogênio, e pequenas quantidades de oxigênio, enxofre e outros elementos".
8º - Noite Estrelada, assim chamada por lembrar aos astrónomos o quadro de Van Gogh com este nome. É um halo de luz que envolve uma estrela da via Láctea.
9º - Um redemoinho de olhos "furiosos" de duas galáxias, que se fundem, chamadas NGC 2207 e IC 2163, distantes 114 milhões de anos luz na longínqua Constelação do Cão Maior (Canis Major).
10º- A Nebulosa Trifid. É um "berçário estelar", afastado da Terra 9000 anos luz: trata-se de um lugar onde nascem novas estrelas.
O PRINCÍPIO DA INCERTEZA
Uma vez que permanecem algumas confusões sobre a mecânica quântica em geral e sobre o princípio da incerteza de Heisenberg (na foto) em particular, deixo aqui um esclarecimento:
"O Princípio da Incerteza" é o título da trilogia de livros da escritora portuense Agustina Bessa-Luís, cujo primeiro volume se intitula "A Jóia da Família". O cineasta também portuense Manuel de Oliveira deu, também, o título de "O Princípio da Incerteza" a um dos seus filmes, baseado no romance de Agustina.
O título comum ao livro e ao filme não é original. Já antes o escritor fancês Michel Rio tinha dado esse título a um romance seu, que de resto se encontra traduzido em português. E todos esses autores inspiraram-se num teorema do físico alemão Werner Heisenberg, formulado em 1925, a que foi dado o nome que está nesses títulos (por vezes também se chama princípio da indeterminação). A peça de teatro "Copenhaga" de Michael Frayn trata um importante episódio da biografia de Heisenberg, o seu encontro com o físico dinamarquês Niels Bohr, em Copenhaga, por altura da Segunda Guerra Mundial. Os dois estão de posse de segredos atómicos, mas um irá exilar-se enquanto o outro irá ficar do lado alemão. A peça glosa o princípio da incerteza quando, com evidente liberdade artística, é aplicado às intenções e acções humanas. É incerto, para o próprio Heisenberg, o que pretende com esse encontro. A física, está visto, também pode inspirar tanto a literatura como o teatro...
E o que diz o tal princípio da incerteza? O físico e filósofo argentino (mas residente no Canadá) Mario Bunge explica-o numa dúzia de linhas de uma forma extremamente clara no seu "Dicionário de Filosofia". A ficha encontra-se em "teorema de Heisenberg" e não em "princípio de incerteza", uma vez que (Bunge tem absoluta razão!) é de um teorema que se trata e não de um princípio: quer dizer, é uma afirmação que se prova matematicamente a partir dos postulados ou princípios gerais da mecânica quântica, a doutrina criada por Bohr, Heisenberg e outros no primeiro quartel do século passado e que tão bem explica o funcionamento do mundo microscópico. Vale a pena transcrever a definição e o comentário de Bunge, até porque ele diz tudo sem escrever nenhuma fórmula:
"TEOREMA DE HEISENBERG": Fórmula da mecânica quântica segundo a qual a variância (dispersão em torno da média) da posição de um electrão, ou de qualquer outra partícula quântica, é inversamente proporcional à variância da velocidade. Corolário: se a dispersão na posição diminui, a dispersão na velocidade aumenta e ao contrário. A fórmula é rigorosa e deriva de alguns dos axiomas da teoria, sem nenhuma referência a processos de medidas. Deve portanto ser válida universalmente sem nenhuma referência a condições de laboratório. Contudo, tem sido muitas vezes mal interpretada falando de perturbações causadas pelo aparelho de medida ou mesmo pelo observador. Também tem sido mal interpretada falando da incerteza do experimentador a respeito da posição exacta e da velocidade exacta da coisa medida – daí o nome popular de "princípio da incerteza". Esta interpretação é incorrecta por duas razões. Em primeiro lugar, a física não trata de estados mentais como a incerteza. Segundo, a referida interpretação pressupõe que os electrões ou os seus análogos têm sempre uma posição e uma velocidade exactas, como se fossem massas pontuais clássicas, com a diferença que não as podemos conhecer com precisão. Mas a teoria não faz essa suposição: não postula que os electrões e análogos são pontuais e que as suas propriedades têm valores precisos. Em mecânica quântica fala-se de partículas (ou ondas) de uma maneira analógica que é, por isso, enganadora. Uma vez que essas confusões estejam clarificadas, o teorema de Heisenberg perde qualquer interesse para a epistemologia, excepto como um exemplo das distorções de factos científicos que uma filosofia falsa pode originar. Retém , porém, interesse para o ontologia, lembrando-nos que os tijolos constituintes do universo não têm forma definida e são por isso indescritíveis de uma maneira geométrica".
