sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Schadenfreuden

Habitual destaque às sextas para a crónica de J.L.Pio de Abreu no "Destak":

Schadenfreuden é uma palavra alemã que designa o sentimento de prazer com a desgraça alheia. Não é fácil encontrar traduções, pelo que a mesma palavra se usa noutras línguas para nomear tal sentimento. Não a usamos em português, mas temos a querida inveja que é o maior dos nossos sentimentos destrutivos.

Ter inveja não é desejar o que os outros têm, o que se chama cobiça, nem é o malfadado ciúme que consiste em temer que os outros roubem o que pensamos ser nosso. A inveja costuma definir-se pelo facto de nos sentirmos mal com o bem dos outros. Mas se fosse só isso, o invejoso não seria mais do que uma desgraçada vítima.

O problema do invejoso é que, quando vê alguém com mais posses ou competências, não se admite inferior. O que ele faz então é tentar destruir aqueles que são melhores. Fá-lo porém de um modo enviesado e ineficaz, colocando no outro todos os defeitos que possa imaginar. Ao fazê-lo, porém, ele fica cego para a realidade. De facto, a inveja deriva da expressão latina invidia, que quer dizer mau olhar.

Destruído o outro, ainda que em imaginação, o invejoso pode finalmente deleitar-se com o suposto mal do invejado, ou seja, tem direito ao seu schadenfreuden. Mas como não temos palavra para este sentimento sádico, fazêmo-lo inconscientemente. Quer dizer que aquilo que os alemães fazem com consciência e eficácia, fazem os invejosos portugueses inconscientemente e sem resultado. No fundo, somos masoquistas porque ambas as coisas nos destroem.

J. L. Pio de Abreu

6 comentários:

Anónimo disse...

"Atirad piedrasm, mediocres!"

(Rubén Darío)

Nas traseiras da casa, no quintal,
herança inestimável dos seus pais,
um certo velho tinha um roseiral
que rosas produzia... sem rivais.

Mordiam-se de inveja os seus vizinhos
que de igual modo cultivando rosas,
estas pouco mais tinham do que espinhos
contrariamente às suas... preciosas.

Numa manhã, chegando-se à janela,
viu seu jardim, parcela por parcela,
deitado abaixo à força de pedrada.

Não se deu por achado; refazendo
de novo o roseiral, ia dizendo:
"Assim procede quem não vale nada!"

JOÃO DE CASTRO NUNES

joão boaventura disse...

A Fúria Mais Fatal e Mais Medonha

Das Fúrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.

Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.

Mãe dos males fatais à Sociedade,
Vidas, honras destrói, cismas fomenta,
Nutrindo n'alma as serpes da Maldade.

O próprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.

Francisco Joaquim Bingre,
in 'Sonetos'

Anónimo disse...

MARCA DA CASA

A inveja mata, corroendo lenta
mas imparavelmente a alma humana:
é mal que de si próprio se alimenta
e aos poucos vai tornando a mente insana.

Pintaram-na os artistas primitivos
da forma mais horrenda que é possível:
animalescos dentes incisivos,
aspecto facial vesgo e terrível.

É sempre deletéria a sua acção
no meio social, embora às vezes
pareça ter o dom da emulação.

Por mim não me convenço que assim seja
especialmente quanto aos portugueses
que sobre todos primam pela "enveja"!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

A DESFORRA

Quando o monarca D. João Terceiro
por desacatos que ele provocou
Camões fora da pátria colocou,
mudando-lhe em desterro o cativeiro,

um escarninho riso sorrateiro
no rosto dos rivais se divisou
e toda a corte se regozijou
por ver-se livre desse arruaceiro.

O mal foi quando o Poeta ao regressar
na mão trazia para lhes mostrar
o poema que nas Índias compusera:

"Agora fazei pouco" - lhes reitera -
"medíocres de engenho e de talento,
falai agora, montes de excremento"!

JOÃO DE CASTRO NUNES

joão boaventura disse...

Como estamos na época Natalícia, em que ocorre a sugestão de ofertas e compras, sugeria, a propósito da inveja, a obra de René Girard Shakespeare Les feux de l'envie, Grasset, Paris,1990, ou última edição.

Boas Festas ao blog, aos postadores e comentaristas.

Cordialmente

João de Castro Nunes disse...

NEFANDUM

Pior que a inveja propriamente dita
é o regozijo pelo mal alheio:
disso é que eu tenho o máximo receio,
constituindo prática maldita.

Tratando-se de um péssimo conceito
tão vulgar entre nós, os portugueses,
é muito estranho, como penso às vezes,
não termos um vocábulo a preceito.

Talvez resida a sua explicação
no facto de esse torpe sentimento
ser tão mesquinho, sórdido e nojento,

que a língua por Camões utilizada
se havia de sentir envergonhada
de ter adequado... palavrão!

JOÃO DE CASTRO NUNES

FÁBULA BEM DISPOSTA

Se uma vez um rei bateu na mãe, pra ficar com um terreno chamado, depois, Portugal, que mal tem que um russo teimoso tenha queimado o te...