“Os processos da ciência são característicos da condição humana, porque se movem pela indissolúvel união do facto empírico e do pensamento racional” (Jacob Bronowski).
Em artigo publicado no “Jornal de Coimbra”
escrevi um artigo intitulado “Futebol, uma ciência sem cientistas?”
(28/08/1991):
“Contrariando os que defendem
a vantagem dos antigos jogadores de futebol serem os teorizadores desta modalidade, evoco a evolução
de conhecimentos do domínio científico que impuseram uma formação académica de
ensino superior aos seus
agentes.
Passou
o futebol por uma forma quase empírica entregue a antigos jogadores se futebol
apenas com cursos reduzidos de fim-de-semana, merecedores da nossa atenção porque cabouqueiros do actual futebol
português e que é da maior justiça destacar o nome de José Maria Pedroto,
jogador do Futebol Clube do Porto, seu treinador e antigo seleccionador nacional
na conquista do primeiro título europeu da modalidade.
Numa
fase pré-científica surgem os bacharéis em Educação Física (antigos instrutores
de Educação Física), meio práticos meio teóricos, por exemplo, Henrique Calisto
e Hernâni Gonçalves.
Na fase “científica”, os licenciados em Educação
Física, Jesualdo Ferreira, Nelo Vingada, José Peseiro, Carlos Queirós, José Mourinho,
tendo reconhecido numa homenagem que lhe
foi prestada pela Faculdade de Motricidade Humana: “Seria sempre um treinador de
futebol, mas sem a faculdade assim-assim e
nunca muito bom” (“Record”, 04/03/2009).
Joseph
Blatter, secretário-geral da FIFA, afirmou que “Carlos Queirós e os seus
jogadores praticam o verdadeiro futebol do futuro” (“A Bola”, 23/06/1991), como
se viria a confirmar com Figo e Cristiano Ronaldo.
Era a antítese de tempos em que Severiano Correia, treinador e antigo jogador de futebol, escreveu: “Balmanya, treinador do Bétis de Sevilha, se mostrava sumamente surpreendido com o facto do Sporting, além de ter um treinador de futebol, também utilizar um preparador físico (julgo ter sido Moniz Pereira), sistema que não se compreende uma vez que o técnico deve ser o único responsável por toda a orientação da equipa (“Tribuna”, Lourenço Marques, 05/03/1964).
Aliás, “nihil novi sub sole”,
se atendermos que no mundo da Grécia Antiga, segundo Galeno (célebre médico,
tido como o pai da moderna medicina desportiva), os treinadores troçavam
das teorias dos professores de ginástica e dos médicos sob o pretexto de não se
ter o direito de discutir sobre coisas desconhecidas quando se não tem a
prática do ofício”.
Em Portugal é
tradição passar-se do oito ao oitenta, do mais negro pessimismo à mais
cor-de-rosa esperança, através do acorde dorido da guitarra portuguesa à
alegria contagiante do “Bailinho da Madeira”.
Assim, talvez por
lhe terem dito lido algures que “só os mesquinhos são humildes” (Goethe), Jorge
Jesus, em vésperas de ir para o Brasil
treinar o “Clube de Regatas do Flamengo”, no
Rio de Janeiro, teve esta jactante tirada de quem não faz a coisa por
menos: “O meu grande objectivo é deixar marca portuguesa como o Vasco da Gama, Álvares Cabral e por aí adiante” (CMTV,17/07/2018).
E diga-me o leitor se o futebol, por vezes, não é um mundo de manifestações esféricas de raciocínio quadrado em que os ignorantes se põem em bicos dos pés para se agigantarem no pedestal da sua pouca cultura e muita imodéstia!
4 comentários:
Quando é necessário lembrar que, sem conhecimento, é o instinto de rebanho que funciona, mais importante do que a questão "tudo ao molho e fé em deus", é reconhecer que nem todos precisamos de conhecimento para estarmos livres e salvos dos perigos da ignorância.
A maior parte de nós, para não dizer todos, porque poderia ser injusto para aqueles que tudo sabem, inclusive sobre o futuro, temos algum conhecimento de algumas coisas e algumas opiniões sobre o resto.
E, enquanto nos formos desenrascando, porque, por exemplo, não precisamos de saber agricultura, ou pesca, ou cozinhar para comer, ou de saber produzir uma vacina para nos imunizarmos, ou de produzir um avião para voarmos e, além do mais, com uma licenciatura ou mestrado, estivermos certificados para o resto da vida e dissermos doravente, nem que seja aos noventa anos, que temos uma licenciatura, como se todo o (re)conhecimento e formação se reduzisse a esses anos da juventude e, quando a nossa equipa jogou bem, continuarmos a dizer que nós jogamos bem, assim como dizemos “nós chegamos à lua”, “ganhamos a guerra”, “salvamos o planeta” (vamos ver quem diz isso?!) ou, no caso do dono da obra, “eu construí tudo isto”..., na verdade, o espírito de rebanho é o melhor que pode existir.
O problema não está no rebanho, está no pastor e na relação entre ele, as ovelhas e os cães. Não estaremos longe de conhecer a fundo a dinâmica do comportamento dos rebanhos e do algoritmo dos cães pastores, para produzir(mos, nós, mais uma vez), robots pastores, muito mais eficientes e honestos do que os pastores e, talvez até, do que os cães pastores.
Não gosto de ovelhas, não gosto de rebanhos, não gosto de pastores, não gosto de cães, não gosto do que sobra de tudo isso. Gosto de nada. Nada é o ideal, mas nada não existe dentro da existência. Fui à procura no budismo, mas o budismo está cheio de tudo e os outros ismos estão cheios de alguma coisa. Não gosto de ignorância e não gosto de inteligência. Cara ou coroa? Não. E este "não" profundo e denso prega os pés ao chão e as asas ao céu e o movimento torna-se possível por um esforço de mente e de mentira, essa plataforma comum onde estamos sempre perdidos.
Conforta pensar que nem tudo são direitos ou deveres, ao contrário do que as religiões nos incutiram "violentamente".
Não termos direito ao nada, nem sequer a pensar nada, mas também não termos o dever de ser, de pensar ou de gostar... Ser livre, no fim de contas, não é cumprir um dever (por mais categórico), nem ter ou exercer um direito (por mais inalienável). É ser. Ou, ser nada. Mas "ser nada" parece mais absurdo do que ser e não ser ao mesmo tempo.
Obrigado pelo seu comentário que tem a virtude de obrigar a pensar.
Enviar um comentário