Não há mal nenhum em que Agustina Bessa-Luís ou Michel Rio ou outros usem nas suas obras literárias referências e mesmo termos que são do âmbito da ciência. Pelo contrário, o facto de usarem referências científicas só significa um maior cruzamento entre as ciências e as artes e portanto um alargamento da cultura científica sem, pelos vistos, haver prejuízo da cultura literária. Aliás, como já alguém disse, cultura há só uma e as "duas culturas" estarão para a única cultura como as imagens de "partícula" ou "onda" estão para os objectos quânticos reais (esta analogia não tem nada de científico; como diz Bunge, falar de maneira analógica é sempre enganador). Mas já temos um problema se alguém pretender usar os termos, os conceitos e as afirmações da física ou de qualquer outra ciência fora do respectivo quadro, de uma maneira que não seja simplesmente analógica, mas sim pretensamente rigorosa. Não é essa, com certeza, a intenção de Bessa Luís ou Rio (um autor de um romance não tem intenções de fazer ciência!), mas é a intenção de alguns epistemólogos ou sociólogos da ciência que leram à pressa a ciência sobre a qual pretendem filosofar, ou de alguns literatos que muitas vezes nem sequer leram as obras de que falam (chamemos-lhe literatos, em geral, de uma maneira analógica, sem reclamar nenhum rigor científico para essa designação). Esses autores querem simplesmente transladar para o domínio das ciências humanas o que se sabe no domínio das ciências naturais, isto é, o que se pode provar a partir de postulados gerais que até agora encontraram sempre confirmação experimental. Buscam uma legitimação que eventualmente lhes falta. A palavra transladação aqui é adequada porque, antes de mudarem o que lhes convém mudar, começam, em geral, por matar a verdade apurada pela matemática e pela experimentação, de modo a que o cadáver se preste melhor às suas lamentáveis dissecações.
Bem, poder-se-á argumentar que "arrumar" o assunto com uma citação de Bunge é algo de anti-científico. Trata-se apenas de um só autor. E Bunge, ao fim e ao cabo, embora tenha formação científica sólida (o seu mestre foi, curiosamente, Guido Beck, um professor judeu que fugiu de Portugal no tempo da Segunda Guerra Mundial), é apenas um filósofo entre muitos. A resposta a estas objecções é que a generalidade dos físicos diz essencialmente o mesmo que Bunge pelo que este está bem informado (para uma sua excelente introdução à mecânica quântica leia-se o seu artigo "Vinte e cinco séculos de teoria quântica", publicado na "Gazeta de Física", revista da Sociedade Portuguesa de Física, vol. 25, fasc. 3, Julho 2002). Assim, para saber mais, abra-se um manual técnico de Física Quântica, por exemplo o "Understanding Quantum Mechanics" de Michael Morrison, professor de Física na Universidade de Oklahoma nos Estados Unidos. Segundo essa obra, o princípo da incerteza de Heisenberg diz que:
"Não podemos especificar sem ambiguidade os valores das observáveis posição e momento linear para uma partícula microscópica (...) Posição e momento linear são observáveis incompatíveis a um nível fundamental, uma vez que o conhecimento preciso do valor de um impede-nos de conhecer qualquer coisa sobre o valor do outro."
"[Esta limitação] está implícita na Natureza. Não tem nada a ver com nenhum aparelho ou com técnicas experimentais."
O Universo, a um nível profundo, é incerto e há muito que os físicos se habituaram a esse facto. Morrison acrescenta, em tom filosófico, que podemos pensar na relação de incerteza como "um meio da Natureza limitar as nossas ambições", mas a questão, se é que há alguma, é nossa e das nossas ambições e não da Natureza. Mas a incerteza da Natureza não impede a mecânica quântica de ser determinista e de fazer afirmações (de carácter probabilístico) que têm sido repetidamente comprovadas pela experiência. De facto, a teoria quântica é talvez a teoria científica que foi até agora verificada com maior precisão. Foram efectuadas, a todos os níveis, inúmeras tentativas para lhe encontrar falhas até agora sem qualquer sucesso. Não quer isso dizer que seja certa e eterna. Mas até que venha uma teoria melhor convém conhecê-la bem e evitar interpretações abusivas.
LIVROS PARA SABER MAIS
- Agustina Bessa-Luís, "O Princípio da Incerteza. Jóia da família", Guimarães Editores, 2001.
- Michel Rio, "O Princípio da Incerteza", Editorial Teorema, 1997.
- Mario Bunge, "Dictionary of Philosophy", Prometheus Books, 1999.
- Michael Morrison, "Understanding Quantum Mechanics. A user’s manual", Prentice-Hall, 1990
segunda-feira, 25 de junho de 2007
O JOGO
A propósito da estada entre entre nós do Prémio Nobel da Química Manfred Eigen e da sua colega Ruthild Winkler, recupero a recensão do livro "O Jogo. As Leis Naturais que Regulam o Acaso" (Gradiva, 1989), que publiquei no "Expresso" quando saiu esse livro.
Não sei se o biofísico-químico alemão-federal Manfred Eigen, quando veio a Portugal em 1988 para proferir num anfiteatro da Fundação Gulbenkian uma das lições integradas no «Balanço do Século», aproveitou a oportunidade para visitar o vizinho Centro de Arte Moderna.
Se sim, talvez lhe tenha chamado a atenção um quadro que representa dois dados gigantescos, lançados por uma mão enorme, sobre as águas perturbadas de um oceano. A tela, do surrealista português Carlos Calvet, intitula-se Misterioso, ousa e podia perfeitamente ilustrar os trabalhos que aquele cientista tem vindo a desenvolver e a propagandear na cidade de Göttingen. Os dados sao os símbolos dos jogos de sorte (ou de azar, se se perde). O oceano pode ser entendido como o mar primordial da Terra, onde a vida, um dia, há cinco mil milhões de anos, surgiu.
Tratou-se da origem do mais complexo e interessante jogo que algum dia se jogou: o jogo da evolução que, das amebas primitivas, de forma variável e caprichosa, conduziu ao Homo ludens de que fala Huizinga, o «Homo» capaz de jogar com as formas (como em Misterioso, ousa), com as palavras e as ideias.
No livro "O Jogo - As Leis Naturais que Regulam o Acaso", Manfred Eigen e a sua colaboradora Ruthild Winkler tomam o jogo como uma grande metáfora que engloba quer os fenómenos físico-químicos que estão na origem da vida quer a posterior evolução das espécies, quer ainda as várias e diferentes criações artísticas do homem. O holandês Huizinga redigiu, nos anos 30, um ensaio de história da cultura à luz dessa metáfora unificadora. Eigen e Winkler, quarenta anos depois, utilizaram os novos conhecimentos que a biologia molecular trouxe à cultura humana para voltar a invocar o jogo como imagem de síntese. O jogo é talvez um bom meio de descrição ou de compreensão de tudo o que acontece no mundo, tanto das reacções numa solução de ácidos nucleicos como duma composição literária ou musical. No princípio era o jogo e hoje continua a ser o jogo.
O Jogo das Contas de Vidro, de Hermann Hesse (publicado entre nós pela Dom Quixote), é uma fábula sobre o jogo como utopia total. Para Hesse, «o Jogo das Contas de Vidro é um jogo que joga com todos os conteúdos e valores da nossa cultura, um pouco como nos tempos áureos das artes um pintor terá brincado com as cores da sua paleta» , como um órgão é tocado (em inglês, «jogado» ) por um organista. Acrescentaríamos hoje: como um computador é jogado por um matemático. Continua Hesse a sua descrição do «Jogo das Contas de Vidro»: «Uma partida podia, por exemplo, partir duma dada configuração astronómica, ou do tema duma fuga de Bach, ou duma frase de Leibniz ou dos Upanishads e, segundo a intenção ou o talento do jogador, prosseguir e desenvolver a ideia condutora por ela evocada ou enriquecer a expressão dessa mesma ideia com a evocação de ideias próximas. Se o principiante era capaz de estabelecer um paralelo, por meio dos símbolos do jogo, entre uma melodia clássica e a fórmula duma lei da Natureza, o conhecedor e o mestre conduziam a partida desde o tema inicial até combinações ilimitadas.»
Manfred Eigen parte do Jogo das Contas de Vidro de Hesse (que é citado logo no início) para uma partida com o leitor, e acaba por estabelecer um paralelo entre as leis da natureza, que regulam o acaso, e as regras musicais, tanto clássicas, baseadas na harmonia, como modernas, exemplificadas nas séries de Schönberg.
Eigen não é um principiante. Embora porventura diletante na arte da música, é um biofísico-químico famoso a quem foi atribuído o Nobel da Química em l967 pelos seus estudos sobre a cinética das reacções rápidas. Por paradoxal que possa parecer (e isto de prémios Nobel tem os seus paradoxos; a Churchill, por exemplo, foi atribuído o da Literatura!), o seu principal domínio de interesse é uma reacção lenta, muito lenta: a reacção, ou melhor reacções, dos princípios da vida.
No princípio eram os ácidos nucleicos, que contêm em si a chave da selecção e portanto da vida, a saber: capacidade de auto-reprodução, possibilidade de mutação e virtualidade do metabolismo. Esses ácidos contêm informação codificada em quatro letras: C, G, U e A. Se acaso uma definição é possível, a vida mais não é do que o fenómeno natural da transmissão, modificação e processamento de informação.
O químico Spiegelmann disse um dia, meio a sério meio a brincar: «O homem é o meio que os ácidos nucleicos inventaram para se conseguirem reproduzir na Lua» . Meio a sério, porque virá um dia em que o homem se reproduzirá em colónias lunares e porque parece haver uma certa teleonomia no processo evolutivo; meio a brincar porque atribui ao ADN ideias de ficção científica...
A transmissão da vida é obviamente essencial à sua história. O físico Eugene Wigner declarou um dia, também meio a brincar meio a sério, que a reprodução biológica contrariava os princípios da mecânica quântica (devia ser mais a brincar do que a sério, pelo menos a avaliar pelos biliões de casais que ignoram tranquilamente a mecânica quântica...). Os primeiros ácidos nucleicos, certamente em obediência estrita à mecânica quântica, cresceram e multiplicaram-se, permitiram mutações diferenciadoras e sobreviveram por meio de incessantes trocas de energia com o meio. A certa altura, os primeiros peixes anfíbios, conduzidos pelas marés, passaram do mar primitivo à terra. Podia-se continuar aqui a «blague» de Spiegelmann, dizendo que foi a Lua que, desejosa de ver ácidos nucleicos nos seus «mares», apressou, por meio do fenómeno do fluxo das águas, o aparecimento do homem. Fosse como fosse, a vida espraiou-se, em múltiplas formas e funções.
Eigen e Winkler, meio a sério meio a brincar (recorrendo ao elemento lúdico conseguido por vários jogos de dados e tabuleiro), afirmam que o acaso, presente na mutação, e a lei, presente na consequente adaptação selectiva, são ambos imprescindíveis à vida. O acaso, que no jogo é simulado pelos dados e que no computador é simulado por números aleatórios, resulta de condições ambientais particulares. O facto de a transcrição da informação do ADN se realizar à temperatura ambiente, sendo o «quantum térmico» comparável à energia das interacções químicas envolvidas, permite o acidente, a mutação.Por outro lado, as leis que presidem aos fenómenos físico-químicos e que « domesticam» o acaso são universais, tão universais como a lei que rege o comportamento da Lua.
O biólogo francês Jacques Monod, no livro O Acaso e a Necessidade, colocou a ênfase no acaso, justamente impressionado pelas incontáveis combinações de que a vida se reveste. Eigen, em contraponto, diz que a ênfase deve ser posta nas leis naturais. De certo modo, é uma procura intransigente ainda que penosa da explicação físico-química das regularidades que vem substituir o deslumbramento de Monod, legítimo mas reverencial, perante a omnipresença do acaso. Não há jogo sem regras. São as regras do jogo que o definem, embora elas sejam incapazes de especificar os decursos individuais de cada partida.
Sabe-se hoje, mais de cem anos depois de Darwin, que o jogo da selecção se identifica, em grande parte, com o jogo da vida: é o jogo da continuação da vida. A selecção é o único mecanismo que permite explicar a vida que, luxuriante, pulula por quase todo o planeta. Há anos, quando nos Estados Unidos os criacionistas disparatavam nos «media», um leitor do "Expresso" defendeu numa carta ao jornal essa doutrina. Teve a sorte de ficar sem a merecida resposta. Acontece que o criacionismo é intelectualmente indefensável e cientificamente irresponsável. Bertrand Russell dizia que não acreditar na evolução era equivalente a supor que alguém podia já ter nascido com peugas, remendadas e tudo, nos pés.
Apesar de acreditarmos na evolução, nunca a vimos «ao vivo»: não vimos nem os peixes-anfíbios antigos nem os dinossauros. Eigen e Winkler ensinam-nos (a nós que não temos a paciência milenar que o planeta teve para assistir ao jogo da evolução - a Lua, essa, ainda está à espera - mas temos apenas algumas meias horas disponíveis) como se joga o jogo da selecção com a ajuda de uns tantos dados, um tabuleiro e peças de várias cores. Acaba-se, inexoravelmente, por assistir ao triunfo das cores «mais aptas». Voltamos a ser as crianças que éramos quando jogávamos ao «Jogo da Glória» ou os adolescentes que éramos quando demos ou levámos os nossos primeiros xeques-mates.
Mas quem são, em geral, os «mais aptos»? São as regras do jogo que definem a seta, para não dizer o sentido, da evolução. Escreve M. Eigen, num livro, Stufen zum Leben (Degraus da Vida), uma dúzia de anos posterior a O Jogo (que data de 1975) e publicado pela mesma editora, a Piper (de Munique): «Os genes que se encontram hoje nos seres vivos não podem ter surgido casualmente, quase por lançamento dos dados. Tem de existir um processo de optimização dirigido para um objectivo, nomeadamente para a funcionalidade». A informação serve um certo e determinado fim, e os fins aqui justificam os meios.
Trata-se portanto de dar uma explicação físico-química ao processo de escolha selectiva. O jogo caracteriza-se sempre (e nisso residem o seu fascínio e perenidade) pela imensidão das alternativas possíveis (o «jogo do galo» não é um bom jogo, porque não exibe muitas alternativas, enquanto o xadrez já é o jogo por excelência, porque não há dois iguais). Eigen prefere focar a sua atenção nas escolhas selectivas que se deram no plano das primeiras macromoléculas. A razão é que nesse caso a complexidade química é obviamente menor e as regras necessariamente mais simples. Para a evolução molecular primitiva (muito antes da ameba), Eigen mostra como se pode, recorrendo a modelos, simular os processos naturais de evolução. Não existem fórmulas matemáticas mágicas para o desenvolvimento e desdobramento da vida, mas sim algoritmos, que podem ser postos em prática num tabuleiro, num computador digital ou num pequeno reactor de evolução no laboratório (o reactor contém, por uma questão de comodidade, ácidos nucleicos e não crocodilos e hipopótamos).
O que é que em Portugal, aqui e hoje, O Jogo de Eigen e Winkler sugere ou ensina? Ensina que a ciência pode e deve ser também uma actividade lúdica, não devendo portanto estar sujeita a regulamentação espartilhante (a ciência não se deve burocratizar). Ensina que a mutação é a fonte de progresso em qualquer processo evolutivo e, por consequência, no processo da evolução das ideias científico-técnicas, aqui ou noutro lado, não basta copiar. Por muito que se reproduzisse, o primeiro peixe-anfíbio nunca teria chegado a mamífero e muito menos a ministro sem o papel das mutações inovadoras. Ensina também que as várias disciplinas científicas estão, mesmo quando afastadas, muito próximas uma das outras, e portanto não é justo que sejam dirigidas e/ou praticadas por repartições diversas que se ignoram mutuamente. Ensina que a Universidade deve ser uma «Universitas».
As investigações biofísico-químicas de M. Eigen são também e além do mais um protótipo da ciência futura: nem apenas teoria nem apenas experiência, mas uma combinação fecunda das duas acrescida da realização de simulações computacionais, jogos sofisticados de computador. O computador pode substituir com vantagem o reactor da evolução onde se praticam os jogos da vida: não são necessários nem os ácidos nucleicos nem os hipopótamos. Os intercâmbios horizontais entre as várias disciplinas são facilitados por esse novo instrumento deste final de século. Em Santa Fé, no deserto do Novo México, criou-se em 1984 um novo instituto para estudar as chamadas "ciências da complexidade". No primeiro « workshop» desse instituto, Eigen foi convidado a falar sobre as origens da vida, juntamente com outros cientistas que falaram uns sobre a «emergência da psicologia evolucionária», ou sobre «teoria dos sistemas complexos» ou «linguística e computação». Todos se sentaram à volta da mesma mesa, fazendo surgir novas sínteses na ciência. Eigen defende o «Jogo das Contas de Vidro» nos mais diversos domínios: na biologia e na linguística, na matemática e na música. Escreveu Hesse: «Todas as tentativas de aproximação entre ciências exactas e as menos exactas, todas as tentativas de conciliação entre a Ciência e a Arte ou entre a Ciência e a Religião assentaram nessa mesma ideia que, para nós, ganhou forma com o Jogo das Contas de Vidro» .
Qual é a extensão do «Jogo», segundo Eigen e Winkler? O processo de evolução biológica conduziu ao desenvolvimento particular do cérebro nos primatas. E é sabido pelo leitor que lê (senão não lia) que o cérebro humano permite a utilização de outras formas de comunicação que não a comunicação genética (há outras bibliotecas, de vinte e muitas letras para além da biblioteca dos genes, com quatro letras). Pode-se dizer que, com a emergência da comunicação falada e escrita, isto é, da língua, o «carrocel da evolução" acelerou vertiginosamente. O homem dispõe agora da possibilidade, que não é inocente, de intervir no Jogo. Apareceram as bibliotecas de ideias, artes, ciências e técnicas. É certamente discutível até que ponto as criações intelectuais do homem serão o prolongamento óbvio do jogo da evolução biológica. Mas, como contributo para essa discussão, Eigen e Winkler afirmam que se trata da continuação desse jogo, embora num outro nível e invocam o conceito de evolução em domínios onde, como eles próprios dizem, «não passam de diletantes». Normalmente o cientista que pretende ingenuamente abarcar tudo acaba por não conseguir abarcar demasiado. A incursão de Eigen e Winkler pelos terrenos movediços das ciências menos exactas pode parecer temerária, mas o seu diletantismo acaba por ser desculpável: em primeiro lugar, por ser confesso e, em segundo, por o leitor pressentir aí uma necessidade filosófica e afinal estética que é própria dos cientistas maiores. Não lhes basta uma «Weltbeschreibung» (descrição do mundo) mas aspiram a uma «Weltbild» (imagem, compreensão do mundo). O jogo serve a uma «Weltbild», uma vez que são evidentes as suas potencialidades metafóricas.
Mas em arte uma só metáfora não chega: a arte é o sítio onde várias metáforas se entrecruzam e confundem, como exemplificam, embora de maneira diferente, o livro de Hesse ou o quadro de Calvet. A última parte de O Jogo, onde Eigen e Winkler aplicam o jogo à arte, incorre nos vários riscos comuns a todas as extrapolações que devem menos à experiência própria e mais ao recorte de argumentos alheios para a demonstração da tese em causa. Pode parecer uma peça daquilo que Hesse chama a «idade do folhetim», dominada pela vulgaridade e uniformidade. Nem tudo se poderá reduzir ao jogo. Tudo é porém semelhante a um jogo, tudo é mistura de caos e legalidade.
Em jeito de justificação de Eigen e Winkler, busquem-se em Hesse as seguintes palavras conclusivas: «Pode-se ser um lógico ou um gramático rigoroso e, ao mesmo tempo, ser-se cheio de fantasia e música. Pode-se ser instrumentista e jogador de contas de vidro e ao mesmo tempo ser-se dedicado à lei e à ordem. O homem que ideamos e queremos, que nos propomos devir, trocaria em todos os seus momentos a sua ciência ou a sua arte por outras quaisquer, faria resplandecer no Jogo das Contas de Vidro a lógica mais cristalina e, na gramática, a imaginação mais fecunda. »
Eigen e Winkler são, convenhamos, bons jogadores de contas de vidro. Trocam de bom grado a ciência biofísica pela arte da música, o jogo molecular do ADN pelos jogos concertantes de Mozart!
- Manfred Eigen e Ruthild Winkler, O Jogo. As Leis Naturais que Regulam o Acaso, Gradiva, 1989.
PROVAS DE AFERIÇÃO POR COMPETÊNCIAS E/OU POR CONTEÚDOS?
Entre as vacilações conceptuais que encontramos no nosso sistema educativo - que são muitas e que não são exclusivas dele -, destaca-se uma que tem desencadeado grande controvérsia nos planos político, académico e prático: “o ensino deve ser orientado por competências e/ou por conteúdos?”. Como seria de prever, a falta de uma resposta inequívoca tem tido repercussões na estruturação das provas de avaliação da aprendizagem com carácter nacional. Passo a exemplificar.
No documento “Informação sobre as Provas” de aferição de Língua Portuguesa e Matemática para o Primeiro Ciclo do Ensino Básico disponibilizado no sítio http://www.gave.min-edu.pt/np3/7.html, verifico o seguinte: a prova de Língua Portuguesa está organizada a em função de competências (que são em número de três: “compreensão da leitura”, “conhecimento explícito da língua” e “expressão escrita”), não havendo referência a conteúdos; a prova de Matemática está organizada em função de conteúdos (mais precisamente, de “áreas temáticas” que são em número de quatro: “números e cálculo”, “geometria e medida”, “estatística e probabilidades” e “álgebra e funções”), não se fazendo referência a competências (ainda que, do global da informação, se consigam inferir essas competências, que são: “compreensão de conceitos e procedimentos”, “raciocínio matemático”, “comunicação matemática” e “resolução de problemas”).
Ou seja, no mesmo documento, pressuponho que pensado e redigido por uma mesma equipa ou por duas equipas que trabalharam conjuntamente, usaram-se duas lógicas de construção de provas de avaliação (uma por competências e outra por conteúdos), sendo que nenhuma delas é correcta. E isto porque, em virtude da investigação pedagógica realizada em torno dos exames, testes ou provas, já se percebeu, há pelo menos meio século, que competências e conteúdos são, ou devem ser, componentes indissociáveis do ensino e, portanto, devem ser ambas tidas em conta quando se estrutura e redige um exame, teste ou prova. É precisamente na conjugação destas duas componentes que se pode decidir que tipos de perguntas são adequadas. Sem uma explicitação inequívoca de uma e de outra, pura e simplesmente não poderemos dizer se um teste, exame ou prova está bem ou mal construído, ou seja, se mede aquilo que pretende medir.
domingo, 24 de junho de 2007
Vale a pena ler
Jorge Rezende, Luiz Monteiro e Elza Amaral
"António Aniceto Monteiro. Uma fotobiografia a várias vozes"
Sociedade Portuguesa de Matemática, Lisboa, 2007
Da nota introdutória de Nuno Crato e Catarina Santa-Clara transcrevemos:
"A SPM foi fundada graças aos esforços concertados desta geração. Mas houve nela um homem que pela sua energia, visão e persistência se salientou entre os demais, um homem que em 1937 esteve presente na criação da Portugaliae Mathematica , em 1939 no lançamento da Gazeta de Matemática e em 1940 na fundação da sociedade. Um homem que em todos mestes momentos, tal como noutros, percebeu sempre que a criação de um movimento matemático moderno implicava a internacionalização da investigação, a modernização do ensino, o incremento da divulgação científica e a atracção dos jovens para a matemática".
sábado, 23 de junho de 2007
O que se disse no II Encontro Comunicar Ciência
Na abertura admitiu-se que a comunidade científica portuguesa mostra um interesse acrescido em comunicar a sua investigação. Que é imperativa a criação de um espaço para a discussão de projectos em desenvolvimento, a partilha de ideias e promoção de contactos entre pessoas envolvidas na comunicação de ciência em Portugal. E depois de, em Junho de 2006, o primeiro Encontro de comunicadores de ciência ter ocorrido em Lisboa, aí estava esse espaço, agora no Porto.
Antes da primeira vaga de comunicações houve ainda tempo para Luís Rocha, representante da Novartis - principal patrocinador do encontro, reforçar a crescente importância de haver cada vez mais pessoas a fazerem o trabalho de comunicação de ciência e deixar uma outra reflexão no ar: «Se houver ideias, haverá investimento. O mundo está cheio de oportunidades». E estava aberta a audiência.
LER MAIS
Para que serve a Matemática?
A propósito dos exames nacionais, o Público pediu-me um texto para a separata de ontem sobre os exames de Matemática. Dedico-o, com toda a empatia, aos jovens que estão a fazer os exames.
Tudo o que vale a pena exige esforço. E quanto mais vale a pena, mais esforço exige. Isso é particularmente verdade sobre a Matemática: se investirmos um esforço pequeno sobre as matérias, ficando com um conhecimento superficial, de pouco ou nada nos valerá o “esforço”.
A Matemática não se aprende na Wikipedia ou navegando pela Internet. Exige pensamento, estudo, concentração, treino e algo para que nos últimos 2500 anos não se inventou substituto – o contacto humano. Aquilo a que normalmente se chama aulas.
Não sei se isto parece aborrecido, mas é a melhor (se não mesmo a única) maneira de aprender Matemática. E aprender é não só uma aventura maravilhosa, como tem no final o pote de ouro da compreensão do mundo. E para transformar o Mundo, é preciso primeiro compreendê-lo.
Isaac Asimov, num conto com mais de cinquenta anos publicado nos Nove Amanhãs, relata a seguinte história. Num futuro imaginário, as crianças brincam 364 dias por ano e um dia por ano o seu cérebro fica ligado a uma máquina com discos que lhes administram automaticamente todos os conhecimentos de que necessitam. Assim fazem toda a escolaridade e aprendem tudo o que precisam, da primária à Universidade. Todos menos um rapazito.
Desde os 7 anos de idade este rapaz foi obrigado a aprender à maneira antiga: estudando, tendo aulas, esforçando-se, compreendendo, investindo o seu tempo. Enquanto os seus amigos brincavam 364 dias por anos, ele estudava. E assim foi, para sua grande frustração, incompreensão e mesmo revolta, até à idade adulta.
Nessa altura foi chamado pelas classes governantes da sociedade. Começa por expor toda a sua revolta. Porque é que me trataram assim? Porque é eu tive de me esforçar para aprender por mim próprio tudo aquilo que ensinaram aos outros sem esforço? E a resposta foi “Porque tu foste escolhido para escrever os próximos discos”.
O pote de ouro da Matemática é o seguinte: todos os grande avanços científicos e tecnológicos implicam a utilização de novas ferramentas matemáticas. Para dar um exemplo recente que muitos de nós temos nas mãos, uma desconhecida empresa de indústria pesada, que fabricava pneus e pasta de papel, decidiu no final dos anos 60 virar-se para as telecomunicações. Estava num país com enorme densidade de pessoas altamente qualificadas do ponto de vista científico, técnico e matemático, e os grandes problemas matemáticos estavam a surgir. Era uma altura estratégica para entrar.
O país era a Finlândia. A empresa era a Nokia, hoje o gigante mundial de telemóveis. Continua a fabricar pneus, embora quase ninguém saiba. Mas para isso não é preciso Matemática mais sofisticada do que a do século XVIII, e não é por isso que a Nokia é conhecida (o leitor conhece alguém que use pneus Nokia no carro?). Para inovar verdadeiramente é necessário estar em condições de criar Matemática nova (e Física, e Química, e Engenharia). Enquanto seres humanos isso transporta-nos a altitudes nunca antes imaginadas - é como descobrir um Evereste pessoal para escalar. Só isso já compensa o esforço. E no fim da escalada pode estar um verdadeiro pote de ouro. Mas só está lá para quem se esforçar a descobri-lo.
O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA
A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...
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